COLUNISTA
“Quando outra vez fui a Petrópolis em fevereiro de 1858, sete anos depois, tinha já o lugar relações inteiramente diversas com o Rio e com o interior e tomara proporções muito diferentes.
No desembarcadouro da Prainha, na Cidade do Rio, construiu-se um grande alpendre para embarque de passageiros e bagagens. Um veloz barco a vapor recebeu os passageiros e a carga e atravessou a baía mais rapidamente do que antes acontecia. Aportou no lugar, ao nordeste do Inhomirim. Ali já está pronto o trem; sobe-se e depois de uma viagem de 20 a 23 minutos chega-se à estação ao pé da serra.
Imediatamente, a estrada de ferro se liga a estrada de rodagem por meio de carros e animais de sela. A longa fila de carros subiu a serra e em Petrópolis dispersou-se para diferentes hotéis e casas particulares.
Como se tornara aprazível esta Petrópolis que era outrora a mata solitária do Córrego Seco! Num país como o Brasil, cujo desenvolvimento se opera em bela escala, porém sem a rapidez do americano, difícil é compreender tal metamorfose.
O número de habitantes de Petrópolis pode ser comportado hoje em 7.000 são cerca de 2.700 alemães, e 3.000 portugueses; os restantes franceses e ingleses etc.
Por isso Petrópolis teve de sacrificar bastante o seu antigo tipo germânico. Aliás pode dizer-se malogrado o seu destino como colônia agrícola lucrativa. O solo é estéril, limitado, escarpado; a vegetação antes botanicamente atraente e soberba que agricolamente lucrativa. Cuida-se mais da indústria. Desenvolveram-se várias pequenas artes, oficinas e empresas. Por uma razão muito simples, é muito vantajosa a proximidade com a Capital do país.
Petrópolis fica na serra a mais de 2.000 pés de altura, e goza de todas as vantagens de salubridade de um clima de montanha. Ainda que o clima seja um tanto caprichoso e inconstante, e caiam chuvas frequentes em todas as estações, o ar no alto da serra é deliciosamente puro e revigorante e água potável maravilhosa.
Ambas essas bênçãos do céu no meio de uma grandiosa natureza serrana deram a Colônia a sua peculiar importância.
Sobem para Petrópolis e lá convalescem todos os que no Rio, estão doentes, fracos, debilitados pelo clima ardente, ameaçados pela febre amarela, fatigados pelas preocupações. Ela é o Weltvreden, o Buittenzorg do Rio de Janeiro e o seu meio humano, o seu local de vilegiatura, o seu balneário, os seus estabelecimentos hidroterápicos, não sofrem ainda o metódico charlatanismo dos balneários europeus e queira Deus que nunca o sofram!
Diversos hotéis ornam a cidade. Muitos Colonos alugam partes de suas casas ás aves de arribação do Rio. Aliás grande número de casas magníficas é de propriedade de distintas famílias do Rio de Janeiro.
Entre estas, ocupa o primeiro lugar o Palácio Imperial, que não é propriamente um palácio, mas um castelo muito limpo e aprazível habitado pela Família Imperial nos meses quentes de dezembro a abril.
Acompanha a Família Imperial uma multidão de pessoas de alta categoria, diplomatas etc. e às vezes é muito difícil achar em Petrópolis um quarto, um abrigo. Além disso, na cidadezinha a vida é cara; em certas épocas alguns viveres tem de ser pagãos a peso de ouro; e frequentemente ocorre que gêneros vindos do campo para a cidade, como ovos, por exemplo, são trazidos pelos que visitam a colônia do Rio de Janeiro para Petrópolis.
Nessa época é Petrópolis maravilhosamente linda, foi quando lá me achei em fevereiro de 1858.
Subira numa tarde de sábado e tive forçosamente, de hospedar-me em casa do cunhado do meu irmão, um bem-educado funcionário brasileiro, cuja esposa, de descendência anglo-americana, não ficava a dever, em cultura, a nenhuma dama parisiense e, em economia doméstica, a nenhuma senhora alemã.
Que agradável domingo vivi eu! A serra estava fresca e fria. O orvalho cintilava nos montes e vales e escorria de todas as folhas. Nos bairros da Colônia, de nomes genuinamente alemães, Palatinado, Vestifália, etc., ao longo do rio pulsava vida alemã e louras cabecinhas alemães corriam para cá e para lá onde quer que, em meu passeio matinal, dirigisse os meus passos.
Fomos depois á igreja protestante. A pequena e acanhada casa de orações estava cheia de gente que, com o acompanhamento de um pequeno órgão, cantava tão devotamente o seu: “Liebster Jesu, wir sind hier, etc.”, que certamente a todos o Senhor terá ouvido e atendido. Em seguida pregou o meu velho e fiel amigo Jakob Daniel Hoffmann, jovialmente, sobre o Bom Pastor; jovial parecia o sol do Evangelho nos corações dos homens e o sol do céu penetrava pelas janelas e por alguns buracos do teto.
Depois do sermão, perto da casa de Deus, um vai e vem puramente alemão me alegrou a alma. Revê-se exatamente, nos diversos grupos, o Palatinado do Reno: os mesmos longos sobretudos, os mesmos cachimbos curtos dos homens, os mesmos vestidos sem talhe e porte das camponesas, as mesmas engraçadas figuras de crianças de olhos azuis abertos, com sardas e nariz sujo.
