COLUNISTA
Gastão Reis (*)
A questão da desigualdade brasileira e sua persistência nos persegue ano sim e outro também. Existe mesmo um certo desânimo em como vencer essa luta fundamental, que tem relação umbilical com a redistribuição da renda e com o bom funcionamento da democracia. As explicações abundam, mas não conseguem estabelecer uma linha de atuação consensual que funcione e nos permita aferir os ganhos ano a ano. “Quem não mede não gerencia” nos relembra Jorge Gerdau em suas falas.
Daron Acemoglu, professor do MIT Massachusetts Institute of Technology, publicou, em 2012, na Inglaterra, seu livro best-seller, intitulado “Why Nations Fail” (“Por que as nações fracassam?”). As críticas, no geral, foram unânimes em reconhecer a relevância da obra, que nos permite dar um passo além de Adam Smith e de Douglas North em função das pesquisas desenvolvidas, nos últimos anos, pelo Prof. Acemoclu. Ele enfatiza o peso determinante das instituições no processo de desenvolvimento sustentado inclusivo, aquele que é capaz de beneficiar a população de um País como um todo e não apenas os grupos no topo da pirâmide de renda e riqueza, como no Brasil.
A versão em inglês do livro em que me baseio foi escrito por ele e James C. Robinson, em formato de livro de bolso, de um tipo curioso que não cabe, com suas mais de 500 páginas, no bolso lateral de um paletó. Mas o que importa é que o texto é uma espécie de história alternativa, aquela normalmente criticada pela ala mais tradicional dos historiadores. Os autores batem na tecla de que a eminência nada parda do processo de desenvolvimento dos países tem a ver com a qualidade, ou falhas, de suas instituições.
O primeiro capítulo do livro nos remete a Nogales, uma cidade que é cortada pela metade por uma cerca. Ao norte, Nogales pertence ao estado americano do Arizona; e, ao sul, Nogales, em Sonora, pertence ao México. A diferença entre ambas é gritante. A parte americana tem renda familiar em torno de 30 mil dólares, ao passo que sua co-irmã no México atinge apenas um terço daquele valor. Mas não é só isso. O acesso da Nogale americana em matéria de infraestrutura urbana atende bem a sua população; o governo municipal e a polícia funcionam. E a lei e a ordem estão firmemente implantadas, tendo ainda um clima de negócios que facilita e favorece aos empreendedores e empresários locais. A parte mexicana é justamente o oposto.
Antes, caro(a) leitor(a), que você pense que a população da parte norte americana é branca, loura e de olhos azuis, é importante esclarecer que o biotipo que habita ambas as partes da cidade é tipicamente mexicano. O exemplo escolhido por Acemoglu & Robinson põe em prática a técnica dos economistas do ceteris paribus, expressão latina que significa “tudo o mais constante”. Ou seja, a única coisa diferente nas duas partes de Nogales é o formato político-institucional vigente em cada uma delas. Em artigo meu já publicado há alguns anos, eu utilizava o exemplo das duas Coreias, onde tudo era igual exceto o regime político vigente. Ou seja, o formato político-institucional é que explicava o avanço da do Sul e a penúria da do Norte.
Nesta primeira parte deste artigo, vale mencionar as explicações alternativas elencadas pelos autores para entender as grandes diferenças observadas. Os autores as arrolam em três hipóteses: a geográfica, a cultural e a ausência de conhecimento da rota certa a seguir (ignorância). Eles desmontam, com sólidos argumentos e fatos, cada uma delas. Vejamos, brevemente, uma a uma e seu baixo poder explanatório.
A hipótese da geografia nos diz que os países desenvolvidos se situam nas regiões temperadas do planeta, fora dos trópicos de Câncer e Capricórnio, que são assoladas por altas temperaturas. Montesquieu, filósofo político francês, arguia que as pessoas que viviam em climas tropicais tendem a ser preguiçosas e lhes falta espírito inquisidor. Mas, na verdade, países como Singapura, Malásia e Botswana, todos situados em zona tropical, demonstram que são capazes de se desenvolver a contento. Vários outros países confirmam o fato, desbancando a hipótese da geografia. Em especial num mundo em que o ar condicionado, cada vez mais, está presente, acrescento eu.
A hipótese da cultura tem suas raízes no sociólogo alemão Max Weber, que via a Reforma Protestante e sua ética do trabalho como o motor da moderna sociedade industrial europeia. A falha em Weber é que antes da ética do trabalho está a ética da educação. Países que, ontem e hoje, se desenvolveram levaram muito a sério a educação de seu povo de modo a que pudessem ter mão de obra qualificada para dar sustentação ao processo de desenvolvimento continuado.
A última hipótese, chamada da ignorância pelos autores, nos diria que as elites de países menos desenvolvidos desconheciam o caminho das pedras que levam ao desenvolvimento inclusivo. Eles nos comprovam, com diversos exemplos, na África e na América Latina, que as elites locais tinham conhecimento sobre as instituições inclusivas, mas optaram por uma prática extrativa, ou seja, aquela em que o desenvolvimento tem foco no topo da pirâmide, deixando o grosso da população na penúria. É uma visão míope de curto prazo.
Mas, por vezes, mesmo numa moldura político-institucional extrativa, como ocorre com o Brasil, o nível alcançado pela tecnologia, que inclui, por exemplo, as pesquisas de alto nível desenvolvidas pela EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola, pode levar a grandes ganhos de produtividade. Foi o que ocorreu na agricultura brasileira a ponto de hoje produzirmos mais por hectare do que os Estados Unidos. No início da década de 1970, nas diversas culturas, nossa produtividade era um quarto ou um quinto da americana. Houve um avanço espetacular.
Na Parte 2, o foco será no tipo de instituições vigentes no Império e na república.
Nota: Digite no Google: “Dois minutos com Gastão Reis: Que um mau governo dure pouco”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=SC10Na2puY4
Autor: Gastão Reis
Economista e escritor . E-mails: gastaoreis@smart30.com.br // ou gastaoreis2@gmail.com
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