Edição: sábado, 17 de maio de 2025

Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Homem com H

Corpo e transgressão

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Homem com H constitui-se como uma cinebiografia de Ney Matogrosso. Estruturado em torno de diversos núcleos narrativos, o filme organiza sua tessitura dramática de modo a privilegiar, sobretudo, a complexa e ambígua relação do protagonista com seu pai, um fio condutor que atravessa, de forma intermitente, toda a narrativa.

A obra se inicia com uma representação da infância de Ney, marcada por conflitos familiares e por uma rigidez afetiva que ressoará ao longo de sua trajetória. Seguem-se suas experiências iniciais na Força Aérea. A partir desse ponto, o filme avança para a inserção do artista no universo musical, passando por sua consagração com o grupo Secos & Molhados e, posteriormente, sua ascensão como artista solo. Contudo, essas passagens históricas e musicais são tratadas de forma  relativamente apressada, em contraste com o tempo fílmico mais generoso dedicado às relações afetivas e sexuais do protagonista. O roteiro opta por explorar com minúcia os vínculos emocionais e os momentos de intimidade entre Ney e personagens como Marco e Cazuza, bem como outros parceiros menos desenvolvidos na trama. O tratamento visual dessas cenas é marcado por uma estética sensorial e
performática, que por vezes beira o excesso, tanto na duração quanto na intensidade da exposição.

Sob o comando de Esmir Filho, a obra se destaca pela qualidade estética e pelo virtuosismo visual. A direção imprime um ritmo dinâmico e poético, especialmente nos segmentos que reproduzem performances musicais, nos quais o aspecto teatral e simbólico da persona de Ney é habilmente retratado. Entretanto, o ponto alto do filme reside, indiscutivelmente, na atuação de Jesuíta Barbosa. Sua interpretação é ao mesmo tempo contida e visceral, uma entrega marcada por nuances e por uma  expressividade corporal que recria com fidelidade e inventividade a singularidade de Ney Matogrosso. Trata-se de uma performance memorável, que certamente consolidará a presença do ator no imaginário cinematográfico brasileiro contemporâneo.

Não obstante suas virtudes, Homem com H não escapa de certas fragilidades, dentre as quais se destaca a representação anacrônica do ambiente militar dos anos 1950. O filme sugere, de maneira romantizada, que o comportamento não normativo de Ney teria passado incólume dentro da rígida estrutura da Força Aérea. Esse revisionismo histórico, bastante comum em produções contemporâneas, busca ignorar que atitudes que não fossem ligadas a uma postura heterossexual eram inaceitáveis em certos contextos. Ainda que se reconheça o uso da licença poética como recurso legítimo em narrativas cinematográficas, há limites quando a obra se propõe como
uma reconstrução biográfica de uma figura real, assim sendo, um filme de época. A imprecisão histórica, nesse caso, não apenas compromete a verossimilhança, mas também subestima a inteligência crítica do espectador.

Em síntese, Homem com H é uma obra relevante dentro do panorama atual do cinema nacional, revelando uma indústria em constante expansão estética e temática. Embora apresente algumas falhas como a diluição de certas passagens históricas e o prolongamento desnecessário de cenas mais sensoriais em detrimento do desenvolvimento narrativo , o filme é um retrato potente de uma figura artística que desafiou normas, expectativas e estruturas. Suas qualidades superam largamente seus deslizes, consolidando-o como uma contribuição expressiva e sofisticada ao gênero da cinebiografia no cinema brasileiro contemporâneo.

Thunderbolts*

Desgaste e reinvenção no cinema de heróis

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Nos últimos anos, o gênero cinematográfico dos super-heróis tem enfrentado um visível processo de saturação narrativa e estética. Esse cenário tem ensejado um movimento crescente de sátiras metalinguísticas, que refletem o desgaste cultural do subgênero e a necessidade de sua reinvenção.

Em meio a essa crise , observa-se que os poucos filmes que obtêm maior repercussão crítica ou comercial tendem a se apoiar fortemente no fan service, como forma de manter o vínculo emocional com um público já fidelizado. Mesmo tentativas pontuais da Marvel de oferecer abordagens minimamente distintas acabam, em muitos casos, sendo sucedidas por obras genéricas, cujo propósito parece ser o de assegurar um entretenimento seguro e amplamente palatável.

É nesse contexto que se insere Thunderbolts. O filme apresenta um grupo de heróis não convencionais, cujas trajetórias são marcadas por passados moralmente ambíguos e por limitações de poder que os afastam do arquétipo tradicional do super-herói invulnerável. A narrativa, assim, é estruturada em torno da superação coletiva desses sujeitos disfuncionais, reiterando uma lógica de crescimento por meio da união. Visualmente, Thunderbolts aposta em uma estética deliberadamente desaturada e melancólica. A direção opta por uma paleta monocromática e um ritmo mais contido, que reforçam o caráter introspectivo das personagens. Em contraste com o tom cômico e verborrágico que se tornou quase uma marca registrada do estúdio, este filme adota uma abordagem mais contida, o que confere coerência dramática à sua proposta.

Trata-se, portanto, de uma obra que, embora modesta em sua ambição estética, revela-se significativa justamente por romper com os excessos espetaculares que caracterizaram a franquia nas últimas fases. A contenção narrativa de Thunderbolts não implica ausência de impacto, mas sim um deslocamento de foco: da grandiosidade artificial à densidade emocional. Ao apresentar personagens marcadamente traumatizados e mais próximos da fragilidade humana, o filme oferece uma experiência de identificação mais complexa, o que pode explicar sua acolhida positiva junto ao público.

Em síntese, Thunderbolts pode ser compreendido como um esforço de reconfiguração interna do próprio gênero a que pertence um indício de que a vitalidade do cinema de super-heróis, embora abalada, ainda é capaz de produzir gestos de reinvenção relevantes.

Edição: sábado, 17 de maio de 2025

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