Edição: sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Gastão Reis

COLUNISTA

Gastão Reis

POPULISMO: PEDRO I ANTEVIU, LINCOLN NÃO

Gastão Reis (*)


O Brasil vive um momento de catarse. É quando a liberação de emoções reprimidas vem à tona para expulsar o que é estranho à natureza de um ser, e que por isso, o corrompe. Hora certa para revisitar nossas raízes, e examinar suas virtudes e eventuais falhas. A História do Brasil, com a chegada da república, nos levou a uma situação muito parecida com uma chanchada político-institucional, que hoje nos leva à imperiosa necessidade de reagir.

Esta reação, entretanto, não deve se reduzir ao curto prazo, aos bate-bocas da moda. É preciso ir mais fundo para entender como chegamos ao ponto em que estamos. (O livro “STF - Como chegamos até aqui?”, do jornalista Duda Teixeira, de 2024, lançado pela Faro Editorial, nos faz um relato assustador das mazelas do STF e de certos ministros que compõem a corte.) Uma visão de longo prazo é necessária para nos situarmos em nossas raízes e avaliar a extensão do estrago provocado por mais de 130 anos de república.

Nessa linha, o cotejo entre as duas grandes personalidades do título se impõe para permitir uma visão abalizada, em especial de D. Pedro I, já que Lincoln costuma ser alvo de grandes elogios e D. Pedro I é visto de modo muito distorcido. Lincoln e seu legado é reverenciado na História dos EUA. Ele nasceu numa simples cabana, no estado de Kentucky, em 12 de fevereiro de 1809. Sem educação formal, foi basicamente um autodidata. Sua defesa do abolicionismo veio de berço. Perdeu a mãe aos nove anos de idade. A nova esposa do pai, a viúva Sarah Bush Johnston, era mãe de três filhos do casamento anterior. Lincoln manteve boas relações com ela a ponto de chamá-la de mãe.

Na juventude, trabalhou em atividades que exigiam força física, tendo sido lenhador por algum tempo. Tinha um metro e 93 centímetros de altura, estatura que impressionava, e participou de algumas brigas em que venceu os adversários. Posteriormente, resolveu se tornar advogado. Seguindo sua tradição de autodidata, iniciou seus estudos sobre as leis lendo o livro  “Comentários sobre as leis da Inglaterra”, de autoria do jurista William Blackstone. Durante dois anos se preparou arduamente. Quanto ao método de aprendizagem, declarou o seguinte: “Eu estudei sozinho”. E acabou sendo aprovado no exame de admissão para o exercício da advocacia em 1836.

Uma característica marcante de Lincoln está registrada em uma frase dele que revela seu lado metódico. Dizia que se tivesse 9 horas para derrubar uma árvore, gastaria 6 horas afiando o machado. Tinha claramente a concepção de que atividades bem planejadas têm execução bem mais rápida. A outra, que abordarei mais adiante, foi aquela que abre o famoso discurso de Gettysburg: “O governo do povo, pelo povo e para o povo”.
Vejamos agora a figura que se popularizou sobre D. Pedro I. Nascido em berço de ouro, bem diferente do de Lincoln, ele acabou sendo visto como uma figura temperamental com forte vocação para ser uma espécie de fauno insaciável. É realmente impressionante o grau de desconhecimento a seu respeito entre a população em geral, e mesmo entre pessoas com acesso à formação superior ou até com curso de doutorado, como foi o meu caso até os 40 anos de idade, que agora bateu em 80 em dezembro de 2024.

As famílias reais europeias educavam seus filhos e filhas contratando professores particulares altamente qualificados para suas funções. D. Pedro I foi formado com professores deste calibre. Foi alfabetizado simultaneamente em português e latim. Aos nove anos, podia ser encontrado lendo em latim a “Eneida”, de Virgílio, no convés do navio que trazia a Família Real portuguesa para o Brasil. Desenvolveu o hábito de ler duas horas por dia desde garoto, que levou vida afora. A importância de ler em latim naquela época é que tal habilidade lhe abria as portas das grandes obras de autores clássicos romanos e gregos. Teve também seu lado autodidata e algumas brigas, como Lincoln.

Mas a curiosidade intelectual de D. Pedro I ia muito além. Era capaz de tocar piano e outros instrumentos. E ainda compor. Também se interessava pelas novas ideias que estremeciam o mundo de então, como liberalismo, absolutistas em que o rei tinha amplos poderes para governar. Em artigo sob pseudônimo, se manifestou contra a escravidão. Quem já teve a oportunidade de ler a constituição do Império, de 1824, certamente deve ter se surpreendido com sua atualidade. O orçamento passou a ser definido pelo Parlamento. Tomar empréstimos e gastar dependiam agora do poder legislativo, e não do rei.

Entramos agora no ponto focal deste artigo. A frase de D. Pedro I em que ele afirma “Tudo para o povo, nada pelo povo”, que Paulo Francis citou às avessas sem se dar conta do absurdo que seria, foi muito criticada. Bateria de frente com a de Lincoln, que defendia o governo do povo, pelo povo e para o povo. Na verdade, a sutileza de D. Pedro I, que Lincoln não percebeu, refletia sua preocupação com o populismo, que sempre cobra do povo preço elevadíssimo.

A defesa contra o populismo foi prevista na constituição do Império via poder moderador, que existe até hoje, devidamente adaptado, nas grandes democracias parlamentaristas na pessoa do Chefe de Estado, seja ele um presidente eleito ou um monarca constitucional. No tempo do Império, ele foi usado para controlar os governantes, jamais para oprimir o povo.

A história americana, na passagem do século XVIII para o XIX, curiosamente, quando todos passaram a votar, e não só os proprietários, teve problemas sérios com o populismo dos políticos e dos partidos. Desembocou em grossa corrupção por não ter um mecanismo constitucional preventivo. Foi preciso uma firme, e difícil, reação da população para colocar o país nos eixos novamente.

No nosso caso, até 1889, não tivemos problemas com o populismo, que nasceu e renasceu com a república para a infelicidade geral da Nação. É evidente a amplitude da visão de Pedro I. Ele anteviu o que escapou à Lincoln.

Nota (*): Digite  no  Google “Dois Minutos com Gastão Reis: Políticos: Você no controle ”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=pB8MRrtGRPs&t=14s

Autor: Gastão Reis Rodrigues Pereira
Empresário e economista                                                     .                            E-mails: gastaoreis@smart30.com.br // ou gastaoreis2@gmail.com
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