Leandro Bellini - Secretário de Cultura, Fundação Cesgranrio
Quem nunca sentiu essa vontade tão comum e tão humana de ser admirado, de ser relevante? Essa carência sempre esteve entre nós ao longo da história. A ânsia ancestral de ser notado, de se sentir parte de algo maior, de uma forma ou de outra, sempre encontrou seus caminhos, seus palcos ao longo das gerações. Pense nos salões literários do século XVIII, ou nos campos de batalha, onde a bravura e a honra eram recompensadas com a glória e o reconhecimento. A busca por um instante de eternidade sempre moveu a sociedade. Mas, o tempo é implacável, e, o que antes era esculpido em pedra, hoje se esvai em bytes. A fama, antes reservada aos heróis, aos nobres e aos artistas, democratizou-se, vulgarizou-se. A internet, essa terra de ninguém, transformou a busca por relevância em um jogo de likes e seguidores, onde a autenticidade se perde em meio a tanta pose e artifício. E assim, a velha necessidade humana, tão antiga, se veste de novas máscaras, se adapta aos novos tempos.
Chegamos a uma época em que, graças ao advento das redes sociais, a busca pela notoriedade parece ter alcançado o seu auge, um estado de urgência quase febril, no qual, se você não é visto, é muito provável que você nem exista. É a regra: se você não posta, você não existe. E se você ousa existir sem postar, sua existência provavelmente não vale a pena. Viver sem postar parece ter se tornado o mais novo grande pecado da humanidade. Por isso, muitas pessoas (a maioria?) se comem, postam, se não comem também. Se vão à academia, se não vão, se vão à praia, à padaria, se compram pão, se o pão está em falta, ou se não, elas sempre postam, invariavelmente. Todos já aprenderam: A invisibilidade é o pior dos destinos. Há aqueles que bebem água e por isso postam, mas não sem antes “educar” os seguidores sobre a importância da água para o organismo. Tudo é pretexto para uma grande e pretensiosa exposição. Não existe mais o ordinário. Ele agora se fantasia e faz questão de ser chamado de extraordinário. E, na qualidade de extraordinário, o ordinário merece ser divulgado, aplaudido, cultivado, porque só assim ele cumpre sua função básica: A de confirmar para nós mesmos que existimos e que, no fundo, isso vale a pena.
Recentemente, tenho me perguntado se não estamos confundindo a busca por validação externa com a construção de uma identidade autêntica. Essa é uma confusão extremamente perigosa, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade, que parece estar cada vez mais doente e legitimando o fato de que vale tudo para se sentir relevante. Vale até tomar o atalho rápido do ridículo, muito embora este conceito esteja cada vez mais frágil e subjetivo. Vale abraçar a superficialidade como estilo de vida, vale adotar a incoerência como premissa, “Vale Tudo”! Aliás, não haveria melhor hora para a releitura da novela de grande sucesso, que agora terá de brigar por atenção com a nova tecnologia, justamente essa que acrescenta mais uma camada à pergunta: Vale realmente tudo? Vale tudo pela fama digital?Não se trata, aqui, de condenar os avanços tecnológicos e as facilidades de conexão que a internet inegavelmente trouxe. Não se trata de uma vilanização das postagens e nem dos Likes. Longe disso.
O que busco é questionar de que forma a ampliação da tecnologia e das redes sociais redefiniu a forma como o ser humano lida com suas carências e neuroses, como os algoritmos nos fazem acreditar que somos genuinamente interessantes, ou mesmo importantes. Trata-se sobretudo de questionar a dependência angustiante desse novo objetivo de vida: O de viralizar.
E se só existimos quando existimos aos olhos dos outros, nada mais natural do que comercializarmos a troca de atenção. Há anos o cantor brasiliense, Tiago Iorc ( Grammy Latino, em 2023), intitulava seu álbum "Troco Likes", de 2015, salientando o quanto os likes viraram uma moeda de troca entre as pessoas. “Eu reparo em você se você me reparar, eu te exalto se você me exaltar” uma troca superficial de interesse que a internet também legitimou.A banalidade da vida cotidiana que vira notícias em uma comercialização da intimidade, também não é um fenômeno novo, exclusivo da era das redes sociais, mas sim uma prática que perpassa diferentes períodos da história humana. Ao longo dos séculos, podemos observar diversos exemplos dessa mercantilização, como os diários íntimos de figuras históricas que foram publicados postumamente, as cartas pessoais de celebridades que se tornaram best-sellers, ou mesmo os retratos íntimos de membros da realeza que eram vendidos como souvenirs. No século XIX, por exemplo, a venda de fotografias de personalidades famosas em poses cotidianas ou privadas já era comum, enquanto no início do século XX, as revistas de fofocas exploravam a vida pessoal de estrelas de cinema.Esses exemplos demonstram que a curiosidade pelo privado e sua consequente exploração comercial são características intrínsecas à sociedade humana, tendo apenas ganhado novas dimensões e alcance com o advento das tecnologias digitais e das redes sociais.
Embora nada disso seja efetivamente uma novidade, a dimensão gigantesca dessa dinâmica na atualidade nos obriga a repensar se não estamos desistindo de ser um rio profundo para sermos um córrego raso. Sim, é válido, é útil e é legítimo usarmos as redes sociais para nos conectar com as pessoas, sob diversos pretextos, mas essa conexão não precisa ser com o que há de mais superficial nelas, precisa? Garcia Lorca dizia que “Mede-se a cultura de um povo pelo seu teatro”. Fico imaginando se, atualmente, o teatro continuaria sendo um padrão de medida válido. Se não, torço apenas para que essa mensuração não seja feita pela internet. Nesse caso, assim como em “O curioso caso de Benjamin Button” ( filme de 2008, premiado com o Oscar, de David Fincher), correríamos o risco de nos percebermos menores e, talvez, mais infantilizados emocionalmente. Talvez, por ora, mais urgente do que “mensurar nossa cultura” seja nos lembrarmos de que também existe uma vida offline e que, ainda que não pareça, ela, com todas as suas amarguras não idealizadas, é a protagonista.
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