Edição: sábado, 08 de fevereiro de 2025

Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

A Verdadeira dor a forma ideal de sofrimento

Foto: Divulgação
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Certos intérpretes são dotados de uma versatilidade tão ímpar que, com o tempo, passam a ser indissociáveis de sua capacidade de reinvenção, sendo frequentemente comparados a camaleões. Esses artistas se adaptam a cada novo papel, oferecendo atuações que se distanciam completamente umas das outras. No entanto, este não é o caso de Jesse Eisenberg, que, ao contrário de seus colegas mais mutáveis (e sem que isso tenha conotação pejorativa), estabelece uma persona consistentemente definida, a qual o acompanha ao longo de sua trajetória cinematográfica. A característica marcante de sua interpretação reside na constante representação de personagens introvertidas, pragmáticas e antissociais, uma assinatura que se revela em sua maioria de papéis. Embora esse estilo possa ser percebido como limitador, ele encontra um valor narrativo autêntico quando manipulado de forma criativa. De fato, a personagem interpretada por Eisenberg, que inicialmente pode parecer eclipsada, acaba por fornecer a fundação necessária para que a de Culkin emerja como o eixo central da história, proporcionando a partir daí reflexões profundas sobre a natureza do sofrimento humano. Eisenberg, não apenas como intérprete, mas também como diretor e roteirista de A Verdadeira Dor, entrega uma obra cinematográfica que se distende em questões raramente exploradas pela sétima arte: a forma ideal de experienciar a dor.

No filme, David Kaplan (Eisenberg), um norte-americano de origem judia, bem-sucedido tanto no âmbito profissional quanto pessoal, embarca em uma viagem junto ao seu primo Benji (Kieran Culkin) para a Polônia, com o propósito de visitar a casa ancestral de sua avó recentemente falecida. O percurso se desenrola dentro de uma excursão que inclui um seleto grupo de turistas, cuja rota é majoritariamente pautada por pontos ligados ao Holocausto. Através dessa jornada e dos conflitos que surgem ao longo dela, o público tem acesso a camadas mais profundas da história das duas figuras centrais, desvendando sua dinâmica relacional e os traumas passados que as moldam.

A narrativa se estrutura em torno de uma constante antítese de pontos de vista entre David e Benji. Este último, autêntico, histriônico, emotivo e ironicamente irreverente, não hesita em expor suas opiniões acerca do sofrimento e, mais do que isso, tenta impor uma visão idealizada sobre a humanização do ser humano. Em contrapartida, David, preocupado com as questões da civilidade e da contenção emocional, se vê compelido a moderar as declarações mais incisivas de seu primo. Ao longo da trama, questões filosóficas acerca da validação do sofrimento e da maneira de lidarmos coletivamente com a dor se fazem presentes, originando diálogos frutíferos entre interlocutores com visões distintas.

Em meio aos diálogos intensos e aos confrontos ideológicos, o filme também se vale de momentos contemplativos que convidam o espectador a uma reflexão pessoal sobre o sofrimento coletivo e suas próprias motivações para sentir dor. A estética visual, simultaneamente aprazível e contrastante, amplifica o dilema interno do filme. A música de Chopin, ao mesmo tempo que confere uma atmosfera íntima e poética, revela a grandeza do potencial artístico polonês antes da devastação trazida pela guerra. Em diversos momentos, o público se vê absorvido pela beleza superficial da excursão, sendo convidado a se concentrar no turismo e na estética da paisagem, enquanto, paralelamente, o peso histórico e o sentimento de dor permanecem à margem.

A proposição central da narrativa repousa no contraste entre a influência do sofrimento coletivo sobre a personalidade e a forma de viver. A inquietação de Benji, que permeia toda a obra, é se seria justo ser feliz em um mundo que impõe sofrimento a tantos. Contudo, ironicamente, o questionamento que reverbera ao longo da trama é a capacidade das pequenas ações individuais de impactar a felicidade coletiva. Em última instância, A Verdadeira Dor configura-se como uma produção cinematográfica rara, especialmente dentro do cinema norte-americano, tradicionalmente marcado por roteiros autoexplicativos, que frequentemente relegam os questionamentos existenciais a segundo plano.

Emilia Pérez um musical que tenta buscar a sua essência

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Emília Pérez, obra cinematográfica dirigida por Jacques Audiard, configura-se como um musical de língua espanhola, ambientado na França e no México, que narra a trajetória de Juan del Monte (interpretado por Karla SofíaGascón), um líder do narcotráfico mexicano que, com o intuito de escapar do seu país de origem e iniciar uma nova vida, recorre à advogada Rita (vivida por ZoëSaldaña), cuja insatisfação profissional a torna cúmplice de sua fuga. Em um ardil, forja-se a morte de Juan, e, com o auxílio de Rita, ele se estabelece na Europa, onde se submete a uma cirurgia de redesignação sexual, passando a adotar a nova identidade de Emilia Pérez.

Algum tempo após a metamorfose de sua identidade, Rita é novamente contatada por Emilia, que solicita que a advogada entre em contato com sua antiga esposa, Jessidel Monte (interpretada por Selena Gomez), e seus filhos, para convidá-los a visitar Emilia na Europa, apresentando-se como uma parente do aparentemente falecido Juan.

A narrativa de Emilia Pérez, construída sobre uma série de conveniências estruturais, tenta abarcar uma pluralidade de gêneros cinematográficos e estéticas, o que resulta, por vezes, em uma certa dispersão sensorial e confusão para o espectador. Tal característica da direção não se configura como um esforço deliberado de criar uma unidade estilística propositalmente desuniforme, mas antes como uma indecisão fundamental em relação à natureza da proposta fílmica. Em uma era marcada pela prevalência de vídeos curtos nas plataformas de redes sociais, é possível perceber um imperativo pela criação de dinâmicas mediadas por múltiplos estímulos, uma tentativa de tornar a obra cinematográfica mais atraente para um público habituado à efemeridade e sobrecarga informativa. Contudo, essa estratégia não impediu que o filme conquistasse o aplausos da crítica especializada e destacasse-se em importantes festivais, obtendo diversas premiações e alcançando a impressionante marca de 13 indicações ao Oscar, tornando-se o filme de língua não inglesa com o maior número de indicações na história da premiação.

Não obstante, o mérito do filme reside, sobretudo, nos elementos cinematográficos quando analisados de forma isolada, o que explica o considerável número de indicações. No entanto, é imprescindível afirmar que a verdadeira definição de um filme não repousa na excelência técnica de seus componentes isolados, mas sim na coerência e harmonia com que esses elementos se relacionam dentro de uma unidade estilística global. Nesse contexto, é justamente nesse ponto que Emilia Pérez peca, entregando ao público uma obra cinematográfica que se revela incerta e confusa, sem lograr construir uma identidade coesa e fluida. Além disso, o longa-metragem também falha em um dos pilares fundamentais de um musical: a qualidade e a relevância das canções, que, embora presentes, não conseguem transmitir a carga emocional necessária para que o filme se solidifique como uma verdadeira obra musical.

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