COLUNISTA
Em 2 de março de 1957, o Sr. Manuel Ramalho estava à meia-noite em frente ao Hotel D. Pedro, quando passou um “cadillac” azul, notando o Sr. Ramalho que do interior do veículo algo foi jogado pela janela. Levado pela curiosidade foi verificar o que era, deparando-se com uma blusa de senhora de seda azul. “Tempos Dourados”. Já a 24 de janeiro do mesmo ano, a polícia foi chamada a intervir uma sessão de cinema no “Cine Petrópolis”, quando era exibido o filme “Ao Balanço das Horas”, por bagunça e algazarra de jovens frequentadores, sob o pretexto da emoção incontrolável do “Rock and Roll”. No dia 4 de abril de 1957 deu no primeiro prêmio o milhar do carro do delegado Dr. Paulo Bretz: 1370. O “Obelisco” estava em construção, um freguês viajante sai da Casa D’Angelo, já tarde da noite, vira-se para o garçom perguntando-lhe:
“- Que chaminé é essa?”. Apontando para a obra. A resposta foi imediata: “- Isso é o tal de ‘omenisco’ da cidade!”.
As obras, ditas de urbanização e modernização do centro comercial foram inauguradas em 20 de setembro de 1957, comemorando o primeiro centenário da elevação de Petrópolis à categoria de cidade. Ao centro da Avenida XV de Novembro, na região da “Bacia”, foi erguido monumento, um Obelisco de 20m de altura, revestido em mármore, onde justificou a municipalidade homenagear os fundadores de Petrópolis. Em sua base estão placas de bronze,
com os nomes das famílias dos colonos germânicos chegados a Petrópolis a partir de 29 de junho de 1845. Projeto do engenheiro Glass Veiga e executado pelo engenheiro Ellyr Allah Rodrigues.
A ideia da construção do monumento surgiu ao prefeito Flávio Castrioto, durante uma visita a Buenos Aires, onde pode se ver belo “Obelisco” na Avenida 9 de Julho, a homenagem aos colonos surgiu depois como dito acima, numa justificativa diria, canhestra, dos dirigentes municipais. À inauguração compareceram o presidente da República, Juscelino Kubischeck, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Couto Filho, além das autoridades municipais, prefeito, secretários, vereadores e outras autoridades civis, militares e religiosas, que assistiram a imponente desfile cívico-militar, com a presença do Batalhão Pedro II, da Banda do Corpo de Fuzileiros Navais e dos colégios da cidade. Foi, sem dúvida, uma das maiores, se não a maior concentração popular já vista na Rua do Imperador.
Curiosamente, a principal rua da cidade de Petrópolis possui somente mais um monumento em suas margens, que é o busto em bronze do professor Dr. Pinto Ferreira, na larga calçada em frente ao Colégio Estadual D. Pedro II, dito “Calçadão do Cenip”. A Rua do Imperador estava, a partir destas obras, completamente sem cobertura vegetal, até meados da década de 1960, quando as mudas de sibipiruna atingem altura suficiente para fazerem alguma sombra, paraíso de bandos de pardais, que se concentravam a partir do entardecer, principalmente em frente ao prédio do Fórum e na praça na esquina da Rua Paulo Barbosa, até que a poluição os afugentou, definitivamente. As obras dão partida a uma especulação imobiliária desenfreada, acelerando a verticalização, com a demolição de obras centenárias ou quase, mesmo os que permanecem, desfiguram-se, construindo-se marquises de concreto armado, a substituir os toldos característicos da Rua do Imperador.
A partir de 1960, com a transferência da capital para Brasília há uma progressiva diminuição do fluxo de veranistas, o que fez o comércio da Rua do Imperador, tradicionalmente voltado para o forasteiro, ser substituído por outro mais voltado para o da terra, porém jamais recuperam seu brilho e pujança anterior; se por um lado mantém ou é impelido a manter preços altos, por outro esbarra no baixo poder aquisitivo da maioria absoluta dos petropolitanos. Os hotéis, por exemplo, que se localizavam na Avenida XV/Rua do Imperador, encerram suas atividades durante as décadas seguintes ou se aviltam.
Dez anos depois das obras que prometiam, entre outras coisas, o fim das enchentes, são postas à prova. A 12 de janeiro de 1966 a Avenida XV de Novembro/Rua do Imperador foi mais uma vez alagada, sendo esta uma das grandes enchentes, apenas suplantado o volume de água pela de março de 1945.
Começou a chover na cidade a partir das 18 horas, os rios iniciam a transbordar às 22 horas e atingem o nível máximo a 1 hora, já no dia 13, de um domingo para uma segunda-feira. O prejuízo do comércio foi vultoso, ainda não haviam terminado as obras do túnel extravasor do rio Palatinato, que ficou pronto em meados da década de 1970 (ver II Parte, Cap. XVI - Quarteirão Princesa Imperial), portanto, os dois rios ainda transbordavam, alagando desde a Praça da Inconfidência até a Washington Luiz, toda a avenida. Atingiram as águas o nível de dois metros, marcados no granito do Obelisco. Após as chuvas, que duraram mais dois dias com enchentes menores diariamente, a Avenida XV de Novembro/Rua do Imperador voltou aos tempos de lama e poeira do século XIX, por algumas semanas. Nestes dias de tempestades seguidas, que causaram desgraças em vários pontos da cidade, o que veremos mais à frente, o cinema Petrópolis exibia: “Quanto mais músculos melhor”, com Frank Avalon. E o Capitólio: “Dois Destinos”, com Marcelo Maistroiani.
Pelas décadas de 1960 e 1970 circulavam pela avenida alguns tipos folclóricos e populares: um negro forte, simpático, era o “Presidente”, gostava de conversar sobre política e fazia discursos do alto do coreto da Praça D. Pedro II; o “Conde das Perobinhas”, Antônio Crescêncio, sempre sorridente, tinha o projeto de assumir o governo da cidade. “João Tijolo” era alvo de brincadeiras que o faziam desatar em xingamentos e palavrões; o “Tiziu”, pessoa
agradável, de tão negro recebeu o apelido, falava algumas palavras em francês e procurava aparentar polidez, mas soltava imprecações ao chamamento de: “Tiziu, Tiziu!”. “Dom Luiz”, o “Barão de Petrópolis”, andava pelo fórum e entre os advogados que frequentavam os cartórios, procurando um jeito de como receber o dinheiro do pedágio da recém-construída Ponte Rio-Niterói, que lhe pertencia por herança. O “Bem-te-vi” envergava uniforme de escoteiro tocando flautinha de lata. Levava a mão à testa, cumprimentando as pessoas, dizendo: “Sempre alerta!”.
O “Papa-ovo”, sempre de chapéu de abas largas e capa de chuva, atirava pedras ou qualquer coisa que encontrasse nos garotos que o infernizavam aos gritos de: “Papa-ovo, Papa-ovo!”. Outros ainda havia, como o “guarda de trânsito”, a quem os motoristas obedeciam ou o atropelavam; ainda o tricolor fanático Delamare; uma senhora que tocava os dedos em todos os objetos pelos quais passava; o Salerno, que se revoltava quando alguém afirmava que o antigo INPS iria acabar, que por sinal, acabou mesmo.
O ano de 1970 viu a avenida ser asfaltada, o piso das calçadas ser reformado substituindo-se os azulejos vermelhos e brancos, colocados na década de 1956 por calçamento em pedras, ditas portuguesas, pretas e brancas e, como estas, formado “Pês”. Os postes haviam sido pintados de prata em 1967 e agora, em 1974, eram as lâmpadas fluorescentes trocadas por gás néon. Os edifícios haviam proliferado, até que no final da década há uma retomada da
consciência preservacionista, que estaca um pouco este processo de verticalização da Rua do Imperador, até quase se extinguir com os tombamentos de 1986.
Em 5 de fevereiro de 1988, à tarde, cai uma tempestade sobre a cidade, que muito sofre, a avenida, já definitivamente Rua do Imperador, não poderia passar sem lama e poeira, mas a conclusão das obras do túnel do Palatinato, em 1974, impediu que prejuízos, como os anteriores, fossem consumados. O primeiro grande momento do movimento preservacionista foi a retomada, da denominação primitiva da Avenida XV, voltando a denominar-se Rua do Imperador, em 1979.
Embora essa mudança tenha sido, em princípio, encarada com algum ceticismo pela população, com o passar dos anos o velho nome foi sendo aceito, tanto que muitos hoje sequer se lembram do antigo nome: Avenida XV de Novembro.
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