Sua Majestade o Imperador, recebeu-me com sua bem conhecida benevolência e dele me despedi para seguir viagem.
Devo fazer aqui uma observação sobre a maneira como o Imperador atende, ouve e considera os desejos, pedidos e petições que sem trabalho e sem dificuldade lhes são levados quer em São Cristóvão, quer em Petrópolis!
O Imperador pertence a todos e por isso todos pertencem ao Imperador! A afirmação é verdadeira e ele bem pode ser aquele conde, cantado pelo poeta sábio, que podia consoladamente repousar a cabeça para dormir no seio de cada súdito e a quem, entusiasmados e comovidos exclamaram os outros príncipes:
“Graf im Bart, Ihr seid der Reichste,
Euer Land Traegt Edelstein!”
("Conte a barba, você é a pessoa mais rica
O seu país tem uma jóia!)
Fomos à tarde a Praça de Koblenz.
É uma praça grande limpa, sombreada por grandes árvores da floresta. Quando os primeiros colonos começaram a derrubar a mata foi aqui celebrado o primeiro serviço religioso católico e protestante e meu irmão, então pregador da comunidade do Rio, celebrou o primeiro casamento ao ar livre. Uma grande cruz branca assinala o lugar onde os imigrantes, que pobres como Jacó, haviam chegados a este lugar estrangeiro, primeiro tinham olhado para o Senhor.
Quando o Imperador está em Petrópolis, a Banda Musical de Musica Imperial toca na praça. Ali se vêem lindos grupos. A alta sociedade, perfumados cavalheiros de “lorgnette” e amazonas de cinta de vespa passeiam a cavalo. Na relva brinca os pequenos. Mocinhas louras, seis a oito braços, braços dados passeiam elegantemente e cochicham segredos, alegrias e dores da semana passada: assim parece pelo menos, porque quando a gente se aproxima, elas se calam para não serem executadas.
Maravilhosamente soam os acordes da música ao ar livre! Fiquei surpreendido, alegre e entusiasmado com tudo o que via e ouvia. Ninguém mais do que eu o sentia; pois no meio do povo alegre morigerado, da praça asseada e da harmoniosa musica, pensava no Córrego Seco que há catorze anos e na então solitária floresta. Operara uma mudança mágica.
Segunda-Feira de manhã, muito cedo, teríamos de separar-nos da aprazível cidadezinha serrana e de seus amáveis habitantes.
Quando chegamos á garganta, ao portão de pedra ao passo da serra, estava a região abaixo de nós iluminada pelo sol da manhã com toda a pompa, toda a majestade. Em baixo os contrafortes da serra, a planície até a baía , a própria baía, as montanhas do Rio distante e, afinal, ainda o distante oceano; tudo deveria ser visto em sua imensurável extensão. Em nenhuma outra parte do Rio existe mais sublime quadro da natureza.
Com o fresco ar matinal rolavam os carros rapidamente, serra abaixo, para regiões mais quentes e, poucas horas depois, estávamos nos vagões da estrada de ferro, rumo ao Rio.”
Referencia bibliográfica:
(VIAGEM PELO SUL DO BRASIL NO ANO DE 1858, por Robert Ave-Lallemant, 1º volume, páginas 74 a 81, edição do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, 1953, Tradução de Teodoro Cabral)
*Robert Christian Ave- Lallemant - (Lübeck, 25 de julho de 1812 Lübeck, 10 de outubro de 1884) foi um médico e explorador alemão
Filho dos professores de música Jacob Heinrich Avé-Lallemant e Friederike Marie Canier. Irmão do criminalista Friedrich Christian Avé-Lallemant e do crítico musical Theodor Avé-Lallemant.
Assim como seu irmão frequentou em sua cidade natal o Katharineum, tendo ao mesmo tempo educação musical com seu pai. Iniciou o curso de medicina em Berlim, mudando em seguida para Heidelberg. Após um semestre de estudos em Paris, completou seus estudos e em seguida fez doutorado em Kiel.
Em 1836 estabeleceu-se no Brasil, como médico no Rio de Janeiro. Alguns anos depois foi diretor de um sanatório para doentes de febre amarela. Foi então convocado para trabalhar no conselho de saúde do império.
Em 1841 casou no Rio de Janeiro com Meta, filha de Moses Löwe, com quem teve três filhos. Como sua mulher não suportava bem o clima brasileiro, a família retornou em 1855 para Lübeck, falecendo sua mulher no mesmo ano. Após o ano obrigatório de luto, Avé-Lallemant casou em 11 de abril de 1856 com Ida Louise Löwe, irmã de sua falecida mulher, com quem teve 2 filhos.
Em Lübeck teve contato com Alexander von Humboldt, que o convidou para participar da expedição Novara para o Brasil. Avé-Lallemant abandonou a expedição no Rio de Janeiro, iniciando então a viajar sozinho pelo Brasil. Estas expedições foram apoiadas pessoalmente por D. Pedro II.
Em 1858-1859 Avé-Lallemant retornou novamente para Lübeck, abrindo um consultório em 1859. Em 1869 foi convidado, novamente sob incentivo de Humboldt, para a cerimônia de inauguração do Canal de Suez. Em 1871 faleceu sua segunda mulher, com 54 anos de idade, tendo ele casado um ano depois com Adamine Ulrike von Rosen.
Avé-Lallemant não é conhecido somente por suas viagens exploratórias pelo Brasil, mas também por ter influenciado o sistema de saúde brasileiro.
Veja também: