Edição anterior (3655):
sábado, 02 de novembro de 2024


Capa 3655
Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

O Quarto ao Lado

Filosofia e beleza na hora da morte

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

O que define um filme como bom ou ruim? Com certeza essa resposta demandaria uma longa tese e mesmo assim ela seria inconclusiva, sendo esse tema algo tão subjetivo. No entanto, há certo consenso entre a crítica e os historiadores do cinema no que concerne ao domínio e autoria de elementos estéticos ou narrativos das obras. Maestria em relação aos elementos fílmicos é indubitavelmente um fator contribuinte para a definição da qualidade do trabalho analisado. Dentro desse contexto, a dramaturgia emerge como um importante elemento narrativo para o filme.

A dramaturgia pode ser definida, no âmbito cinematográfico, como a técnica de representação temática através do roteiro. E uma boa dramaturgia pode ser considerada aquela onde o que é expresso não é exposto. Há o contraste do expor e do expressar e uma dramaturgia de qualidade expressa sem expor o seu tema. O tema fica nas entrelinhas, flutuando em torno de diálogos bem trabalhados que funcionam como máscaras para dramatizar o tema.

Nas mãos de um autor competente, uma dramaturgia bem desenvolvida se une a uma unidade estilística elaborada definida pelo diretor entregando uma obra memorável. E é exatamente isso que Pedro Almódovar nos entrega com a sua mais recente obra O Quarto ao Lado.

E qual é o tema do filme? Refletindo sobre isso, me deparo com entrelinhas tão complexas que tornam uma possível resposta pouco pertinente. É incrível como Almódovar consegue representar de forma tão assertiva tantos temas escondidos em diálogos sutis e profundos em apenas pouco mais de uma hora e meia de filme. Mas caso impere a necessidade por alguma nomenclaturização, poderia escolher em destacar vários temas: a dicotomia vida e morte; efemeridade; hedonismo; o limite da liberdade individual; aceitação; obrigação moral; amizade; a função da arte; influência da religião; a importância da política; a obrigação individual de se envolver com o coletivo. De qualquer forma, com tão rica dramaturgia, acredito que a obra flerte diferentemente com esses temas, a depender dos antecedentes do espectador.

Para um bom funcionamento de uma dramaturgia, ela depende não apenas do roteiro e da direção, mas também da atuação, pois o cinema é representação, e raramente há representação, nessa forma de arte, sem encenação. E no tocante a esse elemento, o filme novamente entrega um resultado acima da média, com atuações naturalistas por vezes sentimentais e por vezes contidas. Tilda Swinton entrega uma atuação magistral como Martha, uma mulher doente que está à beira da morte, que pede a uma amiga de longa data, Ingrid, interpretada também maravilhosamente por Julianne Moore, assistência para morrer em paz quando ela mesma decidir partir.

Quem acompanha a carreira de Almódovar reconhece quase que instantaneamente os seus filmes principalmente pela sua estética fortemente baseada no uso das cores. Embora em O Quarto ao Lado tal uso ainda seja inventivo, como quando Martha consegue ver beleza até mesmo no aquecimento global com os seus flocos de neve rosas, o filme não usa cores tão vibrantes características do diretor como as usadas em Volver, por exemplo. Essa escolha reflete a própria história do filme, assim como os seus questionamentos sutis e menos evidentes. Ao invés do uso mais expressivo da cor, Almódovar recorre ao uso luz como principal fio condutor visual da narrativa.

O Quarto ao Lado certamente figurará entre os melhores trabalhos do seu autor, sendo lembrado pela sua sutileza, complexidade dramatológica, encenação e mise-en-scène. Ele tem o potencial de estimular longas conversas após a sua sessão, tanto graças a sua profundidade temática como pela sua forma.

Venom 3: a Última Rodada

Venom desfecha dignamente a história do anti-herói

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Um filme possui várias motivos para existir. Algumas obras se sustentam pela sua profundidade filosófica, outras dialogam com a própria história do cinema ou veem no experimentalismo o sentido de sua feitura. No entanto, o filme é também um produto, e em um âmbito mercadológico, o produto deve gerar lucro. É uma verdade que muitos idealistas tendem a ignorar, por conveniência ou crença, mas não há como negligenciar o óbvio.

Nessa lógica, vários filmes inseridos na dinâmica do blockbuster se utilizam de convenções consideradas certeiras no sentido de gerar divertimento. Experimentalismo, inventividade e profundidade dramatúrgica dão lugar a uma estética naturalista facilmente captada pelo espectador, o uso convencional de todos os elementos da linguagem cinematográfica e as vezes até exposição exagerada dos seus temas. Tais escolhas afastam o filme de ser considerado o que alguns denominam como “cinema de arte” (embora eu não concorde com esse termo, o usarei para fins didáticos).

Vejamos. O espectador que deseja consumir um filme como entretenimento, uma fuga da realidade, uma descontração, não está errado em buscar efeitos especiais, uma história bem explicada que não gere dúvidas e questionamentos e não agregue peso e dificuldade à própria existência, pois a vida já é difícil o suficiente. Brecht e Godard chamariam hoje isso de cinema burguês, pois ele entregaria o que os romanos chamavam de panem et circenses (o pão e circo), e seriam auxiliadores da manutenção do status quo social.

Não cabe a mim questionar em poucas linhas Brecht e Godard, mas acredito que algumas linhas para defender um cinema mais desprendido de intelectualidade faz-se necessário. Não acho que o cinema deva ser sempre assim, mas acho que há lugar para uma boa ação e boas risadas as vezes. O problema é quando só existe isso e quando se atribui valor apenas no mais rentável. Isso seria um grande problema.

Dentro dessa lógica, não podemos atribuir qualidade a um filme com métricas utilizadas ao abordar Ozu ou Bresson, mas acredito que caiba mais aqui uma análise do que o público espera e se isso é entregue. Em um filme como Venom 3: a Última Rodada, o público espera uma digna continuação para as aventuras de Venom e Eddie Brock, boas sequências de ação, desenvolvimento do protagonista e ampliação o universo. O filme entrega isso, fazendo, acredito, que o público saia satisfeito do cinema. Boas sequências de ação, a mesma comicidade presente nos filmes anteriores e um desfecho para a trilogia que mantém os parâmetros dos primeiros filmes. Venom 3 é um filme que diverte e distrai, e em muitos casos, é só disso que buscamos.

Ambos os filmes estão em exibição nos cinemas da Rede CineShow no Shopping Pátio Petrópolis.

Edição anterior (3655):
sábado, 02 de novembro de 2024


Capa 3655

Veja também:




• Home
• Expediente
• Contato
 (24) 99993-1390
redacao@diariodepetropolis.com.br
Rua Joaquim Moreira, 106
Centro - Petrópolis
Cep: 25600-000

 Telefones:
(24) 98864-0574 - Administração
(24) 98865-1296 - Comercial
(24) 98864-0573 - Financeiro
(24) 99993-1390 - Redação
(24) 2235-7165 - Geral