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Gastão Reis

COLUNISTA

Gastão Reis

TEM CARA DE BICHO-PAPÃO, MAS SERÁ BURRO?

Gastão Reis (*)

Vez por outra, me lembro da seguinte historieta. Um motorista, ao passar em frente a um hospício, se dá conta de que um dos pneus do carro furou. Do outro lado da rua, havia uma calçada estreita que dava para uma ribanceira muito íngreme. O pneu furado ficava do lado da ribanceira. Pacientemente, iniciou a troca do pneu, colocando os parafusos retirados do aro do pneu dentro da calota abaulada, que foi colocada sobre a calçada.

No vai-e-vem da troca do pneu, esbarrou na calota, que rolou ribanceira abaixo com os parafusos. E aí bateu o desespero: que fazer? Do outro lado, um dos internos do hospício observava a cena. Acenou para ele, e disse o seguinte: “É só tirar um parafuso de cada uma das outras três rodas e colocar na que está sendo trocada?”. O motorista abriu um sorriso de aprovação, mas não se conteve, e perguntou: “Mas você não é doido?!” E ouviu como resposta: “Posso ser doido, mas não sou burro!”

Acredito que esta situação tem algum parentesco com o que prenuncia o novo mandato do presidente Trump nos EUA. É fato que algumas atitudes e propostas dele são preocupantes para o mundo. Para piorar, quando estava jurando a constituição, a mulher dele, ao lado, usava um chapéu preto que parecia uma pequena nuvem negra a nos fazer esperar o pior. A foto em primeira página do jornal O Globo, de 21/01/2025, retrata bem o quadro.

De fato, retirar os EUA do acordo internacional do clima, deportação em massa de imigrantes, política de gênero extremada, a ideia de incorporar a Groenlândia e de retomar o controle do canal do Panamá soam como delirantes iniciativas. Ao mesmo tempo, Trump participou do acordo para pôr fim à guerra na Ucrânia juntamente com o presidente Biden, que estava se despedindo de sua vida pública. Depois, vimos a pilha de quase cem ordens executivas em que ele lançava sua assinatura tamanho gigante, uma a uma, seguidas de um pequeno giro para mostrá-las ao mundo e ao pequeno círculo a sua volta. Seu ego inflado comandou o espetáculo.

Mas o exame mais acurado de cada uma dessas iniciativas nos revela que têm custos econômicos e políticos que podem ser astronômicos, mesmo para os EUA. Na esfera econômica, a deportação em massa pode levar àquele drama vivido pela Alemanha quando se deu conta de como dependia dos turcos para tocar a economia. Bom relembrar que Biden conseguiu a proeza de reduzir a taxa de desemprego a níveis impensáveis sem recorrer a tais extremos. Trump vai ter que explicar direitinho ao povo americano a incongruência de dispensar mão-de-obra necessária ao crescimento do PIB americano.

Quanto aos eventos climáticos extremos, mesmo fora do acordo do clima, eles podem afetar os EUA com a força que os recentes incêndios na California deixaram patente. A postura de avestruz de enfiar a cabeça no buraco deixando 99% do corpo em perigo não se sustenta a longo prazo. Até mesmo porque o mundo todo vem sofrendo seus efeitos. Parece o caso do recruta que é o único com o passo “certo” na marcha em todo o batalhão.

A política de gênero extremada, tudo leva a crer, tem pernas curtas desde que o mundo é mundo. Por outro lado, a história bíblica de Sodoma e Gomorra é um alerta de como certos comportamentos podem levar à destruição de uma sociedade. Também não satisfazem ao imperativo categórico de Kant. Ou seja, Kant nos questiona quanto aos efeitos de universalizar certas maneiras de agir em sociedade e os interesses que possam estar por trás das normas de uma dada ação.


Vejamos agora as outras duas com potencial explosivo: a anexação da Groelândia ao território dos EUA e a questão do canal do Panamá. (Mas uma coisa é certa: a posse de Trump não é uma boa notícia para Lula, PT e STF).

O caso da Groenlândia pode não ser tão estapafúrdio quanto possa parecer num primeiro momento. Basta lembrar que os EUA compraram o Alaska da Rússia e a Flórida, da França. Não foram tomadas de forma violenta como o Texas, que era quase metade do território mexicano. A Groenlândia equivale a cerca de ¼ do território brasileiro. Trata-se de uma região autôno-ma, mas que tem como Chefe de Estado o rei Frederico X, da Dinamarca. Em princípio, a proposta pode interessar à Dinamarca e aos habitantes da Groenlândia a depender das condições da oferta de Trump.

Por fim, vejamos o caso do canal de Panamá, bem mais complexo, pois é administrado, desde o início do ano 2000, pelo país que lhe dá o nome. O argumento de que os navios americanos estariam pagando taxas superiores aos demais países é desmentido pelas autoridades panamenhas. Fica então com sabor de bravata, pois o Panamá já disse não, e pode recorrer à própria OEA. Seus Estatutos, assinados pelos EUA, garantem o respeito à autodeterminação dos povos, o que protege o Panamá. Ou seja, é bem possível que Trump receba um sinal vermelho da OEA.

Mas o obstáculo realmente sério a suas ordens executivas é o fato de que os EUA são uma democracia. Obviamente, as ordens executivas não podem ser inconstitucionais. Elas não conferem a Trump poderes de ditador de modo algum. Exemplo: proibir a cidadania americana a filhos de pais que estão no país ilegalmente fere direito constitucional. O indulto que concedeu aos invasores do Capitólio só foi possível porque a constituição autoriza. Cabe ressaltar que os governadores de 22 estados já foram à Suprema Corte contestar determinadas ordens executivas como inconstitucionais.

A reentrada triunfal de Trump na Casa Branca e a maioria na câmara federal e no senado não lhe conferem poderes ditatoriais. Por mais entusiasmo que sua reeleição tenha despertado no eleitorado chamado WASP (branco, anglo-saxão, protestante, na sigla em inglês), nem estes se arriscariam a passar por cima da Constituição americana, respeitada desde sempre.

Trump terá limites, restrições e oposição. Mas burro ele não é.

Nota (*): Digite  no  Google “Dois Minutos com Gastão Reis: Desconhecer leis econômicas dá prejuízo”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=gV7NNj_uRkM&t=5s


Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira
Empresário e economista                                                     .                            E-mails: gastaoreis@smart30.com.br // ou gastaoreis2@gmail.com
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