COLUNISTA
Gastão Reis (*)
Nesta Parte 2, vejamos, nas palavras de Daron Acemoglu e James Robinson, como eles definem aqueles dois tipos de instituições do título: “Instituições econômicas inclusivas apoiam e são apoiadas por instituições políticas inclusivas, isto é, aquelas que distribuem o poder político de modo amplo e pluralístico e que são capazes de algum grau de centralização política de forma a estabelecer a lei e a ordem, de instituir os fundamentos que assegurem firmes direitos de propriedade, e que promovem uma economia de mercado inclusiva.” As instituições extrativas vão na direção oposta de concentrar o poder político nas mãos de poucos e os benefícios do desenvolvimento econômico no topo da pirâmide de renda e riqueza.
É justificado então levantar a seguinte questão: que regime político brasileiro, o vigente no Império ou na república, caminhou em direção a instituições inclusivas nas esferas política e econômica?
Tomemos o caso do Império. O melhor fio condutor é a Carta de 1824, em especial pela qualidade do texto, que não misturou legislação constitucional com a ordinária (erro evidente da Carta de 1988) e pelo fato de ter sido seguida à risca e ter-nos proporcionado crescimento sustentado ao longo do século XIX. A pesquisa dos professores Edmar Bacha, Guilherme Tombolo e Flávio Versia-ni, intitulada “Estagnação Secular? Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil ao longo do século XIX”, comprova, em linha com nossos diplomatas historiadores, que o Brasil acompanhou o crescimento da renda real per capita do resto do mundo em torno de 0,9% ao ano. Vamos por partes.
Logo no Art. 5º, a Carta de 1824, garante a liberdade religiosa, não obstante o catolicismo fosse a oficial do Império, como aliás ocorre, até hoje, com o anglicanismo, que é, de certa forma, a oficial da Inglaterra. O monarca é seu chefe supremo. Havia quatro poderes, como ocorre hoje nos países parlamentaristas, ou seja, o legislativo, o executivo, o judiciário e a Chefia de Estado (poder moderador). No legislativo, era garantida a seus membros a inviolabilidade por suas opiniões no exercício de suas funções. O senado era vitalício e seus membros eram escolhidos numa lista dos três mais votados, e o imperador normalmente nomeava quem teve mais votos.
O poder judiciário tinha amplas garantias, mas um juiz que extrapolasse suas funções poderia ser suspenso pelo Imperador, ouvido antes o Conselho de Estado, para então ser submetido a um tribunal para uma sentença definitiva. Praticamente não havia decisões monocráticas do Imperador, como ocorre hoje no STF. No Art.98, o poder moderador era delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante para que velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes, dispositivo ausente na república desde 1889.
O Art. 99 afirma que as questões de responsabilidade cabem aos ministros e não ao Imperador, cuja função maior é fiscalizá-los para resguardar o interesse público. O Art. 147 era claro e objetivo: “A força militar é essencial-mente obediente; jamais se poderá reunir sem que lhe seja ordenado pela autoridade legítima”. A força militar estava sob firme controle dos civis, que controlavam os orçamentos militares e eram normalmente os ministros do Exército e da Marinha. A presença de militares na política era vedada.
O Art. 179 é enfático: “A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império”. O § 4º é cristalino: “Todos podem comunicar seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura”. O Império nasceu e foi fiel à liberdade de expressão e de imprensa, coisa rara no mundo do século XIX.
No mesmo Art. 179, o § 30º nos garantia o seguinte: “Todo cidadão poderá apresentar, por escrito, ao poder legislativo e ao executivo, reclamações, queixas ou petições, e até expor qualquer infração da Constituição, requerendo perante a competente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores”. Além disso, aos sábados à tardinha, qualquer pessoa podia se dirigir ao Imperador sem marcar audiência prévia. Os ministros prestavam contas de seus atos diante do Imperador nas reuniões semanais do ministério.
Além disso, o texto da Carta de 1824 não contemplava dispositivos estatizantes na economia e garantia a liberdade de mercado. A principal desigualdade, a escravidão, foi combatida ao longo do Império com as leis abolicionistas, culminando com a Lei Áurea, em 1888, que libertou os 20% de descendentes de africanos que ainda eram escravos. O jornalista negro Tom Farias, da Folha de SP, afirmou em entrevista que o século de ouro dos negros no Brasil foi o XIX. E dos brancos também, acrescento eu.
Se comparamos o quadro político-econômico-institucional do Império com a definição de instituições inclusivas dos autores no primeiro parágrafo deste artigo, constatamos seu caráter inclusivo.
O caso da república foi na direção oposta. A Carta de 1891, sem parlamentarismo e sem poder moderador, abriu as portas para a crônica instabilidade política e econômica. Se não, vejamos. Nos mais de 130 anos da tumultuada existência da república, foram 7 constituições; 6 dissoluções do congresso; diversas intervenções nos sindicatos; 9 governos autoritários; 17 atos institucionais; 4 presidentes depostos; 12 estados de sítio; 19 rebeliões militares; 3 presidentes impedidos de tomar posse; períodos curtos e longos de censura à imprensa; um sem-número de cassações e exílios; 2 renúncias presidenciais; 2 longos períodos ditatoriais; e intervenções nas universidades. Parece mais uma ficha policial. E mais a marcha lenta desde a década de 1980.
E o pior de tudo: a permanência de elevada desigualdade, que faz com que a república brasileira se enquadre nas contraproducentes instituições extrativas de um País para poucos.
Nota: Digite no Google: “Dois minutos com Gastão Reis: Que um mau governo dure pouco”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=SC10Na2puY4
Autor: Gastão Reis
Economista e escritor . E-mails: gastaoreis@smart30.com.br // ou gastaoreis2@gmail.com
Contatos: (24) 9-8872-8269 ou (24) 2222-8269
Veja também: