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A importância do Patrimônio Histórico

Claudio André Castro - Provedor da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores e empresário

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação


No dia 6 de março de 2023, fui nomeado,  pela Arquidiocese do Rio de Janeiro,  Provedor da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores.

A igrejinha,  situada na Rua do Ouvidor 35, no Centro do Rio de Janeiro,  construída em 1743 e 1756, estava fechada desde 2020, no início da pandemia, interditada pela Defesa Civil e com dificuldades financeiras.

Assumir a provedoria de uma histórica associação católica era um desejo que me cativava já há algum tempo, quando recebi o chamado do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro para fazer isso na antológica Irmandade de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores.

Construída  por comerciantes do Centro do Rio de Janeiro - onde. eu mesmo,  exerço o meu trabalho de empresário e corretor de imóveis, desde os 16 anos - a igreja estava numa situação lastimável.

Em tempo recorde e com recursos privados, efetivamos seu restauro e reabrimos o templo em uma inesquecível cerimônia presidida por Dom Orani, em 2023, com a presença do prefeito do Rio, Eduardo Paes.

Reaberta a igreja, surgiram outros desafios. Ao vasculhar os acervos documentais da mais antiga associação de comerciantes do Brasil, encontramos dezenas de fotos antigas, documentos históricos e inúmeros outros subsídios que possibilitaram a identificação do sumiço - desaparecimento mesmo - de centenas de objetos sacros da capela.    Pratas, imagens, ferragens, jóias, tocheiros, palmas, armários, cadeiras, mesas e lustres foram surrupiados.  Objetos tombados como parte do acervo da igrejinha dos mercadores junto ao Iphan. A busca por livros publicados com fotos da igrejinha ornamentada nos estilos barroco e rococó completou o círculo.

A partir desse trabalho, determinamos, portanto, que a igreja tinha seu acervo totalmente presente e íntegro, somente,  até 1986.

Constatamos,  também,  que as peças foram roubadas e desapareceram da igrejinha, entre 1986 e o ano 2000.

A  Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores era freqüentada pela Família Imperial, e a prataria mais erudita do templo levava a punção do prateiro José de Oliveira Coutinho, o mais importante da Côrte. Uma pequena caixinha de jóias, primeira igreja católica do país a ter um carrilhão de 12 sinos, e que até 1870 ostentava a maior clarabóia de vidro e ferro do Rio de Janeiro,  complementada, atualmente, por um belíssimo vitral com a insígnia da irmandade que assistiu ao progresso dos comerciantes. A talha do mestre Pádua e Castro, o estuque de Alves Meira e os painéis de Garcia Sanches são adições inestimáveis à beleza do templo que tem a mais bonita  e monumental imagem de Santana Mestra e Nossa Senhora Menina do país.

Como colecionador de arte há mais de 20 anos e neto da  grande colecionadora, Lygia Richard de Castro,  tenho o hábito de vasculhar todos os leilões de arte do país atrás de peças. Portador de memória muito boa e com a colaboração de amigos e pessoas que se dispuseram a ajudar na caçada dos tesouros perdidos,  tive o apoio da Comissão de Patrimônio da Arquidiocese do Rio e de protetores do patrimônio e servidores do Iphan.

Formulamos um grande inventário de peças desaparecidas de nossa irmandade.

Com o inventário em mãos, fomos à luta. Foi assim que num reputado escritório de arte em Copacabana, identificamos cinco peças marcadas com o emblema AM Coroado característico de nossa irmandade (AM é 'auspice maria', "sob a proteção" da Santa Mãe de Deus) e que constavam das antigas listagens do acervo.

No mesmo antiquário, também foram identificados um par de tocheiros da Catedral de Belém e um trio de sacras de altar da igreja da Ordem Terceira do Carmo, uma das igrejas mais espoliadas da história do país.

Denunciamos o fato ao Iphan e à Polícia Federal, que apreenderam as peças e, após alguns meses, fizemos uma Missa Solene em Ação de Graças pelo retorno de todas elas, à igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. Os objetos recuperados já foram usadas, desde então,  nas missas solenes de sábados e domingos, na igrejinha, e  podem ser vistas e admiradas por todos.

Agora, continuamos à procura de outras peças desaparecidas, em catálogos de leilões realizados nos anos anteriores, com a análise detalhada de cada objeto.

Para o trabalho de recuperação das peças de arte sacra,  tivemos o apoio, também,  da imprensa e opinião pública. Por intermédio da publicação de fotografias de objetos desaparecidas, uma antiquária de São Paulo nos procurou,  na semana passada,  e disse ter se sensibilizado com o assunto. A colecionadora revelou que havia adquirido, recentemente, um par de anjos sentencistas,  em madeira e,  graciosamente,  quando soube que eram peças roubadas da igreja,  decidiu nos devolver.

Nossas igrejas tombadas não são quebra-cabeças para serem vendidas aos pedaços. Elas são patrimônio cultural do povo, e, independentemente da religião que cada um de nós professa, traduzem quem é o povo brasileiro, e onde estão suas raízes.

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