COLUNISTA
Nesse ano de 2025, a Catedral São Pedro de Alcântara, completa 100 anos de inauguração, nada mais justo que trazer novamente a público, esse brilhante artigo histórico, escrito pelo saudoso e insigne historiador petropolitano Walter Bretz, que não só conta a história da Matriz Velha, que era localizada exatamente, onde hoje se encontra a rua Oscar Weinschenck, como também um pouco da história religiosa de Petrópolis.
A MATRIZ VELHA
João de Petrópolis pseudônimo de Walter João Bretz.
Brevemente dir-se-á a ex - Matriz-Velha, pois terá desaparecido o venerado templo católico, o primeiro dos que existem nesta cidade.
As obras da sua demolição iniciaram-se a 9 de Março ultimo e, a 27 de Abril deste ano [1926], o leiloeiro Augusto Pinto de Carvalho vendeu, ao correr do martelo, os materiais de construção aproveitados da veterana igreja.
Com grande pesar, os velhos e incorrigíveis cultuadores das tradições da cidade assistiram a esse cena, que aliás, não pode efetuar-se na data originalmente fixada, 23 de Abril, por haver chovido, ficando assim transferida a praça.
Parece mesmo que a própria natureza não quis conforma-se com a resolução dos homens a serviço do progresso; e, derramando as duas lágrimas, em forma de chuva, adiou por mais algumas horas a dispersão dos materiais da velha Matriz pelos quatro pontos da cidade serrana.
Apenas para fixar a data do desaparecimento da mais antiga das igrejas locais, resolvi escrever este apanhado de notas que relembrará alguns fatos ligados à história local.
Digo propositalmente a mais antiga igreja “desta cidade” visto que, na área que, primitivamente, formava o nosso município, houve uma outra capela bem mais velha. Existia esse templo no lugar denominado “Rio da Cidade”, no 2° distrito municipal; e, construída por Manuel Antunes Goulão, sob a invocação de “Nossa Senhora do Amor de Deus”, foi benzida em 29 de Outubro de 1751, tendo tido a faculdade de usar a pia batismal em favor dos moradores do lugar.
A provisão para a respectiva construção fora concedida em 29 de Outubro de 1749, ao referido Goulão, a quem haviam sido dadas em sesmarias as terras correspondentes, deste a fazenda do Itamarati até Pedro do Rio.
Voltando, porém, ao assunto desta crônica, direi que o território da primitiva colônia de Petrópolis, formava um curato que foi desmembrado da freguesia de São José do Rio Preto, município da Paraíba do Sul, passando para a Vila da Estrela pela lei n. 397 de 20 de Maio de 1846, que elevou o mesmo curato à categoria de freguesia, sob a invocação de “São Pedro de Alcântara de Petrópolis”. Isto há, pois, oitenta anos, na data de hoje.
Os primeiros atos da novel paróquia foram celebrados em dependências do próprio provincial, que existiu outrora entre as ruas D. Januária e D. Francisca, no local onde está presentemente o fórum. (Atualmente prédio do CEFET, na Rua do Imperador).
Este edifício era de construção térrea e abrangia o espaço compreendido entre o atual prédio do Banco Construtor do Brasil e a esquina da Rua General Osório.
Ficavam nele instalados o quartel do destacamento policial, com um largo portão, onde se guardavam a bomba de incêndio; a cadeia pública, cujas grades davam para a rua do Imperador, de modo que os presos podiam ser vistos e conversar com os transeuntes; a delegacia e subdelegacia de policia; o depósito das obras públicas, e, finalmente as dependências comumente ocupadas por uma das escolas públicas da Província do Estado. Em carias épocas estiveram, também localizadas na vetusta edificação, a agência dos correios, a casa de Caridade, o Liceu de Artes e Ofícios e diversas repartições publicas. Oficialmente chamavam aquilo os “os quartéis da colônia”, mas o povo aplicava ao conjunto o nome de “ a nação” por ser uma propriedade do governo.
Nessa casa, que, no correr dos anos, foi tendo, como vimos acima, as mais variadas aplicações, ficou nos primitivos tempos da Colônia, preparada uma sala, na qual todos os domingos o pároco rezava o santo ofício da Missa e, no mesmo local, em outro dia da semana ou em hora diferente, o pastor protestante também celebrava o seu culto divino.
Essa fase da vida petropolitana teve os seus aspectos bem interessantes, tanto que o mordomo do Palácio Imperial, conselheiro Paulo Barbosa quis erigir uma igreja comum a todos os cultos cristãos, a exemplo do que se praticava na Alemanha, onde os reformados permitiam aos fieis de outras crenças, inclusive os romanos, a utilização de seus templos.
Dizem que este projeto não prevaleceu ante os obstáculos que lhe opôs o internuncio apostólico, monsenhor Fabrini, apoiado pela intransigência da camareira-mor do paço imperial.
Em todo o caso, reinava entre os colonos, a mordomia do palácio e a diretoria da Colônia um pronunciado espírito de concórdia que tornava possível cogitar de matéria aparentemente tão melindrosa de encarar.
Na Matriz provisória realizavam-se com relativa imponência os atos eclesiásticos, notadamente a festa do padroeiro da freguesia e os grandes dias da religião.
Ali, exerceu o seu ministério vicarial o cônego Luiz Gonçalves Dias Côrrea, que foi o primeiro pároco da freguesia de Petrópolis e, sob cuja direção espiritual já se achava a localidade, mesmo como simples curato.
Era, entretanto, impossível que continuassem em tão precária instalação os serviços divinos da Colônia, tendo especialmente em vista que os alemães insistiam pela prometida assistência religiosa, a par das escolas, de que não queriam prescindir na sua nova pátria e da qual, segundo os três pedidos feitos ao conselheiro Aureliano Coutinho, presidente da Província, também desejavam ser considerados cidadãos.
O major Julio Frederico Koeler, diretor da Colônia, desde logo incluíra nos planos da construção da cidade o levantamento de uma igreja matriz condigna, tendo sido designado para esse fim o terreno cedido pelo imperador D. Pedro II, desde 1845, no “Morro do Belvedere”. Por esse nome designava-se o logradouro público que, por deliberação do Conselho de Intendência Municipal, passou a denominar-se, em 25 de Julho de 1891, a “Praça São Pedro de Alcântara”, muito embora o povo preferisse sempre chama-lo o “Morro da Igreja”.
Toda a gente previra, entretanto, desde logo, que do projeto à realização da ideia muito teríamos de caminhar e que a sua execução dilatar-se-ia pelos tempos afora. Os fatos vieram confirmar o prognostico dos nossos antepassados, pois somente oitenta anos à fundação da cidade e cinqüenta depois do lançamento da primeira pedra fundamental da Nova Matriz é que esta passou a ser a sede da paróquia, muito embora ainda estejam longe de sua conclusão as obras respectivas.
Antevendo uma grande demora na edificação do templo planejado, os fundadores de Petrópolis preferiram adotar uma solução praticamente mais viável e de alcance imediato para o bom andamento da vida religiosa do lugar. Essa solução estava em dotar a Colônia, mesmo provisoriamente, com um templo mais modesto, uma simples capela, por exemplo.
Daí surgiu a ideia de adaptar-se convenientemente, para o fim desejado, o barracão existente à rua da Imperatriz e cujo destino fora originalmente o agasalhamento e recebimento dos colonos alemães, antes da respectiva instalação nos diversos quarteirões.
Aceito esse alvitre pelo imperador D. Pedro II e pela administração provincial, o major Koeler encarregou o empreiteiro de obras, Justino de Faria Peixoto, de construir a Matriz velha.
O mestre Justino, que residia à rua do Imperador, numa casa onde durante muitos anos morou depois o finado tabelião João Cordeiro do Carvalho (na Rua do Imperador), deu inicio às obras a igreja de 1847 e concluiu-as em 1848, passando, nesse mesmo ano a funcionar no templo que ora está em demolição, a paróquia de São Pedro de Alcântara.
Por mais de setenta e sete anos, pois, a palavra divina ecoou naquelas vetustas arcadas, sob as quais gerações seguidas de católicos petropolitanos receberam os sacramentos da Igreja e os ensinamentos de seu credo.
A Matriz Velha está bem enraizada no coração do povo e as suas tradições que são, em boa parte, as da própria cidade, permanecerão perpetuamente na memória dos nossos conterrâneos.
Muitos dos mais idosos que ali foram batizados e casados e também, naquele recinto assistiram ao batismo, à comunhão, à crisma e ao casamento de filhos, netos e bisnetos, por isso mesmo, não se conformam com o desaparecimento daquele tabernáculo das suas mais gratas recordações.
Sob as inspirações divinas, quantas venturas não foram ali argamassadas com as bênçãos celestiais; e quantas róseas esperanças carinhosamente cultivadas, naquele sitio não se terão esboroado há inconstância das coisas humanas?
Tudo o que a família católica de Petrópolis construiu nestas quase oito décadas terá de procurar os seus alicerces na Matriz Velha, que, por poucos dias, ainda existirá na mudez de quatro paredes, expostas ao tempo e à próxima destruição do alvião inclemente do progresso.
Tudo isto, porém, não são palavras vãs, que o vento leva, como hão de ser consumidos os últimos vestígios da igreja dos nossos antepassados, afim de que se cumpra, em toda a plenitude a sentença irrecorrível: “Pulvis es et in pulverem reverteris”.
