COLUNISTA
Diante dos arbítrios e abusos cometidos pelos poderes constituídos, cuja conta é sempre enviada para o povo, cabe indagar as origens do permanente desrespeito ao povo brasileiro ao longo do regime republicano desde 1889.
Um povo respeitado deve ser sempre ouvido pelas autoridades. Diferente-mente do que nos falam os livros tradicionais de história, este saudável hábito permaneceu entre nós por muito tempo. E o bem-estar da população também, desde o início do século XVI. A tradição de ouvir o povo é antiga. Começou com as audiências públicas semanais de D. João VI, de D. Pedro I e de D. Pedro II, que se mantiveram ao longo do regime monárquico. A fundação das santas casas da misericórdia gratuitas! data do início da colonização ainda nos primórdios do século XVI: uma em Olinda, em 1539, e outra em Santos, em 1543, ambas mantidas por seus beneméritos, pessoas de posses com visão social. Muitas outras foram depois criadas ainda na colônia e depois no Império. Hoje são mais de 1800 unidades.
Mas vejamos como como teve início e se manteve a desconexão com o povo ao longo do regime republicano brasileiro. A perniciosa influência do positivismo de Augusto Comte, ainda nos anos finais do Império, mudou a cabeça de civis e militares. Nestes foi ainda mais intensa pela seguinte razão: Comte afirmava que assim como não existia liberdade em física e química (hoje não mais levada a sério), não deveria haver liberdade em política, onde era preciso implantar uma ditadura científica.
Esta visão de mundo soou como música maviosa aos ouvidos de militares. Dava-lhes uma justificativa “científica” para implantar um regime autoritário. Foram os tempos da República da Espada com Floriano Peixoto em que vigorou a censura à imprensa, coisa inexistente ao longo de todo o Império. Os cadetes da Escola Militar do Realengo se autointitulavam os científicos. E não ficaram só na teoria. Passaram a ter em relação aos civis uma atitude de querer lhes dar ordem unida, motivo de profundo desagrado da sociedade na época.
A chegada da República Velha, no período em que os civis assumiram o poder, afastados em termos os militares, não foi muito diferente. O Brasil virou uma espécie de condomínio entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, a capital, pouco se importando com o resto do país. A presidência da república oscilava entre mineiros e paulistas como se fosse a coisa mais normal do mundo. Foi assim até 1930 em que o Sul e o Nordeste resolveram dar um basta com a revolução de 1930. Queriam ter assento na “festa”.
O lado mais patético da República Velha foi a implantação da política do embranquecimento. Era como se o Brasil tivesse que trocar de povo para poder se desenvolver. Na verdade, pesquisas mais recentes como a dos professores Bacha, Tombolo e Versiani nos revelam que o crescimento da renda real per capita foi em torno de 0,9% ao ano, de 1820 a 1890, que era o que o mundo crescia na época. Ou seja, com uma população predominantemente luso-afro-indígena, o país foi capaz de se desenvolver a contento. Não cabe aqui ignorar a contribuição importante que outras etnias deram ao crescimento do Brasil. Mas ressaltar o racismo subjacente na política do embranquecimento.
Entretanto, a tradição de dar ordem unida à sociedade civil se manteve firme. Afinal, a ditadura de Vargas era exatamente isto. Foi instituído o DIP Departamento de Imprensa e Propaganda, órgão criado por decreto do ditador Getúlio Vargas como instrumento de censura e propaganda do governo durante o Estado Novo. O Barão de Itararé, famoso satirista daqueles tempos, ao ser indagado sobre o que era o Estado Novo, foi no fígado: “É o estado a que chegamos!”.
[C O N T I N U A]
Finda a ditadura Vargas em 1945, foi parida a Carta de 1946, que restabeleceu práticas civilizadas de governo como a liberdade de imprensa. Mas não incorporou o voto distrital puro nem o recall (possibilidade de a população substituir seus representantes, vereadores e deputados estaduais e federais, entre as eleições). Trocado em miúdos, uma vez eleitos, ficavam imunes às “impertinências” de seus eleitores a quem não precisavam prestar contas todo mês em seus distritos eleitorais de sua atuação nos parlamentos. Na verdade, essa situação de vedar ao eleitor o controle regular de seu representante é, de fato, uma forma de desrespeito à sociedade brasileira que paga seus salários e abonos mensais.
Vinte anos depois, a tentação de dar ordem unida à sociedade voltou em grande e triste estilo com o golpe de 1964, que perdurou até 1985. Foram 21 anos de marcha forçada sob o comando dos militares. Algumas iniciativas como EMBRAPA e Embraer foram positivas, mas o saldo, como sempre, foi negativo. No final do período, os governos militares cometeram erros na política econômica que levaram à desmoralização da ordem unida dada à sociedade civil, afrontada durante mais de duas décadas pela censura à imprensa.
Veio então a Carta de 1988, que restaurou direitos civis, mas foi duramente criticada por Roberto Campos pelas mazelas de grupos dentre outras inseridas em seu texto final. O interesse público de longo prazo não teve vez. A prova é simples: basta verificar a medíocre taxa de crescimento da renda real per capita desde então, e nossa perda de posição relativa face a outros países. E ainda persistência da desigualdade brutal.
Em suma, as mordomias dos poderes constituídos atingiram níveis revoltantes para a população nos poderes executivo, legislativo e judiciário, e nas três esferas de poder. Alguns exemplos fecham o quadro de total desrespeito à população. Nem se cogita em plebiscitos para saber se a população deseja arcar com fundos como o partidário e o eleitoral que abocanham bilhões de reais que poderiam ser usados em benefício do povo. Partidos que não conseguem contribuições de seus filiados refletem seu descrédito junto aos eleitores. Por que então colocar dinheiro público em organizações políticas desacreditadas?
A resposta “Perdeu, Mané” do ministro Luís Barroso a um popular revoltado dá bem a medida do desprezo. Espero ter sido claro quanto ao profundo desrespeito da república em relação ao Povo Brasileiro.
Nota: Digite no Google minha palestra: “O legado da herança luso-afro-indígena até 1889”. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=uuLxB3Mysns
Autor: Gastão Reis
Economista e escritor .
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