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Frederico Amaro Haack

COLUNISTA

Frederico Amaro Haack

A MATRIZ VELHA - II

“O padre Weber terá sido contratado posteriormente, tanto que constam atos seus datados de 1847, sendo alguns batizados em que serviram de ex-padrinho os imperantes.

O primeiro deles é consignado pelo seguinte assentamento:

“Anno Domini millesimo octingentésimo quadragésimo septimo, die vigésima octava, memsis Octobris, ego, Franciscus Antonius Weber, parochus hujus ecclesiae sancti Petri ab Alcanthara, civitatis Petropolis, baptizavis infantem, natum die vigésima, mensis Augusti, ex Nicolao Dietrich et Catharina, conjugibus hujus Parchia, cui impositum est Nomen Pietrus. Patrinus fuit: Serenissimus et potentissimus Princeps Dominus Dominus Petrus Secundus, Imperator Brasiliae semper Augustus. Matrina fui: Serenissima et potentíssima Princeps Domina D. Theresia Christina Maria, Imperatrix Brasiliae, semper Augusta. D. Pedro 2º - Thereza.”

Tradução para português por Inteligência Artificial*:

“No ano de Nosso Senhor de mil oitocentos e quarenta e sete, no dia vinte e oito de outubro, eu, Franciscus Antonius Weber, pároco desta igreja de São Pedro de Alcântara, na cidade de Petrópolis, batizei uma criança, nascida no dia vinte do mês de agosto, de Nicolas Dietrich e Catherine, esposos desta paróquia, a quem foi dado o nome de Pedro. O padrinho foi: Sua Sereníssima e Poderosa Princesa Dominus Dominus Pedro II, Imperador do Brasil sempre Augusto. Fui madrinha: Sua Sereníssima e Poderosa Princesa Domina Theresa Christina Maria, Imperatriz do Brasil, sempre Augusta. D. Pedro II Theresa.”

Nesse tempo, a freguesia ainda funcionava nos “quartéis da Província”, onde estava, provisoriamente, instalada, como já vimos acima.

Ao padre Weber sucederam curas interinos dos colonos, entre os quais o coadjutor da freguesia padre Nicolau Gemain, aliás, de nacionalidade francesa e que, nem por isso, se entendia menos bem com as suas ovelhas teutônicas.

Por provisão episcopal de 10 de Janeiro de 1845, porém foi nomeado curo dos colonos alemães o padre dessa nacionalidade Teodoro Wiedemann, que, apresentando ao Diretor da Colônia um título provisório de 9 do mesmo mês, desde logo foi empossado, deixando as funções o “abbé” Germain, que as exercia interinamente.

O padre Wiedemann pouco tempo se manteve em paz no seu posto, pois, querendo exercer uma autoridade paralela à do vigário da freguesia, de quem, todavia era subordinado, criou uma situação grave na Colônia.

Essa questão chegou ao auge no dia 25 de Março de 1855, quando os colonos, como de costume, faziam uma coleta para o cura, durante a missa. O diretor da Colônia, tenente-coronel Alexandre Manuel Albino de Carvalho, achando que isso não devia ser permitido, foi à Matriz e proibiu que a coleta se efetuasse. Daí resultou um atrito entre o cura e o diretor da Colônia, tomando os colonos o partido do padre Wierdemann, a ponto de pronunciarem, em alemão, palavras insultuosas ao coronel Albino, o que deu lugar à prisão dos mais exaltados.

Os demais colonos rebelaram-se também e tornou-se preciso reforçar a guarda da cadeia, com paisanos armados, tendo o presidente da Província, Luiz Antonio Barbosa, ordenado ao chefe de polícia vir tomar conhecimento do ocorrido e providenciar convenientemente.

No mesmo oficio em que isso comunicava ao diretor da Colônia, dizia a autoridade suprema da Província:

“Recomendo-lhe, entretanto, que procure evitar por parte das autoridades qualquer provocação, como o foi a prisão de que se trata por ser contraria à disposição das leis, visto não se acharem os indivíduos que a sofreram em alguns dos casos em que as leis autorizam a prisão sem culpa formada.”

O diretor da Colônia acusava o cura Wiedemann de ter a pretensão de exercer o seu emprego como prefeito e independente pároco e não como simples cura de almas, que era ou deveria ser, ou antes como verdadeiro coadjutor do pároco da freguesia; e, nessas conformidades, o mesmo Wiedemann vivia até em divergências com o vigário Melo e o padre Germain, coadjutor deste.

O resultado final foi a exoneração do cura por deliberação do governo provincial e provisão do bispo, de 16 e 18 de Abril  1855, atos que o sucessor do coronel Albino achou “haverem sido uma barreira às sugestões que entre os colonos católicos promoveu o padre Wiedemann, amotinado a população alemã, ao ponto de apresentar-se com caráter hostil e de rebelião pelas insidiosas idéias de independência do seu ministério, que o padre, com tempo e habilidade, foi infiltrando nas famílias dos colonos, sob os auspícios da religião.”

O presidente da Província, ao comunicar ao diretor da Colônia a exoneração do padre Wiedermann, esperava “alguma demonstração imprudente por parte dos alemães, que o cura pudesse ter fanatizado.”

Tudo acabou, porém, sem maiores dissabores; o coronel Albino que, por várias vezes pedira exoneração do seu cargo, por motivo de moléstia, aproveitou o ensejo para reiterá-la, sendo-lhe também concedia.

E assim terminou a crise que tivera tão forte repercussão na Matriz Velha.

Voltou a cura dos alemães ao padre Germain, e, como este não falasse o alemão, passou a vir, de vez em quando a Petrópolis o padre Carlos Winckler, capelão do Asilo de Santa Leopoldina, para o serviço religioso dos seus patrícios aqui instalados.

Em 31 de Dezembro de 1853, criou-se a Irmandade do Santíssimo Sacramento de S. Pedro de Alcântara, cujo primeiro provedor eleito foi o diretor da Colônia, coronel Alexandre Manuel Albino de Carvalho, realizando a instalação provisória da mesa a 28 e Novembro de 1854, com a seguinte mesa: Alexandre Manuel Albino de Carvalho, provedor; João Henrique Lagos, Secretário; Joviano Varela, tesoureiro; Henrique Kopke, procurador; José Maria Jacinto Rabelo, Tomás José da Porciúncula, Inácio J. Nogueira da Gama, Maximiniano J. Gudehus, Antonio Luis Machado, Antonio José dos Santos Rocha, Ricardo Narciso da Fonseca e Camilo Dagofredo, Irmãos de mesa.

O secretário foi, porém, logo substituído por Antonio Santos Rocha; o procurador, por José Antonio de Carvalho, passando Dr. Henrique Kopke para irmão da mesa, no lugar de Santos Rocha.

Os fatos supervenientes à exoneração do aludido diretor, ocasionaram um pequeno retardamento na vida da irmandade, que, porém, em 102 de agosto de 1855, se instalava definitivamente com a mesa da qual faziam parte os seguintes irmãos: Barão da Lorena, provedor; Joviano Varela, secretário; Pedro José Câmara, tesoureiro; Ricardo Narciso da Fonseca, procurador; Inácio José da Silva, José Gaspar da Cunha Freitas, José Martins Correia, Antonio Tavares Bastos, Julio Pedro Piot, Joaquim Martins Correia, José Pinto da Cunha Fernandes e José Antonio de Carvalho.

A Irmandade do Santíssimo Sacramente, daí por diante, sempre contribuiu para imponência do culto na Matriz Velha e auxiliou a obra dos párocos com dedicação e acentuado espírito religioso.

A Matriz Velha, em 21 de abril de 1864, serviu para sagração de D. Antonio Macedo Costa, 10° bispo do Pará, sendo sagrante o Internuncio Monsenhor Mariano Falcinelli Antoniacci, arcebispo titular de Atenas.

Este fato merece ser assinalado, ao lado de outros passados na Velha Matriz, por tratar-se de uma das mais notáveis figuras do episcopado brasileiro. D. Macedo Costa foi com D. Vital, bispo de Olinda, processado por ocasião da questão religiosa (1873-1875) e condenado a 4 anos de prisão, que começou a cumprir na Ilha das Cobras, sendo, afinal, perdoado em setembro de 1875.

Ao tempo do Império, a Matriz recebeu sempre a família imperial sob os seus tetos e todas as grandes cerimônias da época e da Côrte nela eram celebradas.

Basta lembrar o solene “Te Deum Laudamus”, pelo bispo D. Pedro Maria de Lacerda, na tarde de 15 de outubro de 1875, em homenagem ao feliz nascimento do príncipe de Grão Pará, ocorrido nesta cidade, naquela manhã.

No dia 12 de março de 1876, festejando a inauguração do Hospital Santa Tereza e o lançamento da pedra fundamental da nova Igreja Matriz, também se realizou, com a presença da família imperial, um “Te Deum”.

Não menos notável era ali a comemoração do mês de Maria, à qual a Princesa D. Isabel dedicava todo o seu carinho religioso. Especialmente, em 1888, por ocasião da Abolição, foi ali entoado por várias vezes o “Te Deum” comemorativo da Lei Áurea, sendo a Redentora, repetidamente, acompanhada, em triunfo, pelo povo petropolitano até à Matriz e desta para o paço.

Na própria data de 13 de maio de 1888, que foi um domingo, a população, recebendo na estação a Princesa D. Isabel, que chegava da Côrte, onde assinara o decreto áureo, conduziu-a gloriosamente da gare até a Matriz Velha, fazendo a pé, por não ter S.A.I. consentido que o povo, no auge do seu entusiasmo pela causa da Liberdade, desatrelasse os animais do coche imperial para tirá-lo a mão.

Não deve ser olvidada entre as solenidades históricas comemoradas na Matriz, em demolição o “Te Deum” com que se celebrou, no dia 17 de junho de 1859, a instalação da cidade de Petrópolis e a posse da sua primeira Câmara Municipal.

A Velha Matriz foi ainda o teatro de muitas eleições políticas, que, como se sabe, eram realizadas no antigo regime nas igrejas. Nem sempre a ordem e o respeito predominaram nesses pleitos, tendo, por mais de uma vez, havido conflitos dessa espécie.

Num barracão armado ao lado da Matriz, servia-se aos votantes o banquete eleitoral, constante de um grande jantar ou almoço, em que até vezes rezes inteiras eram retalhadas entre os comensais.

Esses “comes” regados a “bebes” acabavam, muitas vezes, em sarilho medonhos, dada a excitação do pessoal...

Na Matriz Velha recebeu o sr. d. Pedro II, na manhã de 15 de novembro de 1889, ao ouvir uma missa, as primeiras notícias sobre os acontecimentos do dia, tendo-lhe, ao que se diz, sido ali entregue o segundo telegrama dos que lhe passara o Visconde de Ouro Preto, isto é, aquele em que o ilustre presidente do conselho de ministros solicitava a demissão do gabinete.

O primeiro dos telegramas ao que dizem, não foi ter às mãos do imperador, apesar de haver o Visconde de Ouro Preto apurado a sua expedição da Côrte, a sua chegada à estação telegráfica de Petrópolis e a sua entrega no paço desta cidade...

Da Matriz, S. M. se recolheu ao palácio, descendo em trem especial afim de seguir, poucas horas depois, para o exílio.

E assim escreveu-se uma coincidência histórica. Na Matriz, o Monarca recebeu as primeiras novas da terminação do seu Império, e, trinta e seis anos mais tarde, a necessidade de depositar os seus restos mortais, na nova Matriz, apressou a mudança da paróquia para ali, e conseguintemente, motivou o fechamento do velho templo.