Data de 1848, o primeiro sino inaugurado na Matriz, sino este que ainda existe e está atualmente na Catedral.
Esse sino, no qual está fundida uma imagem do Anjo da Guarda, serve para tocar as “Ave-Marias”.
Chamava-se, por esse motivo, o sino do “Angelus”, segundo me informa pessoa conhecedora do assunto.
No regime da religião oficial, as obras da Capela-Matriz estiveram sempre aos cuidados da Superintendência da Fazenda Imperial e da província do Rio de Janeiro.
Aquela, por exemplo, instalou, em 1854, a grade e a cancela de balaústras, torneados na linha divisória da igreja, com a capela-mor. Essa grade, ao que se diz, é a que existiu até ultimamente; e, apesar de sua simplicidade material, encerra um relevante valor histórico, pois foi junto dela que os fieis petropolitanos, a começar pela família imperial, receberam, aos milhares, o sacramento da Eucaristia.
Por isso mesmo, o conhecido construtor de obras sr. Heitor Levy, que está demolindo a igreja, nem gesto muito piedoso, retirou da alçada do leiloeiro, essa e outras peças, igualmente respeitáveis do templo.
Lemos numa obra sobre Petrópolis, que, em 1865, a Matriz fora reedificada e decentemente arranjada, gastando-se nessas obras a soma de 12:000$, cuja metade foi fornecida por uma subscrição promovida entre os petropolitanos e os seus hospedes, e a outra metade pela administração provincial.
“Aliás”, diz a mesma obra, “essa capela é somente provisória, devendo edificar-se matriz condizente com o número de fiéis e importância a cidade, na eminência já indicada (o morro do Belvedere), servindo depois a capela para templo do culto reformado, cujos sectários até hoje não tem podido celebrar os seus ofícios senão em sala particular alugadas para esse fim.”
Von Tschudi, em sua obra “Reisen durck Sudamerika”, dizia em 1866, referindo-se à Matriz de Petrópolis, “que ela mal ultrapassava das dimensões de uma capela, sendo mesmo designada pelo título de Capela de São Pedro de Alcântara”. É de uma simplicidade primitiva e demasiada pequena para as necessidades de Petrópolis.
A construção de uma Matriz na entrada da rua Joinville, no quarteirão Francês, aliás, já está há algum tempo projetada, mas terá de aguardar, por tempos, a sua execução. No caso de realmente ser construída a igreja, deverá a atual capela ser destinada para o serviço divino protestante, que agora é celebrado na escola em ruína.”
O coro, como ultimamente se achava, a julgar por uma inscrição existente nos respectivos barrotes, assinalando o dia 28 de Setembro de 1876, deve ter sido reformado naquele ano.
Em 1895, começou, no dia 31 de Janeiro, a construção da torre, que se ergue ao lado esquerdo do templo. Naquela época foi também construído nos fundos da igreja o consistório novo e instalado o grande sino de “S. José”, isto durante a provedoria do capitão José Lopes de Castro.
A construção da torre ficou assinalada por um desastre, tendo dela despencado para a rua o sr. Brandão, que fazia parte da administração da Irmandade.
Em 1898, durante o vicariato do padre Valença, a Matriz passou por uma geral reforma, tendo sido modificado, em parte, o interior, pintada a parte interna e ampliada as dependências do templo.
Nessa ocasião foram executadas, por um artista italiano, as telas do teto, representando os dozes apóstolos e das quais ainda existem nove: as de S. Tomé, Simon, João, Bartolomeu, Felipe, Jacob I, André, Mateus e Jacob II, faltando as de S. Pedro, S. Paulo e S. Marcos, que a ação do tempo prejudicou.
Foram então construídos os quatro nichos laterais, nos quais ultimamente era cultuadas as imagens de Nossa Senhora das Dores, a mais antiga das existentes; e Santo Antonio, à direita do alta-mor; e Nossa Senhora da Conceição e São Benedito, à esquerda.
Na capela-mor, presidia ao altar principal a imagem de São Pedro de Alcântara, como padroeiro da freguesia, que tinha, ao lado direito, São Geraldo e o Sagrado Coração de Jesus, este num nicho; e à esquerda, São Sebastião e Nossa Senhora da Soledade, ficando esta também num nicho.
No seu “Dicionário Geográfico”, Moreira Pinto referia-se às imagens da Matriz, dizendo que ali existiam três altares, isto antes da reforma do padre Valença: São Pedro de Alcântara, São José e Nossa Senhora das Dores.
No de São José, lia-se a inscrição: “Ite ad Joseph et quid ipse vobis dixerit, facite”, e na de Nossa Senhora: “Nobis lutem conferant Dei parae tot lacrimae.”
