COLUNISTA
No campo cada vez mais saturado do horror contemporâneo, Juntos se destaca ao propor uma interseção entre o terror psicológico, o body horror e o drama relacional, oferecendo ao espectador não uma reflexão alegórica sobre os efeitos corrosivos da codependência emocional em relacionamentos de longa duração ainda que propondo uma leitura dúbia e, por vezes, contraditória das dinâmicas afetivas modernas.
A premissa um casal que se muda para o interior americano em busca de renovação e acaba encontrando forças sombrias que desestabilizam sua relação poderia resvalar na repetição de clichês do gênero. No entanto, o filme ganha substância ao utilizar o horror sobrenatural como metáfora para a erosão subjetiva provocada por vínculos afetivos simbióticos. A floresta que cerca a nova residência de Tim e Millie se apresenta como um espaço de liminaridade psíquica: um território onde as fronteiras entre o eu e o outro, entre o corpo e a mente, tornam-se fluidas, violentadas por uma força que interfere diretamente na relação do casal.
Juntos dialoga com uma tradição do horror corporal que remete a Cronenberg, ainda que com um verniz mais pop e acessível. A corrupção física que acomete os personagens não se dá gratuitamente; ela materializa a dissolução identitária que acompanha relações em que a individualidade é sacrificada em nome de uma suposta união plena.
Curiosamente, o filme tempera essa tensão com doses de humor uma escolha arriscada que, embora contribua para a fluidez narrativa e para a criação de um tom distintivo, pode comprometer o senso de urgência e ameaça necessário ao gênero. A cena do Valium, em especial, sintetiza essa abordagem, criando um momento de alívio cômico em meio ao caos, mas também sugerindo uma banalização do trauma. Essa alternância entre o grotesco e o cômico compõe uma estética de ruído, que contribui tanto para a originalidade quanto para a ambiguidade tonal do longa.
Essa ambiguidade se reflete também na forma como o filme lida com seu discurso central. Embora se proponha, em teoria, a criticar a codependência emocional, a obra frequentemente recorre a uma romantização dessa simbiose quando a sobrevivência da relação é tratada quase como redenção. Tal contradição pode ser lida tanto como falha de coesão narrativa quanto como retrato deliberado da confusão afetiva que o filme busca explorar ainda que esta leitura mais generosa exija boa vontade crítica.
Por fim, é necessário apontar que a mitologia proposta pela narrativa a origem e lógica do que assombra o casal permanece subdesenvolvida. Contudo, esta escolha não chega a comprometer o projeto estético, já que a dimensão alegórica da história prevalece sobre a necessidade de uma explicação expositiva. Em vez de operar como um universo mitológico fechado, Juntos investe em um simbolismo difuso, quase onírico, que serve mais como atmosfera do que como enredo.
Em suma, Juntos é um exercício que, embora não livre de falhas estruturais, consegue provocar reflexão e sustentar o interesse ao longo de sua curta duração. Ao explorar os limites do amor, da identidade e da carne, o filme se posiciona como um exemplo interessante da capacidade do horror contemporâneo de abordar dilemas existenciais sob a superfície do medo.
Em Faça Ela Voltar, acompanhamos dois irmãos, Andy e Piper, recém-órfãos, alocados em um lar adotivo após descobrirem o pai morto no banheiro de casa. Sob os cuidados de Laura, uma mulher excêntrica e isolada do mundo urbano e que também acolhe um jovem mudo chamado Oliver os irmãos adentram não apenas uma nova moradia, mas um espaço carregado de silêncios, mistérios e simbolismos. À medida que o enredo se desenrola, o que parecia ser apenas um novo início revela-se um caminho tortuoso marcado por rituais, revelações e um mergulho no abismo psicológico do luto.
Faça Ela Voltar se alinha a uma tendência recente do cinema de terror contemporâneo. Menos interessado em construir mitologias coesas ou oferecer explicações verossímeis, o filme aposta em uma experiência sensorial que se sustenta na ambiguidade e no desconforto. O terror aqui não é apenas narrativo; ele é atmosférico, corporal, quase tátil. A ausência deliberada de respostas convida o espectador à confusão não como falha, mas como dispositivo estético. Não sabemos exatamente com o que estamos lidando, e é justamente aí que reside a força do filme. Esse tipo de abordagem, que dispensa a tradicional necessidade de esclarecer a lógica interna dos eventos sobrenaturais ou traumáticos, dialoga com uma percepção mais madura do cinema enquanto arte visual, e não meramente narrativa. Herdeiro da literatura em muitos aspectos, o cinema durante décadas carregou a obrigação de "explicar" seu mundo, de tornar crível o impossível. No entanto, Faça Ela Voltar insere-se em uma linhagem que recusa essa herança, construindo seu terror através da imagem, atmosfera, ruído e silêncio, olhar e gesto.
Nesse sentido, o longa utiliza com competência um repertório visual já bastante consolidado no gênero os enquadramentos fechados, a câmera inquieta, os movimentos sutis que induzem à claustrofobia. Embora essa forma de filmar venha sendo amplamente explorada por obras de terror psicológico ou pós-horror na última década, Faça Ela Voltar a incorpora com eficácia.
No entanto, talvez o aspecto mais interessante do filme seja sua abordagem do luto como força desestabilizadora. A morte é o evento-motriz, mas é sobretudo o luto mal resolvido que transforma o espaço doméstico em cenário de horror.
Assim, Faça Ela Voltar é uma proposta de experiência. Ao fim, o que resta não é tanto a lembrança de uma história contada, mas a permanência de uma sensação: inquieta, opaca, difícil de dissipar. E talvez seja esse o maior mérito de um bom terror contemporâneo não nos contar uma história, mas nos deixar habitando-a, mesmo depois que a tela se apaga.
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