- Pe. Anderson Alves
Em De Trinitate, Livro IX, Capítulo VI, Santo Agostinho explora a complexa relação entre a mente humana e a Trindade divina, apresentando a ideia de que as três faculdades da mente humana memória, inteligência e vontade são uma imagem da Trindade. Embora Agostinho proponha essa visão, Santo Tomás de Aquino oferece algumas correções ao agostinianismo puro medieval e aos averroistas, abordando aspectos fundamentais da teoria do conhecimento.
O averroismo latino, do século XIII, propôs a teoria da “dupla verdade”, segundo a qual há duas formas de conhecer a verdade: pela razão natural e pela fé. Santo Tomás, por sua vez, argumenta que a fonte de ambas é uma só: a verdade divina, ou seja, o conhecimento que Deus tem de si mesmo e de todas as coisas. Segundo Tomás, as verdades naturais e as de fé nunca podem se contradizer. Por exemplo, o mundo teve origem no tempo e não é eterno e isso é cognoscível apenas pela fé. A razão, por si só, não pode determinar essa questão, podendo apenas sustentar que o mundo seja eterno ou que foi criado no tempo, resultando em um impasse (aporia).
Contra a teoria do intelecto agente universal defendida pelos averroistas, Tomás de Aquino afirma que hic homo intellegit (“este homem entende”). Ele argumenta que o intelecto agente é pessoal e que a alma é única e criada por Deus. O intelecto agente ilumina a realidade e assim Tomás interpreta a doutrina agostiniana da iluminação. Para Tomás, o universal é o objeto do conhecimento (conceito), e não o sujeito, que é individual. A iluminação é gerada pelo intelecto agente, que é pessoal e conhece o conceito universal a partir das sensações e dos sentidos. Esse processo de iluminação é natural e não uma graça divina.
Santo Tomás também refuta a ideia de que há ideias inatas. Ele acredita que o que é inato no homem é o intelecto, a faculdade de conhecer o universal, os conceitos e os princípios. O homem nasce com o intelecto e a capacidade de abstração, que é o processo de separar as formas inteligíveis presentes na realidade sensível. Segundo Tomás, a abstração é um processo natural e não depende de uma iluminação divina sobrenatural (graça). Ele argumenta que nem todo conhecimento humano depende dos sentidos e da abstração, e que o conhecimento pode também provir da reflexão do intelecto. O intelecto pode refletir sobre seus próprios atos e conhecer realidades que não são materiais, como a alma humana, o conceito de pessoa, de justiça, de bondade e o ser de Deus.
Para Santo Tomás, a teoria da abstração (conhecimento das realidades sensíveis) e a reflexão (conhecimento do que é superior a nós, como a alma, os anjos e Deus) são duas formas de conhecimento. Ele enfatiza que o intelecto humano é capaz de conhecer tanto através da abstração quanto da reflexão, o que permite uma compreensão mais abrangente da realidade.
Em conclusão, Santo Tomás de Aquino oferece uma síntese entre a teoria agostiniana da iluminação divina e sua própria visão do intelecto agente. Ele argumenta que a iluminação é um processo natural e pessoal, e não uma graça divina (como diziam alguns agostinianos medievais). Enquanto Agostinho vê as ideias inatas como essenciais para o conhecimento, Tomás sustenta que o intelecto humano nasce com a capacidade de conhecer através da abstração e da reflexão. Essas abordagens são complementares e oferecem uma visão rica sobre o conhecimento humano e a relação entre a mente humana e a Trindade divina.
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