COLUNISTA
Em 1926 a Rua Dr. Porciúncula ainda funcionava em duas pistas, com a estação ferroviária e o rio Palatinato as separam. No lado par, o lado da estação, havia: no nº 26 a Flora São José de Itaipava; nº 30 a relojoaria Suíça de Otto Jerke; desde o nº 28 até ao 56 a portaria, o restaurante e padaria do Hotel Comércio e sobre estas lojas o Hotel Comércio propriamente dito, que foi inaugurado em janeiro daquele ano. Prédio de três andares, cujo proprietário era o Manoel Cuntin Gill. Ainda deste lado, mas na calçada da estação, estacionavam ainda os tílbures de tração animal e os novos carros de praça, com motor a gasolina, ambos à espera dos passageiros que chegavam no trem da manhã vindos do Rio e, do trem da tarde, vindo de Minas, ambos com a pontualidade britânica: às 9h e às 16h, diariamente. Ainda na calçada da estação estava o ponto terminal dos bondes elétricos e junto à calçada do Hotel Comércio, começavam a fazer ponto final os ônibus do Rio. O lado esquerdo, na outra margem do rio, possuía em 1926: ao nº 25 o Armazém Primor, de Joaquim Pires Júnior; nº 35 a Padaria América, que inaugurou melhoramentos em maio deste ano; do nº 39 ao 47, Nogueira Filho e Cia., Carpintaria, Serraria e Materiais de Construção; nº 103, Companhia de Transportes e Mercadorias, marítimas e terrestres, seguros etc.
Às 22 horas do dia 11 de agosto de 1926, em frente ao Hotel Comércio, o conhecido vendedor de jornais Emíglio Gravina, por motivos que não ficaram esclarecidos, deu cinco tiros de garrucha no antigo carregador nº 6, João Dias, vulgo João Candomblé, ferindo-o gravemente.
Em 19 de janeiro de 1933, como toda pompa e circunstância, é lançada a pedra fundamental da nova Estação Ferroviária, quando se comemorava o cinqüentenário da chegada dos trilhos a Petrópolis, porém a nova estação só foi inaugurada em 1938. No mesmo ano que em setembro a Rua Doutor Porciúncula perde sua pista do outro lado da estação, que passa a denominar-se Rua Doutor Caldas Viana assim, mais do que nunca, torna-se a Rua da Estação.
As partidas e, principalmente, as chegadas dos trens vindos da capital eram os grandes momentos diários da rua. Cidade onde apenas o transporte terrestre é possível, os trens e com o passar do tempo, os ônibus, são a seiva. É por eles que chegam as novidades e os modismos, em um tempo onde o rádio era o senhor das comunicações e a televisão, um invento distante. Era pela Doutor Porciúncula que as cocotes e os almofadinhas circulavam à espera de alguém ou por pura faceirice. As chegadas do imperador e depois dos presidentes da República cercadas de pompa e circunstância, eram sempre muito concorridas, centenas de pessoas se acotovelavam nas calçadas, outras tantas enchiam os restaurantes e cafés, bandas executavam hinos e dobrados, o povo sempre aplaudia, entusiasticamente, aos visitantes. Ao tempo da estrada de ferro e da Estação Ferroviária e até a década de 1950, quando até então o transporte rodoviário era temerário, lento e cansativo, os trens eram a democracia sobre rodas, embora em vagões separados, ricos e pobres eram despejados na estação à Rua Doutor Porciúncula, com uma pontualidade que se tornou cada vez menos rigorosa com o passar dos anos.
O ano de 1964 viu os trens deixarem de subir a serra, uma era que havia começado em 1883 terminava, para Petrópolis e para a Rua Doutor Porciúncula, em especial. Outra era, a do transporte rodoviário, que começara precariamente, em 1926, tomava lugar definitivo. Durante mais de uma década, já sem os trens, os ônibus intermunicipais estacionavam na Rua Doutor Porciúncula, sem nenhum conforto para os usuários enquanto a velha Estação Ferroviária se deteriorava sem conservação, até que o relógio na torre da estação, marco desta, parasse definitivamente. Em 19 de dezembro de 1970 foi inaugurada solenemente a Rodoviária Imperatriz Leopoldina, onde se erguera a Estação Ferroviária da Leopoldina, cujo prédio foi em parte aproveitado. Com a presença do governador do Estado Jeremias de Mattos Fontes, o prefeito Paulo Rattes inaugurou a nova e primeira estação rodoviária da cidade, às 18 horas, com a Banda do 1º BC abrilhantando o ato.
A Rua Doutor Porciúncula com o tempo se deteriorou, em parte pela decadência geral, em parte pela perda de importância do transporte coletivo, em tempo de transporte individual pelas elites. Hoje não temos em uma extremidade a Casa Itararé, comércio dos tempos dourados das décadas de 1940/50, do outro temos, mercados populares de gêneros alimentícios, frutas, legumes. Resta ainda a Padaria Comércio, com seu tradicional relógio, desde a década de 1920, marcando as horas, melhor sorte do que o da estação.
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