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sábado, 18 de outubro de 2025


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Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Tron: Ares Espetáculo Visual, Reflexão Superficial

Foto 1
Desde sua origem em 1982, Tron consolidou-se como uma franquia visionária ao antecipar questões da era digital. Em Tron: Ares, terceiro capítulo da série, o universo conceitual da saga é expandido com a introdução de uma nova entidade: Ares (vivido por Jared Leto), um programa de inteligência artificial capaz de atravessar a fronteira entre o mundo virtual e o real. Este novo protagonista não apenas amplia as possibilidades do enredo, como também encarna o ápice de um imaginário que há décadas especula sobre os riscos e encantos da simbiose homem-máquina.

A narrativa gira em torno da tentativa de Ares de permanecer no mundo físico, algo possível apenas por meio de um "código de permanência", atualmente nas mãos de Eve Kim (Greta Lee), CEO da poderosa ENCOM. Esse conflito técnico-ideológico insere-se organicamente no já estabelecido universo de Tron, onde a estética digital, os jogos de luz e o ritmo pulsante compõem uma atmosfera visualmente arrebatadora, típico da franquia.

No entanto, por trás das camadas de neon e sequências de ação coreografadas com competência, Tron: Ares sofre de uma fragilidade que o impede de atingir a potência que seu tema sugere. O filme é lançado num momento em que a inteligência artificial já não pertence mais à esfera da especulação futurista, mas à realidade cotidiana. Ela está em nossos algoritmos, decisões automatizadas e, paradoxalmente, nos próprios roteiros cinematográficos. Ao contrário de obras contemporâneas que mergulham criticamente nas implicações do uso descontrolado da IA como Missão Impossível: Acerto de Contas Parte 2, Tron: Ares opta por uma abordagem segura, quase conformista, tratando a IA como ferramenta de ação e não como agente de transformação (ou colapso) social.

A superficialidade do tratamento dado ao tema não é uma falha apenas de roteiro, mas um sintoma de um cinema de blockbuster ainda tímido diante de um debate que exige profundidade filosófica, política e ética. Tron: Ares sugere uma crise de identidade em seu protagonista artificial, mas jamais a explora com densidade suficiente para que o espectador sinta o peso desse conflito. Ares, enquanto figura, é fascinante, mas é reduzido a um arquétipo de herói digital funcional.

Em termos de continuidade narrativa, o filme adota a mesma estratégia de seu antecessor, Tron: O Legado: reconfigura o universo sem depender diretamente dos eventos anteriores. Isso torna Ares acessível ao grande público, embora sacrifique, nos minutos iniciais, a clareza conceitual algo que pode confundir espectadores não familiarizados com a mitologia da franquia. Felizmente, esse estranhamento inicial é diluído à medida que o filme avança e entrega o que se espera

Para os fãs mais antigos, há ainda o prazer das referências pontuais, algumas delas carregadas de nostalgia. O filme se vale desse vínculo afetivo com moderação e inteligência, sem se tornar refém dele, o que é louvável num tempo em que o fan service muitas vezes suprime a originalidade.

Em última instância, Tron: Ares é um espetáculo tecnicamente competente, que cumpre com dignidade seu papel de entretenimento. Porém, sua maior limitação está exatamente no espaço onde poderia ser mais ousado: a reflexão crítica. Ao abrir mão de explorar com vigor o que significa, de fato, a presença de inteligências artificiais no mundo real, o filme se contenta em repetir fórmulas já consolidadas. No fim, ele nos apresenta o futuro com as luzes certas, mas ainda com os dilemas do presente deixados na penumbra.


Perrengue Fashion Uma Comédia Ambiental Entre o Riso e a Superfície

Foto 2
Perrengue Fashion parte de uma premissa simples e contemporânea: o embate entre uma influenciadora digital voltada ao consumo e um jovem militante ambiental. Nesse encontro de mundos, o filme propõe discutir temas urgentes como sustentabilidade, superficialidade das redes sociais e as fissuras geracionais. Mas apesar do potencial temático, o resultado final entrega uma comédia que hesita entre provocar reflexão e satisfazer o gosto imediato do público, resultando em um produto irregular, com lampejos de crítica social, mas sem coragem de ir até o fim.

A trama acompanha Paula Pratta, influenciadora de moda e estilo de vida. Prestes a participar de uma campanha de Dia das Mães ao lado do filho, Cadu, estudante de uma prestigiada universidade americana, Paula vê seus planos desmoronarem quando ele abandona tudo para se dedicar ao ativismo ecológico na Amazônia. A viagem de Paula até o interior do Brasil é também uma jornada simbólica: da superfície do consumo à densidade do mundo natural e, inevitavelmente, ao confronto com os próprios valores.

Em seu eixo narrativo central, o filme é assumidamente maniqueísta. Paula representa o mundo do consumo e da vaidade performada, enquanto Cadu é o defensor de uma ética ambiental quase idealizada. Essa polarização, embora didática, tem sua eficácia, especialmente por apontar para o abismo entre dois modos de existir no mundo contemporâneo. No entanto, essa clareza se dilui na parte final do filme, que escolhe o caminho fácil da conciliação: relativiza o discurso ambientalista anteriormente exaltado e assume um tom conciliador, onde todos os lados “têm sua razão”. Trata-se de um recuo dramático que enfraquece o impacto das discussões propostas no início e esvazia o potencial crítico da obra.

Essa escolha é coerente com a lógica da comédia mainstream, que evita o desconforto em nome de finais satisfatórios e universais. A estrutura do gênero é respeitada: os personagens “bons” têm seus conflitos resolvidos, o tom permanece leve, e as consequências mais duras são evitadas. Isso não seria necessariamente um problema, não fosse o fato de Perrengue Fashion ter nas mãos um material que permitiria mais ousadia, especialmente em um país como o Brasil, onde o debate sobre o meio ambiente e os limites do consumo são tão urgentes quanto complexos.

Perrengue Fashion é um filme que propõe mais do que realiza. Sua tentativa de juntar comédia urbana, crítica ambiental e drama familiar rende um entretenimento agradável, mas sem o vigor que o tema exige. A escolha por uma abordagem leve e conciliadora torna o filme acessível, mas também limita sua potência reflexiva. No fim, é uma obra que acerta em levantar questões, mas hesita quando precisa enfrentá-las com profundidade. No entanto, mesmo que o discurso ambiental surja simplificado, ele pode funcionar como ponto de partida para debates mais profundos fora da sala de cinema, o que, por si só, é um mérito considerável.

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