COLUNISTA
Dom Pedro II do Brasil (1825-1891), cognominado “o Magnânimo”, foi o segundo e último monarca do Império brasileiro, tendo governado o Brasil de 1840 a 1889. Era o filho mais novo do imperador Pedro I do Brasil e da imperatriz Maria Leopoldina da Áustria e, portanto, membro do ramo brasileiro das Casas de Bragança e de Habsburgo. Há vários aspectos com os quais podemos classificar a sua vida e o serviço público desempenhado como Chefe de Estado. Todavia, um aspecto deve ser sempre lembrado em relação a este monarca: foi um verdadeiro patrono das artes e das ciências do seu tempo “Nasci para consagrar-me às letras e às ciências”, registrou Dom Pedro II em seu diário pessoal, num trecho de 1862. Respeitando este nosso espaço editorial, tentarei falar sucintamente deste aspecto: o imperador das artes e das ciências.
Segundo os historiadores mais respeitados, D. Pedro II é a figura pública brasileira mais pesquisada e mais debatida. Anualmente, inúmeras teses e outros trabalhos acadêmicos são publicados na tentativa de compreender criticamente a pessoa e o legado do segundo imperador do Brasil. Nos últimos anos, entretanto, temos percebido um certo movimento ufanista no que concerne a algumas análises em relação a D. Pedro II, o que contraria a pesquisa equilibrada e crítica que temos realizado nas universidades e centros de investigação dentro e fora do Brasil. Impasses à parte, o imperador segue despertando paixões e críticas, mas ambos os lados são unânimes no respeito à pessoa deste grande brasileiro.
O imperador das Artes
Aqui o conceito de arte é bem amplo e contempla vários gêneros, mas eu devoto muito da minha análise à literatura, minha área de conhecimento e atuação profissional.
Tive uma noção da grandeza artística de Pedro II quando, ao longo do ano passado, cursando um Pós-doutorado na Sorbonne Nouvelle, pesquisei em inúmeras instituições francesas, especialmente o Instituto de França, a Biblioteca Sainte-Geneviève e o College de France. Nestes (bem como em outros), fiquei abismado com a presença documental do nosso imperador em terras francesas. Digitalizei uma infinidade de cartas, manuscritos, documentos diplomáticos, fotografias e recortes de jornal todos atestando a grandeza petrina em diálogo com os intelectuais franceses, especialmente os literatos.
Despertou-me especial emoção as suas cartas ao escritor e historiador Ferdinand Denis, “diretor perpétuo” da Biblioteca Sainte-Geneviève, amigo pessoal de D. Pedro II e que viveu no Brasil por muitos anos, a convite de D. Pedro I, no âmbito das expedições artísticas francesas do nosso primeiro reinado. Em tal correspondência, o grande testemunho é o compromisso do nosso monarca em estabelecer um fecundo e longo intercâmbio no sentido de engrandecer o patrimônio da nossa Biblioteca Nacional, à época dirigida pelo Barão de Ramiz Galvão. Aliás, é de imensa importância este triângulo epistolar entre o imperador, Ferdinand Denis e Ramiz Galvão e não exagero em afirmar: muito da memória bibliográfica do Brasil se encontra nesta tripla correspondência.
Este e outros aspectos me foram despertados, anos atrás, pela amiga e historiadora Maria de Fátima Argon, que numa das nossas tantas conversas, lembro-me bem, afirmou: “Vocês da área de literatura não imaginam o quanto de importância D. Pedro II tem para os estudos literários brasileiros, que o diga a sua correspondência com os escritores franceses do seu tempo”. Esta afirmação da cara amiga ressoou forte em mim e não a deixei em vão: tenho migrado, cada vez mais, para os estudos históricos em diálogo com os estudos literários.
O imperador das Ciências
Quando li a dissertação “Entre Júpiter e Prometeu, a complexa trajetória de D. Pedro II: um agente no campo científico (1871-1891)”, escrita pela também amiga e confreira Alessandra Fráguas e defendida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fiquei abismado com esta outra interlocução do nosso imperador: o mundo científico do seu tempo. Dentre tantos aspectos, a dissertação de Alessandra Fráguas me despertou para a correspondência de Dom Pedro II com Jean Louis Armand de Quatrefages, eminente naturalista francês, com estudos em diferentes áreas como Botânica e Zoologia e amigo pessoal do imperador do Brasil.