A Matriz Velha já foi, como é sabido Sé Episcopal.

Transferida a diocese fluminense de Campos para Petrópolis, o bispo d. Francisco do Rego Maia, a 13 de novembro de 1897, entrou solenemente na sua catedral recebido pelo então vigário Benassi, que, mais tarde bispo, levava, consigo para Niterói, a cadeira diocesana.

Em 1902, o segundo e último bispo de Petrópolis, d. João Francisco Braga, alçava as suas armas à entrada da catedral.

Tomou posse a 30 de outubro de 1902 e com a volta da sede do bispado para a capital do Estado, a velha igreja de Petrópolis regressou à sua situação antiga de simples matriz.

Na Matriz Velha, teve lugar a solenidade da benção da primeira Bandeira da República, no dia 8 de novembro de 1889.

Essa festa memorável foi presidida pelo governador do Estado, dr. Francisco Portela, tendo servido  de paraninfos da mesma o tenente honorário do exército Domingos Manuel Dias, veterano do Paraguai e presidente da Câmara Municipal; e o dr. Walfrido da Cunha Figueiredo, juiz de direito da comarca.

Nessa ocasião deu-se um ligeiro incidente; o Club Republicano, presidido pelo dr. José Thomaz da Porciúncula, não penetrou no templo e aguardou do lado de fora a volta da bandeira, a cuja  benção, pois, por uma questão de princípios, os “históricos” petropolitanos não quiseram assistir.

Foram memoráveis também na Matriz as cerimônias do mês Mariano celebradas, nos primeiros anos da República, com o concurso da Escola de Música Santa Cecília, sob a direção de seu fundador o maestro Paulo Carneiro.

A figura desse velho amigo de Petrópolis não deve ser jamais olvidada sempre que houver ensejo de recordá-la. Não esqueçamos, pois, as tocantes manifestações de pesar a que, dentro da Velha Matriz, deu lugar à Missa de corpo presente, que por sua alma ali foi celebrada, em 11 de setembro de 1923.

Correram também na Velha Matriz, em 1913, os proclamas de casamento do único presidente da República, que se consorciou no Brasil: os do saudoso Marechal Hermes da Fonseca com a ilustre sra. d. Nair de Teffé Hermes da Fonseca.

Como se sabe, o enlace nupcial desse nobre casal teve lugar em Petrópolis a 8 de dezembro daquele ano, no Palácio Rio Negro.

E assim, por diante, poderíamos evocar às centenas, as recordações mais gratas e as mais tristes também, relembrando o que de afetivo se tem desenrolado na Capela dos primitivos petropolitanos.

Na tarde de 19 de novembro de 1925, ao verem trasladar-se daquele prédio simples e vetusto, mas venerável, as relíquias sacras para serem instaladas na suntuosa catedral de Petrópolis, não puderam, por tudo isso, muitos velhos petropolitanos sopitar a comoção que lhes ocasionou o espetáculo chocante,

Fecharam-se em seguida as portas da casa sacra, que, despida dos seus privilégios eclesiásticos, está sendo demolida.

Os terrenos, em que tantos anos se ergueu a igreja da colônia serrana, será retalhada em vários prazos, ao longo dos quais correrá, ao encontro do morro do Cruzeiro o morro do Imperador dos nossos antepassados uma avenida de quatro metros de largura, que finalizará na antiga rua Bourbon.

E dentro em poucos meses, nada mais relembrará o passado daquele sitio de Deus, venerabilíssimo ainda mais para todos os petropolitanos, sem distinção de crenças, porque, naquele terreno junto à casa paroquial, reduziu-se a pó e desapareceu, para todo o sempre, a cruz tosca de madeira, para ali transplantada do Palácio de Cristal e, a cujos pés, em 1846, o internúncio apostólico Bedini e o pastor protestante Avé-Lallemant celebrara, na praça da Confluência os primeiros atos religiosos de Petrópolis.

Fonte: Tribuna de Petrópolis 25 de Maio de 1926.

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