Do lado exterior da Matriz em dois nichos, existiram primitivamente duas estátuas de gesso dos apóstolos São Pedro e São Paulo, substituídas mais tarde por duas outras, a do Coração de Jesus e de Nossa Senhora de Lourdes.
Essas imagens, como as demais da igreja, estão sendo ao que ouvimos, distribuídas por outros templos, visto terem de obedecer ao estilo próprio da nova Matriz as que ali forem sendo colocadas.
Depois da reforma executada pelo padre Valença, em 1898, somente uma outra obra de conservação terá sido feito no velho templo, o que aliás, se justificava pela iminência em que se encontrava sempre a paróquia de ser, de uma para outra hora, instalada na sua nova sede, o que, logicamente, não aconselhava despesas supérfluas e dispensáveis.
Em 19 de Outubro de 1899, inaugurou-se a nova capela do Santíssimo Sacramento, construída aos fundos e à direita da igreja.
Essa dependência, aliás, pouca utilização parece ter tido, havendo ultimamente estado ali instaladas durantes alguns tempo as oficinas do “Centro da Boa Imprensa”, antes da sua mudança para a antiga “Casa dos Semanários”, do Palácio Imperial, à atual rua Dr. Joaquim Moreira.
Subentenda-se, ao ler estas linhas, que estamos publicando apenas apontamentos esparsos sobre a tradicional igreja, mesmo porque referir-lhe a crônica detalhadamente seria reproduzir a historia da cidade, em boa parte.
Depois do vicariato do cônego Corrêa, que pastoreou o rebanho petropolitano de 1846 a 1854, foram párocos na velha Matriz os seguintes sacerdotes:
Padre Antonio José de Melo, de Janeiro até Dezembro de 1855
Padre João Higino de Camargo Lessa, de 1856 e 1857
Padre José Domingues Nogueira da Silva, de 1857 até Junho de 1858.
Padre Nicolau Germain, de Junho de 1858 até Julho de 1878, substituído apenas, em 1869, durante uma viagem à França, pelo padre Dr. Pedro Peixoto de Abreu Lima, que ficou como pro-pároco.
Padre Teodoro Esch, de Julho de 1878 até 1890, tendo sido substituído, em 1889, enquanto viajava na Alemanha, pelo padre Vito Maria Jurno, pro pároco.
Padre Antonio Maria Correa de Sá, de Janeiro de 1891 a Março de 1896, tendo ficado, em sua ausência como encarregado da freguesia, por pouco tempo, o padre Tomáz Aristoteles Guizan.
Padre Isidoro Monteiro, de 11 de Março a Setembro de 1896. Ao que afirmam, este religioso da Congregação da Missão era petropolitano, e teria sido assim o único dos nossos conterrâneos a quem coubesse dirigir espiritualmente a paróquia natal.
Monsenhor Agostinho Francisco Benassi, atual bispo desta diocese (1926), 26 de Setembro de 1896 até Dezembro de 1897.
Monsenhor Dr. Antonio Macedo Costa, de 23 de Dezembro de 1897 até a nomeação do novo vigário, regeu a freguesia, como encarregado.
Padre José Joaquim Valença, de Janeiro de 1898 até Fevereiro de 1901.
Monsenhor Teodoro da Silva Rocha, de 2 de fevereiro de 1901 até a sua morte, em 22 de Fevereiro de 1925.
Padre Leon Andrieu, coadjutor da freguesia, na vacância, de 22 de Fevereiro a 21 de Abril de 1925; e, finalmente, o atual vigário, padre Conrado Jacarandá, que exerce o seu cargo desde 21 de Abril de 1925, tendo sido nomeado a 30 de Março precedente.
Desses vigários, o primeiro, cônego Corrêa, e o penúltimo, monsenhor Rocha, foram acometidos do mal que os vitimou, quando, dentro da velha Matriz, exerciam o seu sagrado ministério.
A Agostinho Benassi coube a tarefa de receber na veterana igreja, alçada à dignidade de Sé Episcopal, o primeiro bispo de Petrópolis e também a de reinstalar, em Niterói, a sede da diocese fluminense, daqui removida pela Curia Romana para antiga Praia Grande.
Nos tempos da Colônia, havia também os curas dos colonos alemães, tanto protestantes, como católicos.
Destes últimos, o primeiro de que há noticias é o padre Francisco Antonio Weber, a respeito do qual diz Henrique Raffard, no seu “Jubileu de Petrópolis”, ter vindo na companhia dos colonos.
Neste ponto, o erudito historiógrafo deve ter sido guiado por alguma informação errônea, pois não consta que os colonos de 1845 trouxessem o seu guia espiritual.
Continua
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