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Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Um Filme Minecraft

Entre o Lúdico e o Raso

Reprodução
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Não é novidade que determinadas produções culturais em especial as cinematográficas funcionam como espelhos de sua época, revelando, de maneira mais ou menos explícita, traços sociais, políticos e culturais vigentes no momento de sua concepção. Minecraft, enquanto fenômeno midiático transposto para o cinema, pode ser compreendido dentro dessa lógica: trata-se não apenas de uma adaptação de um jogo eletrônico de sucesso,
mas também de uma expressão das transformações contemporâneas no modo como consumimos entretenimento e nos relacionamos com narrativas.

O jogo original, de acordo com sua sinopse oficial, é descrito como uma experiência aberta, baseada na criatividade e na exploração. Ambientado em um mundo virtual expansivo e, teoricamente, infinito, Minecraft permite ao jogador construir, modificar e interagir com o ambiente de maneira livre. Com modos como o Sobrevivência, que demanda coleta de recursos e enfrentamento de ameaças, e o Criativo, que proporciona liberdade total de
construção sem limitações, o jogo propõe uma experiência menos guiada por objetivos fixos e mais centrada na liberdade do usuário.

Para aqueles que acompanharam o desenvolvimento dos jogos eletrônicos ao longo das décadas, a ausência de elementos tradicionalmente valorizados como uma narrativa densa, objetivos bem definidos, dificuldade progressiva, heróis emblemáticos e valores universais como coragem, amizade e justiça pode causar estranhamento. É sintomático que, em meio a um cenário pós-Final Fantasy, The Legend of Zelda e Dark Souls, Minecraft
tenha se tornado um dos maiores sucessos comerciais da atualidade, apesar de apresentar uma estrutura menos complexa que jogos lançados nas décadas de 1980 e 1990, período em que os recursos tecnológicos eram significativamente mais limitados.

Nesse sentido, Minecraft pode ser visto como uma experiência superficial, com estética simplificada e feia, pouca exigência cognitiva e ausência de arcos narrativos ou desafios significativos. O jogo, segundo essa visão, funcionaria mais como um passatempo confortável do que como uma experiência envolvente ou transformadora. Ao transpor esse universo para o cinema, a adaptação segue uma lógica semelhante. A obra fílmica assume um tom assumidamente infantil, com forte apelo visual e narrativo voltado para o público jovem, mas que, em sua execução, recai em diversos clichês e estereótipos já exaustivamente utilizados em narrativas contemporâneas. A desconstrução de arquétipos clássicos como o herói forte, o vilão intimidador ou o nerd socialmente excluído é feita de forma previsível, sem grandes inovações, e muitas vezes acompanhada por uma comédia genérica, diálogos excessivamente explicativos e tentativas visivelmente forçadas de representatividade, que não contribuem em nada para o desenvolvimento da trama.

A direção do filme se mostra pouco inventiva, com referências visuais que tentam emular certos estilos autorais, mas que não se sustentam em termos de linguagem cinematográfica própria. O resultado é uma produção tecnicamente funcional, porém carente de identidade artística e ambição narrativa.

O fracasso recorrente de filmes baseados em jogos pode, em parte, ser atribuído à falta de comprometimento das produções com a essência dos jogos que adaptam. Muitas vezes, o nome do jogo é utilizado apenas como um chamariz comercial, em detrimento de um aprofundamento genuíno na proposta original da obra. Em Minecraft, esse problema se evidencia na incapacidade do filme de transpor para o cinema a característica mais marcante
do jogo: a participação ativa e criativa do jogador. Ao transformá-la em uma narrativa linear, o filme anula justamente aquilo que fez o jogo se destacar sua natureza aberta, interativa e não prescritiva.

Por fim, embora a classificação da obra como "infantil" seja justificada, é problemático utilizar essa designação como desculpa para a ausência de qualidade artística ou inovação. O cinema voltado para crianças possui inúmeros exemplos de produções sofisticadas, sensíveis e inventivas. Portanto, o fato de um filme ser destinado ao público infantojuvenil não deve, em hipótese alguma, ser pretexto para a mediocridade estética ou narrativa, como parece que será o pretexto para a baixa qualidade de Minecraft.

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