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Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Golpe de Sorte em Paris: Woody Allen e a sua última tentativa de ser Woody Allen

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Woody Allen sempre será lembrado por ser um cineasta intelectual, sofisticado e que sempre evidencia a sua personalidade nas telas através de belas e vivas cidades, das artes, da música e também dos requintados diálogos filosóficos de seus personagens. Além disso, é inegável que ele tenha deixado um genuíno legado para o mundo (mesmo que ele tenha negado isso em recente entrevista). Esse legado, aqui tratado por filmografia, possui algumas fases e característicos marcantes. Particularmente considero os 10 anos que separam Annie Hall (1977) (tristemente distribuído no Brasil como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) de Hannah e Suas Irmãs (1986) como indelével. No entanto, também sinto forte conexão com a fase a qual chamo de cinema de predileções, onde o cineasta nos presenteou com filmes desde Match Point (2005) a Blue Jasmine (2013), incluindo o seu grande clássico, na minha humilde opinião, Meia-noite em Paris (2011).

Ao longo dessa extensa produção de 50 filmes, altos e baixos se fizeram presentes, e é em um desses baixos que Golpe de Sorte em Paris surge. Indo contra grande parte da crítica, ainda atribuo bom valor a Um Dia de Chuva em Nova York e O Festival do Amor, mas ainda assim, esses filmes não se aproximam do auge do cineasta. Golpe de Sorte em Paris é um filme agradável, é rodado em uma das cidades mais bonitas do mundo, se relaciona com arte, é embalado pelo tradicional e frequente jazz, faz uso de personagens alegóricos e aborda dicotomias comuns para o cineasta como acaso e destino, amor e traição, dever e desejo. Além disso, a estética do filme não difere em praticamente nada das formas já testada por Allen. Então a pergunta que fica é: por que esse sentimento de que algo está faltando?

O filme conta a história de Jean, um homem rico e controlador que lida com finanças, e sua esposa Fanny, que encontra um dia aleatoriamente Alain, um romancista pobre que era apaixonado por ela quando estudavam juntos. A dicotomia aqui é evidente: o homem rico e o homem pobre, o controlador obcecado pela honra social e o romântico, o mentiroso e o honesto. Na própria estrutura dos personagens o modelo característico de Allen ao eleger discursos filosóficos através de personagens alegóricos se impõe. Jean é um daqueles homens que acreditam fazer a própria sorte, e verbaliza isso seguidas vezes. Esse é apenas um exemplo de um debate filosófico bastante característico de Allen. A própria questão de verbalizar algo de forma incisiva leva o espectador a perceber um outro problema que trabalha lado a lado com a repetição: o overacting.

Talvez o exagero da atuação dos atores seja proposital para evidenciar elementos do círculo burguês que Woody Allen critica ao longo do filme ou talvez o cineasta não tenha se dado tão bem com o idioma francês. O que se percebe é que nada em relação aos atores soa nem natural e nem artificial rigorosamente inserido em uma unidade estilística coerente.

Em relação à já citada crítica ao meio burguês, Allen parece esquecer dessa proposta na metade do filme, ignorando que em algum momento ele tenha começado a trabalhar com tais elementos. E isso é uma constante do filme, que se perde em diversos elementos narrativos e linguísticos em uma gramática incoerente e que parece automatizada, apenas trabalhando ao modo de operação Woody Allen. A própria trilha musical que acompanha o filme parece em modo automático, não sentindo a narrativa. As predileções de Allen estão presentes, mas todas sem alma. O jazz não é um estilo etéreo, a Paris não entrega a sua evidente beleza, a cultura está decadente, escondida, e não mais pulsante, as paixões não são mais tão ardentes, a arte está encoberta. Sinto pessimismo em relação ao filme. E isso responde à pergunta inicialmente feita. O que falta no filme é alma, a alma do grande intelectual e artista Woody Allen.

Meu Amigo Pinguim: entre o belo e o artístico

Nas origens do cinema um dos tópicos frequentemente discutidos foi a autoria. Levando em consideração que o cinema, diferentemente de várias outras artes, é uma arte coletiva, a atribuição de um autor único para o filme era algo debatido. Reteria tal direito o produtor (responsável pela parte burocrática e organizacional do filme), o roteirista (responsável pela organização da história e das falas) ou o diretor (responsável pela parte artística? Com, principalmente, a política dos autores, ligada à revista Cahiers du Cinèma, o diretor emerge como o grande autor do filme, responsável por toda a mise-en-scène (unidade estilística ou conceito geral) do filme.

A atribuição da autoria ao diretor fez com que diversas excelentes histórias esbarrassem nas limitações artísticas dos cineastas que lidariam com essas histórias. Meu Amigo Pinguim é um desses casos. O roteiro cumpre a sua função de revelar uma história incrível de amizade entre um homem no Rio de Janeiro e um pinguim da Patagônia. A história é cativante e não deixa de emocionar, mas a ausência de uma boa direção é sentida principalmente na forma como o diretor decupa as cenas que demandariam maior inspiração. Essas cenas soam artificiais e genéricas, inclusive de distanciando do tom naturalista do restante do filme. Talvez tal sensação recaia sobre o uso indevido de CGI, mas mesmo caso a limitação financeira seja o motivo, um cineasta apto saberia lidar com tais adversidades.

Ainda que o filme de fato seja insuficiente em aspectos técnicos e criativos, a história consegue ser passada de forma convincente, chegando até a ser emocionante, pois o filme conta com bons momentos, geralmente envolvendo a evidente entrega de Jean Reno ao personagem e o uso do cenário. O filme inclusive foi rodado em locação real respeitando os locais originais da história, conferindo maior credibilidade ao longa e aproximação com o objeto que o inspirou. No mais, o filme é uma excelente pedida para quem deseja um momento de descontração e um momento para contemplar a beleza da vida e da natureza.

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