COLUNISTA
O triunfo da ação como arte
Bailarina é a mais recente adição ao universo cinematográfico de ação e ficção neo-noir consagrado pela franquia John Wick, constituindo-se como o quinto longa-metragem da série. Nesta nova incursão, a saga experimenta uma reinvenção ao afastar-se, ainda que parcialmente, de seu protagonista icônico, introduzindo uma figura central inédita em um spin-off que, mesmo autônomo, permanece intrinsecamente ligado ao arco narrativo do personagem interpretado por Keanu Reeves.
Nesta ocasião, Ana de Armas dá vida à jovem assassina em formação, Eve Macarro, cuja jornada de vingança tem início ao testemunhar o brutal assassinato de seu pai por um consórcio de matadores profissionais liderado por um enigmático antagonista conhecido apenas como “Chanceler”, papel assumido por Gabriel Byrne. O elenco é enriquecido pela presença de Norman Reedus e pelos retornos marcantes de nomes como Anjelica Huston, Lance Reddick, Ian McShane e do próprio Keanu Reeves.
John Wick consolidou-se como uma referência incontornável no panorama do cinema de ação contemporâneo, especialmente por sua abordagem estética e coreográfica singular. Em um contexto marcado por certa estagnação criativa no gênero, a série emergiu como uma lufada de originalidade, promovendo a revitalização do formato. Em obras dessa natureza, o desafio primordial reside na manutenção da excelência nas sequências de ação, evitando fórmulas desgastadas e investindo em soluções narrativas e visuais ousadas que subvertam os clichês consolidados. Contudo, não basta conceber um roteiro engenhoso; é imperativo que a execução cinematográfica por meio de cortes precisos, enquadramentos expressivos e coreografias meticulosamente elaboradas consiga transpor essa inventividade para a tela de forma impactante e coesa.
Tal concepção desestabiliza a visão reducionista que ainda insiste em relegar o cinema de ação a uma posição subalterna, apenas por este se situar dentro da lógica dos grandes blockbusters. A franquia John Wick, contudo, refuta categoricamente tal estigma ao oferecer uma experiência cinematográfica de altíssimo rigor técnico, universalmente acessível e artisticamente legítima. Bailarina honra e perpetua esse legado, apresentando sequências de ação que se destacam não apenas pela intensidade, mas pela originalidade e sofisticação formal.
Além disso, o longa inova ao alçar ao protagonismo uma personagem feminina que comunica com notável veracidade sua motivação emocional e psicológica. Ana de Armas entrega uma atuação potente e autônoma, jamais se escorando na presença de Reeves para conferir legitimidade à sua performance. Bailarina se revela, portanto, um exemplar digno da excelência a que a franquia habituou seu público, reafirmando que, quando concebido com engenho e executado com maestria, o cinema de ação transcende seu estigma comercial e afirma-se, com autoridade, como expressão artística de pleno direito.
A crise da repetição
Como Treinar o seu Dragão é um filme em live-action adaptado do filme em animação homônimo, marco da Dreamworks, que levou ao estrelato um dos seus criadores, Dean DeBlois, que retorna na direção do remake. Sem qualquer preocupação de apresentar qualquer nova perspectiva, o filme copia praticamente plano a plano o seu material base. Tendo mudado unicamente a etnia de alguns personagens, o filme deixa claro que o seu objetivo é ser aceito e gerar lucro sem polêmicas, em uma lógica mercadológica extrema, onde tudo é calculado unicamente visando o lucro, não flertando com a arte cinematográfica a qualquer momento. Essa é uma tendência contemporânea: lucrar com base no entretenimento vazio e de fácil realização, reciclando roteiros e formas amplamente conhecidos e entregando o resultado a um público que almeja apenas um divertimento momentâneo,
sem reflexão, e, de preferência, com argumento apresentado que não exija muita concentração.
Vários teóricos de renome já comentaram sobre essa transposição muito antes dessa tendência chegar ao nível alarmante que se encontra, questionando a validade artística dessas obras. Quando essas adaptações não operam transformações significativas na linguagem cinematográfica limitando-se a reproduzir planos, enquadramentos, ritmo e estrutura narrativa da obra original elas incorrem no que diversos teóricos identificam como inutilidade estética: uma repetição desnecessária, que fracassa em justificar sua própria existência como nova obra.
Autores como David Bordwell e Noël Carroll afirmam que a eficácia narrativa e estética de um filme reside na articulação formal de seus elementos. A simples transposição de uma animação para o live-action, quando feita de modo mimético, sem alterações significativas nesses aspectos, representa uma perda de potência expressiva. O que era na animação uma estilização calculada, ganha no live-action um aspecto literal e empobrecido. Não há, portanto, ampliação estética; há apenas cópia. V. F. Perkins argumenta que um filme deve ser avaliado pela coerência e inventividade de sua forma interna. Se o live-action apenas "encena" a animação com atores reais e efeitos digitais, sem propor uma nova abordagem cinematográfica, o resultado é formalmente supérfluo. Já Béla Balázs destaca o valor expressivo da imagem cinematográfica, especialmente no rosto humano e nos gestos elementos
que, na animação, assumem outras possibilidades poéticas e simbólicas. A literalidade do live-action, nesse contexto, substitui a expressividade livre da animação por um realismo sem lirismo.
Assim, sob a ótica desses pensadores, a repetição formal de uma obra animada no formato live-action, sem reelaboração estética, é artisticamente redundante. Ela não constitui uma nova leitura, mas apenas um gesto de reprodução técnica uma forma de retorno que não acrescenta, apenas replica. Em termos formais, portanto, tais remakes são desprovidos de valor criativo genuíno e podem ser considerados, com propriedade, inúteis do ponto de vista da arte cinematográfica.
Apesar disso, o filme é uma regravação de uma obra excepcional. Dessa forma, copiando a fórmula anterior, ela entrega uma obra agradável e divertida, ainda que qualquer qualidade seja obtida graças à animação de 2010 e não do remake de 2025.
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