Lenilson Ferreira - Psicanalista
Meu trabalho como Psicanalista Clínico é um trabalho essencialmente laico, ou seja, não é influenciado por qualquer viés religioso. Ao mesmo tempo, estar em contato muito próximo com as emoções das pessoas durante décadas me ensinou que a fé é um poderoso aliado para a Saúde Mental. Ter uma perspectiva transcendental para a vida, ter uma vida marcada por um sentido de religiosidade tem sido cada vez mais valorizado entre os especialistas em Saúde Mental.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Saúde Mental como um estado de bem-estar mental que permite às pessoas lidar com os momentos estressantes da vida, desenvolver todas as suas habilidades, aprender e trabalhar bem e contribuir para a melhoria de sua comunidade.
Para a OMS, a saúde mental é parte do que sustenta as capacidades individuais e coletivas das pessoas para tomar decisões, estabelecer relações e moldar o mundo. Em suma, a saúde mental é um direito humano fundamental. É um elemento essencial para o desenvolvimento pessoal, comunitário e socioeconômico.
Estima-se que mais de um bilhão de pessoas vivam com algum tipo de transtorno mental em todo o mundo e que mais de 700 mil pessoas morram por ano devido ao suicídio. As taxas mundiais de suicídio estão diminuindo, mas estão crescendo no Brasil. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio aparece como a quarta causa de morte mais recorrente, atrás de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal.
Esses números tão impactantes refletem o tamanho da importância da Saúde Mental para a humanidade. Neste contexto, afirmamos que não existe Saúde sem Saúde Mental. Vemos esta ideia se concretizar quando mais e mais pessoas estão preocupadas com esta realidade.
A saúde mental não é algo isolado. É também influenciada pelo ambiente ao nosso redor. Isso significa que se deve considerar que a saúde mental resulta da interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais. Pode-se afirmar que a saúde mental tem características biopsicossociais. Nos últimos tempos, o aspecto transcendental/espiritual vem sendo levado cada vez mais em consideração.
“Eu falo hoje abertamente em minhas sessões de Psicanálise sobre minhas convicções de fé, sobre a forma como cultivo a espiritualidade e isto tem feito toda a diferença para reforçar minha Saúde Mental”, disse para mim recentemente uma paciente com os olhos brilhando quando as lágrimas estavam prestes a surgir.
A influência da fé sobre a saúde mental é um fenômeno resultante de vários fatores como estilo de vida, um sistema de crenças com ou sem práticas religiosas e formas de expressar estresse dentre outros fatores. Estudos apontam que maiores níveis de envolvimento espiritual estão associados positivamente a indicadores de bem-estar psicológico, como satisfação com a vida, afeto positivo e moral elevado, felicidade e melhor saúde física e mental.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia, o Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado de São Paulo e o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora são algumas instituições brasileiras que têm investigado a relação entre a espiritualidade e a cura de doenças físicas e psíquicas que podem ser agravadas por causa de sentimentos ruins e pensamentos autodestrutivos.
Pesquisadores têm concluído que há um conjunto de evidências que indicam que diversas expressões da espiritualidade têm impacto significativo na saúde e no bem-estar, associadas a menores níveis de mortalidade, depressão, suicídio, uso de drogas ou mesmo internações e medicamentos.
É importante destacar a diferença entre espiritualidade e religiosidade com a idéia de religião. Uma pessoa religiosa é uma pessoa espiritualizada, mas alguém espiritualizado não necessariamente segue uma religião e pode ter uma concepção muito subjetiva de Deus. A espiritualidade está ligada à busca de um propósito de vida, um propósito transcendental...
Um exemplo extremamente clássico é a correlação que pesquisadores têm feito entre perdão/gratidão e o controle da pressão arterial. Este perdão, entretanto, precisa ser um sentimento que mude aquilo que sentimos em relação à pessoa que nos agrediu de alguma forma.
Já sabemos que é possível prevenir doenças emocionais e doenças físicas através do perdão e da gratidão, reforçando atitudes positivas como a compaixão, a solidariedade, a paciência, a humildade e o otimismo. A ciência já fala isto com todas as letras.
Outro belo exemplo desta nova tendência na área da Saúde Mental vem do curso de Medicina da Universidade Federal Fluminense (UFF). Desde 2017 o curso oferece a disciplina optativa Medicina e Espiritualidade que foca a pessoa como constituída de corpo, mente e espírito.
“A ideia de criar uma matéria para falar sobre o assunto foi exposta para professores, coordenação e todos os núcleos responsáveis pelo curso de Medicina. Em conjunto decidimos colocá-la em nosso currículo”, contou o urologista e professor da UFF, José Genilson Ribeiro.
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