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sábado, 01 de novembro de 2025


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Douglas Moutinho

COLUNISTA

Douglas Moutinho

Mauricio de Sousa: O Filme um tributo ao imaginário nacional

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Lançado em outubro de 2025, mês em que Mauricio de Sousa completa noventa anos, Mauricio de Sousa: O Filme, dirigido e roteirizado por Pedro Vasconcelos, propõe-se a revisitar a trajetória de um dos maiores ícones da cultura popular brasileira. A obra reconstitui a vida do criador da Turma da Mônica desde a infância até o lançamento de sua primeira revista, delineando o percurso de um artista que transformou a sensibilidade cotidiana e o imaginário infantil em um dos fenômenos editoriais mais duradouros do país. Longe de se restringir a uma narrativa cronológica ou documental, o longa opta por uma abordagem lúdica, que mistura fantasia e realidade em uma ode à criatividade e à persistência artística.

A trama acompanha o jovem Mauricio desde seus primeiros traços e sonhos, passando pela criação de Bidu seu primeiro personagem publicado até a consolidação de um universo que se tornaria referência afetiva e estética para gerações. A direção de Vasconcelos não busca o rigor biográfico tradicional; pelo contrário, assume a liberdade poética como eixo narrativo, permitindo que o universo da Turma da Mônica invada o mundo real. Esse movimento de fusão simbólica confere ao filme um caráter híbrido, em que a biografia pessoal se mescla ao imaginário coletivo, criando um espaço de encontro entre memória, arte e fantasia.

Nesse contexto, a atuação de Mauro Sousa, filho do homenageado, adquire relevância especial. Sua performance, marcada por certo exagero e por gestualidade caricatural, afasta-se do naturalismo dramático e se aproxima de um tom infantil que estrutura o filme. Tal escolha interpretativa não apenas reforça a semântica da obra centrada na pureza, na ingenuidade e na força da imaginação como também estabelece uma ponte afetiva entre o ator e o personagem que representa, tornando o tributo ainda mais pessoal e comovente.

A crítica que o longa inevitavelmente suscita a de que ele romantiza ou idealiza excessivamente a vida de Mauricio de Sousa é, paradoxalmente, a sua maior virtude. Ao recusar a rigidez factual e a aspereza emocional de muitas cinebiografias contemporâneas, Vasconcelos constrói um filme que se assume como celebração e não como diagnóstico. Sua proposta é menos a de revelar o homem por trás do mito e mais a de compreender o mito como extensão natural do homem. A ludicidade, o sentimentalismo e o idealismo que permeiam a narrativa não configuram desonestidade artística, mas sim uma escolha estética coerente com o espírito da obra de Sousa um universo em que ética, poesia e esperança coexistem de forma orgânica.

Em última instância, Mauricio de Sousa: O Filme funciona como um exercício de memória afetiva coletiva. Entregar-se à experiência do longa é revisitar não apenas a história de um artista, mas também fragmentos da infância de milhões de brasileiros. Os personagens secundários, as paisagens idealizadas e o tom nostálgico convergem para uma celebração da capacidade humana de criar beleza mesmo em meio às adversidades. Ao subverter os códigos tradicionais do gênero biográfico, Pedro Vasconcelos oferece uma narrativa que se aproxima mais da fantasia do que do testemunho, transformando a biografia em metáfora da própria imaginação nacional.


Bom Menino a perspectiva canina como experiência sensorial

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Bom Menino propõe-se a revisitar o gênero de terror a partir de uma perspectiva  incomum: a de um cão. A narrativa acompanha Todd e seu fiel cachorro Indy enquanto se mudam para a casa de campo da família, herdada do avô falecido. O local, envolto em rumores de assombrações e forças malignas, torna-se o palco de eventos sobrenaturais que só podem ser percebidos através da sensibilidade animal. À medida que Todd sucumbe às influências
sombrias, Indy emerge como protagonista central, confrontando essas entidades em uma tentativa de proteger seu dono.

Embora a proposta de terror se revele em grande parte genérica, o filme apresenta um aspecto inovador ao explorar a experiência do mundo sob o ponto de vista canino. Esta escolha narrativa altera radicalmente a forma como o espectador se relaciona com o espaço e os acontecimentos: as percepções de Indy sua atenção a sons, movimentos sutis e presenças invisíveis estruturam o suspense e moldam a narrativa de maneira sensorial.

A direção reforça a centralidade do cachorro ao reduzir significativamente a presença humana, utilizando artifícios visuais que ocultam ou descaracterizam os demais personagens. O uso de sombras, luz direta e objetos que obstruem o rosto dos humanos cria um efeito de focalização quase exclusiva em Indy, tornando-o não apenas um coadjuvante, mas o verdadeiro eixo da experiência cinematográfica. Essa escolha estética contribui para um estado de desnorteamento proposital, alinhando o espectador à percepção restrita e sensorial do animal.

Apesar de limitações evidentes no desenvolvimento da tensão e na construção do terror, Bom Menino acerta ao criar uma ligação empática entre público e protagonista canino. A obra demonstra que a inovação não reside apenas na narrativa, mas na forma como se estabelece uma experiência sensorial compartilhada, capaz de traduzir o mundo subjetivo do animal em termos compreensíveis para o espectador humano. Sob esse aspecto, o filme alcança seu objetivo mais relevante: transformar a perspectiva de Indy em um dispositivo narrativo e afetivo, subvertendo convenções do gênero de terror e oferecendo um olhar original sobre o medo, a proteção e a lealdade.

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