COLUNISTA
Na forma do que estabelece o Estatuto da APL, a Diretoria da entidade já enviou mensagem eletrônica (e-mail) convocando todos os acadêmicos titulares para se reunirem em Assembleia Geral Ordinária na quinta-feira, dia 06 de março, às 10h (em segunda convocação), na Casa de Claudio de Souza (Praça da Liberdade, 246). Dentre os itens previstos na pauta estão a apresentação do Relatório da Diretoria e Prestação de Contas do Exercício Findo (2024), para aprovação do plenário e a eleição para os cargos de Presidente e Vice-Presidente e membros do Conselho Fiscal, no biênio 2025/2026. Contamos com a presença maciça dos confrades acadêmicos/as.
Aproveitando a circunstância de sua estada em Portugal, neste primeiro semestre de 2025, realizando estágio de pós-doutorado na condição de pesquisador visitante na Universidade de Coimbra, o Vice-Presidente e Diretor Secretário da APL, acadêmico Cleber Francisco Alves, encontrou-se com Teolinda Gersão, na tarde da quinta-feira (13/02), para um café e conversa acerca da mais recente obra desta consagrada escritora portuguesa. O contato com Teolinda foi intermediado pelo confrade Antônio Torres, que é grande amigo da romancista lusitana. O encontro ocorreu na cafeteria “A Brasileira” (no bairro do Chiado, em Lisboa), que se tornou célebre por ter sido um ponto de referência na origem do movimento modernista em Portugal: o poeta Fernando Pessoa era frequentador assíduo e está homenageado com uma escultura bem em frente ao estabelecimento. Teolinda é amiga também de outros confrades da APL, como é o caso de Gerson Valle, Ivone Sol e Leandro Rodrigues que, inclusive, recebeu-a na UCP, em 2020, para uma palestra por videoconferência, no projeto “Expoentes da Literatura”. Na coluna de hoje, está sendo publicada uma breve resenha do livro, elaborada por Cleber Alves. Imperdível a leitura dessa obra!
por Cleber Francisco Alves
O mais recente livro da escritora portuguesa Teolinda Gersão tem o sugestivo título de “Autobiografia não escrita de Martha Freud”. Foi publicado em outubro de 2024, pela Porto Editora, em Portugal. A personagem indicada no título do livro é uma pessoa real: ou seja, a mulher do mundialmente famoso Dr. Sigmund Freud. A proposta da autora, nesta obra literária, consistiu em imaginar que nos anos finais da vida de Freud e mesmo depois de sua morte, Martha teria cogitado de escrever sua autobiografia. E, para tanto, teria lido e relido todo o acervo de cartas trocadas pelo casal, principalmente quando ainda eram namorados, antes de se casarem, e também outras correspondências trocadas entre “Sigi” (como ela chamava o marido) e outros interlocutores: familiares e amigos próximos. Daí o título: “Autobiografia não escrita de Martha Freud”. Para elaborar o livro, Teolinda analisou cuidadosamente mais de 1500 cartas desse acervo acima mencionado, que estão publicadas em livros ou disponíveis para consulta em sítios eletrônicos na internet. Certamente, terá sido uma pesquisa muitíssimo trabalhosa: o livro está rigorosamente baseado no que consta registrado nessas cartas (boa parte do texto corresponde mesmo à transcrição literal do que fora efetivamente escrito pelos personagens!).
Mas a autora não se limita a compilar as “falas” tal qual aparecem nas cartas: Teolinda faz uma sensível e inteligente análise não só do que está nas entrelinhas dos escritos, mas também do que é possível inferir quanto aos pensamentos e sentimentos dos missivistas. O que surge então é uma sofisticada e percuciente narrativa acerca das relações interpessoais desses personagens históricos, revelando suas personalidades. Exatamente aí é que se manifesta a engenhosidade dessa rica produção textual que foi engendrada neste instigante livro. Em outras palavras, como ressalta a própria Teolinda, não se trata de um romance histórico; nem tampouco de estudo de cunho acadêmico e literário sobre as cartas. Também não se trata de trabalho de crítica literária de epistolografia, mas sim um “romance epistolar”. O livro consiste em criação ficcional que, porém, tem lastro em dados e informações objetivas: baseia-se em documentos escritos que foram meticulosamente analisados pela autora...
Conforme indicado no título, o livro de Teolinda Gersão se propõe a “dar voz” e protagonismo a Martha Bernays, que com o casamento se tornou Martha Freud: a mulher que, ao longo de décadas, esteve silenciada e reduzida ao estereótipo de esposa/mãe/dona-de-casa exemplar, na retaguarda do marido, o célebre intelectual que passou à história reconhecido como o “Pai da Psicanálise”. Porém, surpreendentemente, muito mais do que apresentar ao leitor a partir do que leu nas cartas a instigante personalidade de Martha Freud o livro desvela, de modo impactante e intrigante, facetas e perspectivas muito pouco conhecidas e, como o leitor poderá constatar, nada abonadoras da personalidade daquele que é tido por muitos como um dos mais geniais cientistas dos tempos contemporâneos. Como teria dito a própria Martha a “Sigi”, na autobiografia que não escreveu, ao final do livro: “Que nada fique escondido e o secretismo da tua obra e do teu espólio acabe. Que tudo o que foste e escreveste venha à luz do dia, não só do teu ponto de vista, mas também na visão dos que privaram contigo”.
Enfim, neste seu novo livro, Teolinda Gersão traz ao leitor uma narrativa “ficcional” que, fortemente amparada em documentos e registros reais, de tão pungente que se revela, parece até mesmo contrariar a conhecida sentença de Mark Twain que diz: “a diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido”.
