COLUNISTA
O Brasil, desde meados da década perdida de 1980 (a primeira foi a de 1890!), é uma nau inclinada a bombordo. Este termo náutico indica o lado esquerdo de uma embarcação para quem a vê da popa para a proa. O prefixo bom que antecede a palavra bordo, do ponto de vista ideológico, no caso brasileiro, não trouxe ventos benéficos para o País. Ele retrata o desequilíbrio que tomou conta do Patropi. Hora de um novo olhar a estibordo, o lado direito do navio, para reequilibrá-lo. E de examinar, sem preconceitos, as propostas alternativas às da esquerda e dos desvios dos militares entre 1964-1985, que, a longo prazo, nos conduziu ao beco da estagnação, da acumulação de décadas perdidas a partir de 1980. Dar ouvidos à direita em matéria de política econômica é questão de bom senso, de pôr a cabeça no lugar.
A alternância no poder, selo de qualidade de uma democracia real, é fundamental na esfera política. Mas não se esgota neste plano. Há que se estender à esfera da economia, ou, mais precisamente, à condução da política econômica para obter resultados positivos capazes de ir além dos nossos voos curtos de galinha. Uma boa imagem para descrever o fenômeno é o que se poderia chamar de política econômica Saci-Pererê. É aquele personagem do folclore brasileiro que salta numa perna só com um gorro vermelho mágico, bem ao estilo PT, que lhe concederia poderes sobrenaturais.
A metáfora da perna única diz respeito à política monetária, o samba de uma nota só que insistimos em tocar, levando o País de roldão no processo. A dificuldade de cortar gastos públicos no Brasil vem de longe. Desde a época de FHC e Lula1, temos imensa dificuldade em enxugar a máquina pública brasileira, acreditando nos poderes mágicos do tal gorro vermelho (e folclórico) em relação à política monetária. Assim como é evidente a dificuldade de o Saci-Pererê se manter equilibrado, o é também o de nossa política econômica de perna única. A outra perna, a da política fiscal, a dos gastos públicos, se parece mesmo com aquela que não existe no endiabrado Saci.
Para infelicidade geral, esquerda e direita, como nos alerta o cientista político Nelson Paes Leme, são conceitos difíceis de definir, em especial no Brasil, pois esquerda e militares, estes supostamente de direita, acreditam piamente nos poderes mágicos do gorro vermelho do Saci, vale dizer, do Estado em conduzir o País em direção ao seu grande destino. Na prática, isso significa ampliar seu tamanho, ou seja, mais gastos para que ele realize sua majestosa função catastrófica. O cavalo de pau dado pela ex-URSS na economia, para quem tiver olhos de ver, não emplacou na esquerda brasileira. E mesmo em certos grupos da direita do Patropi, aqui incluídos parte de nossos militares.
Esse processo de endeusamento dos poderes do Estado não poderia ocorrer sem que as carreiras a ele ligadas recebessem os devidos incentivos. Parte significativa da jovem inteligência brasileira descobriu as mordomias com que os concursos públicos acenavam: altos salários e estabilidade. Na média, em Brasília, quem faz a mesmíssima coisa de quem trabalha no setor privado ganha bem mais que o dobro, coisa única no mundo.
No resto do país, os funcionários públicos recebem, também na média, 100% acima de quem trabalha no setor privado exercendo função idêntica. O argumento de duas gerações atrás de que o setor público de fato pagava mal não se sustenta mais. E como não existe auditoria externa independente, o grau de exigência dos governos é frouxo. O Brasil conseguiu a proeza de combinar alta remuneração com baixo desempenho no setor público.
Em nossa velha tradição de desrespeitar a boa teoria (e prática) econômica, fizemos o impensável nesta e em outras áreas de atuação do setor público. Temos um judiciário em que juízes (sem juízo) ainda insistem em receber auxílio-moradia, mesmo quando moram em imóvel próprio na comarca em que trabalham. Pode?! O resultado foi parir um Frankenstein em que a cabeça consumiu o corpo, cada vez mais raquítico, que deveria lhe dar sustentação. O resultado foi a semiparalisia que nos imobiliza há décadas.
Na esfera macroeconômica, levamos adiante, sem pompa e falsa circunstância, a referida política econômica Saci-Pererê de uma perna só, ou seja, a monetária desgarrada da fiscal, vale dizer, do corte de gastos públicos. E foi assim que nasceu o endividamento crescente do setor público, o único que consegue pagar estratosféricas taxas de juros por emitir moeda e títulos. O Banco Central se vê obrigado a praticá-las para segurar a inflação, já que a política fiscal está em férias permanentes. O efeito perverso é o desestímulo ao investimento do setor privado que tais taxas provocam. E a falta de recursos para o investimento público, hoje abaixo de 2% do PIB, quando já foi de 10%.
Em valores atualizados, como nos alerta o economista Paulo Guedes, o setor público brasileiro está pagando de juros, todo ano (!), um Plano Marshall, aquele que reergueu a Europa no pós-guerra de 1945. Em apenas duas décadas, a Europa voltou a caminhar com as próprias pernas. E nós, em mais de quatro décadas, desde 1980, continuamos saltitando em ritmo de Saci-Pererê. E com um setor público com capacidade pífia de investimento em setores clássicos de sua atuação como educação, saúde, transporte e saneamento básico. O Estado-faz-tudo bem merece o apelido de Estado-faz-nada. Ou que pouco faz.
Hora de enxertar uma perna no Saci-Pererê brasileiro na esfera da política econômica para que ele possa andar com equilíbrio. Esse processo de hipertrofia do Estado nos levou a um cipoal de leis e regulamentos imobilizantes, inclusive a do direito adquirido (ou mordomia adquirida?). Aquele que impede o encolhimento do Estado para que o País possa voltar a crescer. Um exemplo mais que ilustrativo é história de vida do filho de um amigo meu que em 15 anos trabalhando nos EUA, no mesmo ramo, fez mais que o pai dele em 45 anos de Brasil. É preciso dizer mais sobre nossa lerdeza?
Nota: Digite no Google: Dois Minutos com Gastão Reis: A cooperativa e o mercado. Ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=St8uXye-1fs&t=2s
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