Edição: sexta-feira, 20 de junho de 2025

Gastão Reis

COLUNISTA

Gastão Reis

ESQUIZOFRENIA PRESIDENCIALISTA COMO SEMPRE

Nossa história político-institucional foi diferente. Nem sempre formos regidos por um sistema presidencialista. No século XIX, o Brasil foi um caso único na América Latina a ter um regime parlamentarista. Puristas dirão que não era do tipo inglês face ao poder moderador, que conferia poderes amplos ao Imperador. Em especial, na hora de resolver crises políticas graves. Ouvido o Conselho de Estado, ele podia dissolver a Câmara dos Deputados e marcar novas eleições sem maiores delongas.

No caso inglês, o Primeiro-Ministro era quem detinha a iniciativa de marcar prazo para definir quando seriam as novas eleições. Cabe registrar, no caso brasileiro, diferentemente das decisões monocráticas do STF, que a constituição estabelecia que era preciso ouvir primeiro o Conselho de Estado antes de dissolver a Câmara Federal. De um modo geral, o requisito de ouvir antes o Conselho era um preceito reiterado na Carta de 1824.

Na prática, D. Pedro II se comportava como Chefe de Estado, deixando ao Presidente do Conselho de Ministros, que hoje seria o Primeiro-Ministro, os atos da Chefia de Governo, ou seja, do poder executivo propriamente dito. Reuniões havia em que ele apresentava uma dada questão e se retirava da reunião dizendo: “A decisão agora é com os senhores”. Tinha mesmo um lado didático no sentido de preparar o País para o que poderia ser chamado de parlamentarismo pleno.

Essa mecânica inteligente de resolução de crises deixou de existir após o golpe militar de 1889, que impôs a república sem consulta prévia à população. A Carta de 1891 simplesmente adotou o presidencialismo ao estilo latino-americano em que o presidente da república acumula os poderes de Chefe de Governo e de Estado. A separação destes dois poderes permite ao Chefe de Estado ser uma espécie de fiscal do presidente da república. Quando ambas as funções se juntam na mesma pessoa, caímos naquela impossibilidade de alguém ser um fiscal isento de si mesmo.

(É importante esclarecer que o presidencialismo americano tem características diferentes da variedade latino-americana. Preservou da tradição inglesa a presença e o poder do Parlamento. Um exemplo que merece destaque é o fato de o presidente americano não nomear livremente seus ministros. Ele passa pelo crivo da Câmara dos Deputados, fora outros poderes de investigação sempre muito ativos na vida política do Congresso dos EUA).

Vejamos agora os últimos episódios que o Patropi nos oferece. O País acompanha a queda de braços entre o governo e a câmara federal. Lula se recusando a cortar despesas e a câmara exigindo que ele as faça antes de qualquer tipo de aumento de impostos. Hugo Motta, presidente da câmara, afirma que não serve a projeto político de ninguém e que a taxação sobre o IOF Imposto sobre Operações Financeiras terá reação muito ruim no plenário. Cobrou revisão das despesas obrigatórias. Quer transparência nos gastos, e fim das relações incestuosas entre Executivo e Legislativo.

Visto assim do alto, parece tudo de bom, não é mesmo? Na verdade, há décadas que as relações incestuosas são prática comum entre os dois ramos do poder, executivo e legislativo. Por quê? Muito simples. É comum o presidente não dispor de maioria na câmara face à pulverização de partidos políticos a tal ponto que a proposta de federações de partidos vem avançando. Ou seja, constituir maioria na câmara exige negociações delicadas em que o vencedor poucas vezes é o bem comum. Trocado em miúdos, é o conhecido toma-lá-dá-cá, um nome mais leve para a corrupção que sempre desperta indignação junto à opinião pública.

A isso se soma o lado cínico da câmara (e do Motta) ao ver com naturalidade a proposta de um deputado na ativa poder acumular aposentadoria, se tiver idade para tal, aos valores que recebe como deputado. Passaria a ganhar o dobro para exercer uma só função, que é a de membro do legislativo federal. Fica aquele sabor do sujo falando do mal lavado. Ou do faça-o-que-eu-mando-mas-não-faça-o-que-eu-faço. E somos nós que vamos pagar a conta salgada

Até certo ponto, é mais um lance da chanchada política a todo vapor do nosso presidencialismo. Esta mecânica de buscar maioria na Cãmara após a eleição do presidente é o oposto do parlamentarismo em que o Primeiro-Ministro só toma posse após garantir maioria na Câmara. Caso contrário, nem toma posse. Evita a dor de cabeça tupiniquim que nos acompanha desde 1889. E não é só isso. Ter que constituir maioria no legislativo após a eleição direta do presidente da república é sempre uma porta aberta para a corrupção.

O famoso petrolão expôs as vísceras de um processo permanente de corrupção oriundo da disfunção institucional do presidencialismo do tipo latino-americano. Os exemplos abundam em diversos países vizinhos nossos, e até nos que não o são. A prisão da ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, é mais um episódio decorrente da corrupção intrínseca que está no DNA do presidencialismo.

E foi assim que o Brasil viveu uma sequência de salvadores da pátria, que mais pareciam salvadores do próprio bolso exaurido em campanhas presidenciais caríssimas. Para piorar tudo, o controle de despesas que era centralizado no executivo federal foi descentralizado pela Carta de 1988, dando autonomia financeira, por exemplo, ao Judiciário. O fenômeno do descontrole de salários chegou a tal ponto que jornais de circulação nacional e as próprias redes sociais deixam às claras os abusos que vêm sendo cometidos. O desempenho do nosso Judiciário medido por indicadores de desempenho dos países europeus nos deixa em posição vexatória.

Mas os abusos estão presentes também no poder legislativo federal e estaduais. Ao passar um pente fino neles, observamos funcionários federais e estaduais auferindo salários mensais muito acima do máximo permitido, que é o valor recebido pelos ministros do STF.

Em suma, a continuar no presidencialismo agravado pela ausência do voto distrital puro e do recall (revogação de mandatos entre as eleições), é fácil prever que o País vai continuar a marcar passo em termos de crescimento.

Nota: Digite no Google: “Dois minutos com Gastão Reis: Confiança a ser recon-quistada”. Link: https://www.youtube.com/watch?v=CLG9Q7cY12E&t=18s

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