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Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Ainda Estou Aqui

A maldade pode nem sempre ser visual

Infelizmente, vivemos em uma época em que tudo parece reduzido a um discurso ideológico. A beleza, a verdade e o diálogo se tornam a cada dia mais distantes, num mundo marcado pelo relativismo e pela subjetividade da pós-modernidade. Até o método científico, desenvolvido pelo frade católico Roger Bacon, se tornou alvo de questionamentos que carecem do racionalismo que definiu o século XIX. O pós-modernismo promove uma visão pluralista do mundo, priorizando o indivíduo acima das verdades universais, e com isso muitas vezes perpetua construções que se disfarçam de verdades para servir a interesses específicos.

Neste contexto, não surpreende que novas obras artísticas sejam frequentemente alvo de críticas infundadas ou até de boicotes. Esse é o caso de Ainda Estou Aqui, o mais recente filme de Walter Salles, que tem enfrentado resistência de certos grupos políticos de direita, embora seja evidente que ações de censura também se manifestem no campo oposto. Porém, deixando de lado o relativismo pós-moderno, é preciso afirmar algumas verdades absolutas: independentemente de estarmos falando dos regimes de Hitler, Stalin, Lenin, Mao, Maduro, Franco, Salazar, Pinochet ou Kim Jong-un, o totalitarismo traz consigo incontáveis mortes, torturas, desaparecimentos e sofrimentos. E é exatamente sobre sofrimento, em sua forma psicológica, que Ainda Estou Aqui se debruça.

O filme explora uma questão estética fundamental: como denunciar um ato inescrupuloso sem expor diretamente seu objeto? Esse parece ter sido o desafio que orientou a construção visual da obra. No cinema, o enquadramento não apenas revela, mas também oculta, e essa ambivalência permeia a narrativa de Salles. A direção de Ainda Estou Aqui evita a exposição direta e, ao fazê-lo, cria uma tensão que ressoa tanto no espectador quanto na família que está no centro da trama. Essa escolha estética define toda a mise-en-scène do filme, transformando o sofrimento psicológico num elemento quase palpável que se infiltra na audiência.
O filme retrata a história real de Eunice Paiva, interpretada com profunda sensibilidade por Fernanda Torres, e da sua família após o desaparecimento do marido, Rubens Paiva, levado por agentes da ditadura militar. A vida de Eunice e de seus filhos é devastada por esse evento, e eles são obrigados a enfrentar suas consequências.

Embora a ditadura seja o pano de fundo, o foco do filme é a experiência familiar das vítimas diretas desse período, o que confere um interesse dramático particular à obra. Essa abordagem delicada exige uma participação ativa do espectador, e a conexão com os personagens surge de forma natural e comovente, situando-nos naquele momento histórico. É impossível não se sentir ligado ao sofrimento da família, assim como é
inevitável sair do cinema refletindo profundamente sobre a história acabada de assistir.

Além disso, Ainda Estou Aqui é um exemplo da excelência de qualidade na qual o cinema nacional hoje se encontra.

Gladiador II

Um duelo entre o histórico e o ficcional

Ridley Scott sempre se mostrou interessado em representar momentos históricos no cinema. Desde seu primeiro filme, Os Duelistas, ele deu início a uma série de produções ambientadas em diferentes épocas. Embora seja mais conhecido pelas ficções científicas Alien e Blade Runner, Scott dirigiu diversos épicos históricos, como 1492: A Conquista do Paraíso, Gladiador, Cruzada, Robin Hood, Êxodo: Deuses e Reis, O Último Duelo, Napoleão e agora Gladiador II. Apesar de sua carreira oscilante entre bons e maus filmes, é inegável que Scott figura entre os cineastas mais dedicados ao gênero de época. Contudo, seu compromisso com a representação precisa da história foi recentemente questionado durante o lançamento de Napoleão. Vários historiadores criticaram a fidelidade histórica do filme, ao que Scott respondeu com comentários que desvalorizavam o trabalho dos especialistas, alegando, de forma simplista, que não é possível conhecer fatos do passado com precisão, minimizando a contribuição científica desses profissionais.

Não pretendo debater aqui a infelicidade dessas afirmações, mas a questão abre uma discussão interessante à luz de Gladiador II: até que ponto um filme deve ser fiel à história? Desde o nascimento do cinema, teóricos levantam essa questão, mas foi nos anos 1970 que o francês Marc Ferro consolidou uma abordagem para a análise de filmes históricos, propondo que devemos lê-los de duas maneiras: como uma representação da
época retratada e como uma obra que reflete a própria época de sua produção. No caso de Scott, é claro que a intenção não é reproduzir os eventos históricos com precisão, mas sim proporcionar uma experiência de entretenimento, amparada por uma considerável "licença poética", onde o contexto histórico serve apenas como cenário para a narrativa. Essa abordagem já estava presente no primeiro Gladiador, que tomou
certas liberdades em relação à biografia de personagens e costumes da época. Em Gladiador II, Scott parece ter se entregado totalmente à liberdade narrativa, ignorando a precisão histórica e focando no entretenimento, o que resultou em exageros como tubarões no Coliseu, babuínos exóticos e incoerências nos figurinos, entre outros desvios menos evidentes.

Ao final, Gladiador II cumpre o que Scott se propôs a fazer: entregar um filme de época vibrante e tecnicamente bem-produzido. Se deixarmos de lado as imprecisões históricas, o filme proporciona um espetáculo empolgante, com boas referências ao primeiro Gladiador, uma trilha sonora envolvente e uma Roma visualmente impressionante. Além disso, assistir a megaproduções épicas nos cinemas geralmente é uma experiência visual incrível. Particularmente, apreciei acompanhar a trajetória de Lúcio, filho de Máximus, em Gladiador II. Filmes desse gênero estão em crise e são não apenas divertidos, mas também oportunos para reflexões historiográficas. Além disso, somos um país de origem latina, herdeiros culturais de Roma, e é fundamental conhecermos mais sobre as raízes da nossa cultura.

Ambos os filmes estão disponíveis nos cinemas da Rede CineShow no Shopping Pátio Petrópolis.

Reprodução
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