Edição: domingo, 09 de março de 2025

Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

O Brutalista

A forma arquitetônica no discurso fílmico


Indicado a dez categorias no Oscar 2025, incluindo melhor filme e tendo sagrando-se vencedor na categoria de melhor ator pela brilhante atuação de Adrien Brody, O Brutalista é um épico de quase quatro hora de duração que conta a história de um arquiteto bem-sucedido que migra para os Estados unidos para fugir da guerra e luta para conquistar o seu espaço nessa nova terra.

O Brutalista, filme que leva o nome de um movimento arquitetônico emblemático do século XX, se utiliza de uma narrativa visual que dialoga diretamente com os princípios do brutalismo. A obra parece refletir, por meio de sua forma as características desse estilo arquitetônico.

Ao longo do filme, a câmera se aproxima de uma estética de formas duras e sólidas, com cenários que não buscam suavizar, mas sim se apresentar como blocos intransigentes. Assim como no brutalismo, que usa o concreto à vista e as formas geométricas simples para criar edificações poderosas e imponentes, a direção de O Brutalista opta por uma estética visual que é, em muitas instâncias, desconfortável. A tentativa de criar uma experiência agradável para o espectador é intercalada com uma que reflete o caos, a frieza e a imponência do espaço, englobando tanto a esfera física quanto a emocional em relação ao protagonista.

O Brutalista não é só sobre as semelhanças entre forma e função. Assim como o movimento arquitetônico foi criticado por seu isolamento e falta de conexão com o ser humano, o filme também aborda a alienação de seus personagens, a falta de afeto, a busca por identidade em um mundo que parece não oferecer respostas satisfatórias. Os personagens são como os prédios brutalistas: sólidos, mas muitas vezes inabitáveis em sua essência, difíceis de se conectar, mas ao mesmo tempo irresistivelmente atraentes em sua complexidade.

O fato de o filme seguir essa mesma estética da rigidez e da impessoalidade cria uma experiência sensorial que, como a arquitetura brutalista, pode ser perturbadora. Para aqueles que buscam algo mais suave ou mais acessível emocionalmente, o filme pode parecer distante ou até desumanizado. Contudo, para os que conseguem enxergar além da superfície, O Brutalista oferece uma reflexão profunda sobre o que significa habitar um espaço físico ou emocional, sendo um convite para abraçar o desconforto, a solidez e a complexidade da existência humana, de maneira tão intransigente quanto os próprios edifícios brutalistas que inspiraram seu nome.


Um Completo Desconhecido

Nascimento e transformação de um fenômeno


O conceito de "política dos autores", que emergiu na década de 1960 a partir dos críticos da revista francesa Cahiers du Cinéma, revolucionou a forma como entendemos a autoria no cinema. Essa teoria passou a consagrar o diretor como o verdadeiro autor do filme, atribuindo-lhe a responsabilidade última pela visão e execução da obra cinematográfica. Antes dessa ideia, figuras como o roteirista e o produtor tinham uma presença mais destacada. A partir desse marco, criou-se um culto em torno da figura do diretor, que não só passou a ser o centro das atenções nas análises de filmes, mas também passou a ser um filtro através do qual a qualidade e a importância de uma obra eram avaliadas. Esse fenômeno também gerou um certo favorecimento de alguns nomes enquanto outros foram negligenciados, muitas vezes apenas por não estarem inseridos nesse "círculo sagrado". Um exemplo disso é James Mangold, cineasta cujas produções, embora frequentemente bem-sucedidas e respeitadas, acabam sendo subvalorizadas em comparação com os "grandes mestres" do cinema. O fato de Mangold ser um nome que figura entre os grandes realizadores de Hollywood, mas que frequentemente escapa ao brilho das premiações principais, como o Oscar, é uma clara evidência de como a política dos autores pode ser limitada.

A carreira de Mangold é repleta de filmes de destaque, mas ele nunca foi verdadeiramente abraçado pela crítica e pela indústria cinematográfica de forma ampla. Produções como Garota, Interrompida (1999), Kate & Leopold (2001), Johnny & June (2005), Os Indomáveis (2007), Logan (2017) e Ford vs Ferrari (2019) são apenas alguns exemplos de sua habilidade em explorar diferentes gêneros e estilos. No entanto, Mangold continua a ser, de certa forma, uma figura subestimada dentro de Hollywood, um realizador respeitado, mas muitas vezes deixado de lado nas discussões sobre os maiores cineastas de sua geração.

Um exemplo paradigmático dessa subestimação é o filme Um Completo Desconhecido (2019), que, apesar de suas impressionantes oito indicações ao Oscar, saiu da cerimônia sem ganhar nenhuma estatueta. A obra narra a trajetória de Bob Dylan, a lenda do folk e do rock americano, nos seus primeiros anos de carreira, quando ele começou a trilhar o caminho de uma transformação sonora e pessoal. A interpretação de Timothée Chalamet como Dylan é uma das grandes qualidades do filme, mas, ao mesmo tempo, o filme é uma obra eminentemente dirigida, com Mangold imprimindo sua marca pessoal na forma como a história é contada e, principalmente, na recriação da época.

O filme se passa no começo dos anos 60, um período de efervescência cultural e social nos Estados Unidos, quando Dylan se afastava do folk tradicional para abraçar o rock, o que simbolizava também uma mudança na sociedade. Nesse contexto, a recriação visual e sonora do período se tornou um dos maiores desafios para Mangold e sua equipe. O trabalho de figurino, maquiagem e cenografia é absolutamente impressionante, com cada detalhe cuidadosamente planejado para transportar o espectador de volta àqueles tempos. O design de produção, juntamente com a trilha sonora, que naturalmente inclui várias das canções de Dylan, contribui para a imersão na época e na experiência de transformação de Dylan, refletindo a revolução cultural que estava em curso.

A cinebiografia não é apenas uma narração linear da vida de Dylan, mas também uma experiência musical, com as canções de Dylan sendo apresentadas de maneira integral e prolongada. Isso exige um tipo de apreciação mais profunda da música, o que pode não agradar a todos os públicos, mas que certamente ressoa de maneira única com os fãs de Dylan e com aqueles que valorizam uma imersão maior no contexto musical e histórico do período. A longa duração de algumas performances musicais no filme é um tributo não só à música de Dylan, mas à sua complexidade como artista, ao seu processo criativo e à sua busca incessante por se reinventar.

Em resumo, Um Completo Desconhecido justifica amplamente suas oito indicações ao Oscar. O filme não apenas reverencia a obra de Dylan, mas também exalta a habilidade de James Mangold como diretor. Ao sublinhar a importância da música, da época e da personalidade de Dylan, Mangold consegue oferecer um retrato multifacetado de um artista em transformação, e ao mesmo tempo, realiza uma obra que se destaca como uma das melhores cinebiografias da década.


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