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Bebê Reborn: um afeto saudável ou um alerta emocional?

Segundo psicóloga, esse comportamento pode representar uma tentativa de preenchimento emocional

Foto: Reprodução
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Bruna Nazareth

Influenciadores e colecionadores estão viralizando com conteúdos de suas coleções de bebês hiper-realistas, conhecidos como Bebês Reborn. Feitos à mão por artesãos conhecidos como “cegonhas”, esses bonecos apresentam detalhes realistas, que os fazem parecer bebês de verdade. Produzidos com vinil ou silicone, eles podem ser totalmente personalizados: cor da pele, cabelo implantado fio a fio, marca de nascença, olhos abertos ou fechados e até o tamanho, desde recém-nascido até versões maiores.

Esse fenômeno vem ganhando destaque nas redes sociais e na mídia, especialmente porque muitos tratam os bonecos como se fossem bebês reais. Para criadores de conteúdo, a prática pode ser apenas uma forma de entretenimento e engajamento, uma encenação. Para colecionadores, é um hobby, uma forma de brincar. No entanto, há quem viva a experiência com tanta intensidade que desenvolve comportamentos semelhantes aos de quem cuida de uma criança de verdade.

Esse cenário tem gerado conflitos no campo jurídico e social, com discussões sobre a criação de projetos de lei, aplicação de multa e até mesmo a proibição do uso dos bonecos hiper-realistas em fila de atendimento prioritário e por profissionais de saúde.

O problema não está em adultos brincarem ou colecionarem bonecos, mesmo que a sociedade, especialmente em relação às mulheres, ainda encare de forma estranha o ato de brincar na vida adulta. A principal polêmica surge quando esse ato ultrapassa o limite do lúdico, o que levanta um alerta sobre a saúde mental dessas pessoas.

Visão psicológica

A psicóloga Cláudia Melo esclarece que, sob a ótica da psicologia, os seres humanos têm uma necessidade fundamental de encontrar sentido e afeto na vida. Nesse contexto, cuidar de um Bebê Reborn como se fosse uma criança real, pode representar simbolicamente uma ausência, um luto não elaborado ou um desejo não vivido, como a perda de um filho, a impossibilidade de gerar ou uma infância marcada por carência afetiva.

“O reborn torna-se um espelho de algo interno, uma tentativa de preenchimento emocional ou de reparação simbólica. Nesse processo, o que está em jogo não é a boneca em si, mas o que ela representa no mundo interno da pessoa: um elo com a ternura, o cuidado, a proteção consigo mesma ou com uma história passada”

Essa prática se torna preocupante principalmente porque muitas pessoas estão incorporando os bebês realistas em suas rotinas reais, levando-os ao médico, realizando batizados e até comemorando aniversários. Sendo assim, a especialista destaca que é fundamental saber distinguir entre um comportamento saudável e um sinal de sofrimento psíquico.

“O comportamento é saudável enquanto estiver a serviço da vida, do autocuidado e da expressão legítima de afetos. Quando a presença do reborn favorece o acolhimento de emoções difíceis, promove um sentido de consolo e não impede a pessoa de viver plenamente sua realidade, ele pode ser terapêutico. Porém, quando há um isolamento crescente, uma substituição de vínculos humanos reais, ou um sofrimento intenso disfarçado pelo vínculo com o boneco, há sinais de alerta. O limite não está no comportamento em si, mas na função que ele cumpre e no impacto que tem na existência da pessoa. A psicologia humanista não rotula, ela escuta o contexto, o sofrimento e a singularidade da vivência”, ressalta.

Esse tipo de comportamento tende a ser transitório quando faz parte de um processo simbólico de cura. Entretanto, pode se tornar uma fixação, se for usado como defesa contra a dor psíquica, impedindo o contato com a realidade ou com vínculos humanos.

“A diferença está na consciência que a pessoa tem do seu comportamento e na liberdade que sente em relação a ele. Se há rigidez, compulsividade e negação de outras formas de afeto ou de vida, pode-se considerar que há um sofrimento mais profundo. Mas, se o reborn é um canal de expressão, um companheiro simbólico em um tempo difícil, e a pessoa se mantém aberta ao mundo, então ele é parte de um processo legítimo e humano”

Qual relação que existe entre quem tem um reborn e quem trata pet como filho?

O fenômeno dos Bebês Reborn tem tido grande repercussão ultimamente, no entanto, o que muitos esquecem é que, há algum tempo, também causou grande discussão o modo como algumas pessoas tratam seus animais de estimação como filhos, com roupas, carrinhos e até festa de aniversário.

Embora, para alguns, essa comparação pareça absurda ou fora de contexto, a especialista destaca que há um ponto em comum no perfil psicológico de quem tem um Bebê Reborn e de quem cuida de um pet como se fosse filho. Ambos os comportamentos refletem uma necessidade profunda de cuidado, de criar vínculos e de dar e receber afeto em um mundo onde os laços humanos se tornaram frágeis, descartáveis ou dolorosos. Esses comportamentos nos convidam a refletir sobre como as relações afetivas vem sendo moldadas nos tempos atuais.

“Em uma sociedade que valoriza a produtividade acima da sensibilidade, muitas pessoas encontram nos pets e nos reborns a chance de viver o amor sem o medo da rejeição. Isso não deve ser julgado, mas compreendido como sintoma de um tempo que adoece os laços humanos. A solidão, o individualismo e as feridas emocionais criam novas formas de se relacionar com o afeto, formas que parecem excêntricas, mas que são profundamente humanas”, frisa Melo.

Papel dos familiares

Familiares e pessoas próximas muitas vezes tendem a aceitar ou até normalizar esse comportamento. No entanto, é importante estar atento a sinais sutis que podem indicar sofrimento psicológico, como isolamento social, recusa ao contato com outras pessoas, confusão entre fantasia e realidade, tristeza disfarçada de alegria ou uma rigidez excessiva nos cuidados com o Reborn. Observar esses sinais pode ajudar a identificar se há algo mais profundo acontecendo, e em alguns casos incentivar a pessoa a buscar um apoio psicológico.

“O mais importante é olhar com empatia e escuta, e não com julgamento. Ao invés de dizer “isso é loucura” ou “pare com isso”, é mais cuidadoso perguntar: “Como você se sente quando cuida do seu Reborn? Isso te faz bem? Tem algo que esteja doendo em você e que você queira dividir?” Acolher a dor antes de querer mudá-la é sempre o caminho mais humano”, conclui.

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