Nos arquivos do Instituto de França, consegui recuperar as cartas que D. Pedro II enviou a Quatrefages, bem como inúmeros textos crítico-biográficos que o cientista francês escreveu sobre o monarca brasileiro. Nestes, pude perceber a extensão e a atuação de D. Pedro II nos meios científicos franceses, especialmente na sua já conhecida generosidade para com os institutos científicos daquele país, bem como os cientistas e seus projetos pessoais de investigação.
É-nos motivo de honra adentrar na galeria histórica do Instituto Pasteur, em Paris, e depararmo-nos com o belo busto de D. Pedro II, esculpido em mármore, ao lado dos outros grandes benfeitores e fundadores daquela instituição. Ou então, no arquivo da Academia das Ciências (no Instituto de França), encontrar uma estante e uma seção inteiramente dedicados aos documentos de/sobre D. Pedro II salvaguardados naquela instituição.
O bicentenário do Imperador
Tenho acompanhado, desde o ano passado, inúmeras iniciativas dentro e fora do Brasil no intuito de celebrar o bicentenário petrino: em Florianópolis já foi inaugurada uma rica exposição acerca da presença de D. Pedro II em Santa Catarina, com um projeto expositivo que orgulha e valoriza todo este legado. A cidade de São Paulo decretará feriado municipal em 2 de dezembro próximo, dia do aniversário do imperador, isto depois de ter criado a sua “Comissão do bicentenário de D. Pedro II”. Também na capital paulista, em maio próximo, eu mesmo coordenarei um belo Simpósio no SESC-SP, com dois dias de duração, o qual reunirá importantes especialistas brasileiros para debatermos o legado do nosso imperador. Também fui convidado, pelo Governo do Estado de Alagoas, para compor a “Comissão do Bicentenário” daquele estado, cuja instalação será no próximo mês, em Maceió. Em Setembro próximo, a convite da nossa Embaixada em Paris, coordenarei um Seminário internacional sobre as relações entre D. Pedro II e a cultura francesa.
E Petrópolis a Cidade de Pedro o que tem feito e preparado para celebrar esta grande efeméride?
O Museu Imperial se adiantou (corretamente!) e já no ano passado lançou o belo livro “D. Pedro II e Portugal” (organização de Alessandra Fráguas e Maurício Vicente Ferreira), bem como lançou o selo comemorativo deste bicentenário. Soube, há algumas semanas, que também foi lançado um significativo calendário acerca desta mesma efeméride e que eventos estão programados para este ano.
Mas e os poderes públicos? A Prefeitura, o Legislativo Municipal, a nossa Comarca jurídica todos, na minha opinião, devem se organizar e celebrar este acontecimento ao longo de todo este ano e não apenas em dezembro, no aniversário do Imperador. Insisto: o bicentenário de D. Pedro II deve ser considerado um evento cívico, político, memorialístico e cultural!
Neste afã, também conclamo as nossas inúmeras instituições culturais e educativas: as academias de pensamento e institutos de pesquisa, as universidades locais, as secretarias de educação pública, a rede privada de ensino, as denominações religiosas, as entidades de classe etc. Todos possuem a responsabilidade de celebrar e refletir a respeito do legado deste grande brasileiro que deu o seu próprio nome à nossa cidade, bem como a amou e a projetou nacional e internacionalmente.
Sei que tenho sido insistente e repetitivo, especialmente porque tudo isso aqui partilhado eu venho falando e insistindo com os amigos mais próximos, especialmente com os confrades do nosso Instituto Histórico. Tenho consciência desta minha atual chatice. Mas o motivo é nobre e o momento urge, pois já estamos no segundo mês deste ano do bicentenário e pouco tenho visto a este respeito.
Que tenhamos a determinação dos nossos antecessores que, em 1925, aquando do então centenário do imperador, pensaram esta efeméride como um projeto político de crescimento e engrandecimento para a nossa Petrópolis, despertando uma maior consciência histórica em nosso meio e também pensando no bem comum (como obras de remodelação urbana) da nossa cidade, publicações e inúmeras iniciativas que ainda refletem esta grandeza que faz parte da nossa própria identidade e da nossa história.
Leandro Garcia
Presidente da APL