COLUNISTA
Acompanhar a vida política brasileira se tornou cansativo pela mesmice e pela falta de visão de futuro, ou seja, um país sem rumo. Um episódio recente ocorrido no plenário do STF com o ministro Toffoli dá bem a medida do estilo chanchada de nossa vida institucional. Em determinado momento, ao fazer uso da palavra, ele conseguiu dizer, visivelmente emocionado, o seguinte: “Eu tenho orgulho de ser membro do STF.”
Vamos ao contexto do que representa o STF hoje para a população brasileira. O desembargador Sebastião Coelho, em sessão plenária do tribunal, lhes disse, cara a cara, que eles eram as pessoas mais odiadas do país. E, sem dúvida, encarnava bem o sentimento nutrido pela população em relação ao STF. O lado chanchada acoplado à falta de vergonha foi Toffoli dizer o que disse em relação a um tribunal que em qualquer roda de cafezinho país afora se encontra desprestigiado e desacreditado.
Só faltou correr uma lágrima pela face de madeira própria de quem já fez o que ele fez, dando decisões monocráticas em processos em que ele estava visivelmente impedido de arbitrar como o do Grupo J&F dos irmãos Batista. Ele perdoou uma “singela” multa de quase 10 bilhões de reais com o agravante de que o escritório de advocacia de sua mulher representa o grupo bilionário. Jornalistas de pequenos e grandes jornais traçam um perfil do judiciário brasileiro, em seus diversos níveis, como tomado por corrupção. Dadas as circunstâncias, era o caso de o ministro Toffoli ter vergonha e não orgulho.
Mas a coisa não fica por aí. O governo federal e o congresso nacional também contribuem para o clima de chanchada em que, ao invés do riso, há fortes razões para chorar lágrimas de esguicho, na famosa metáfora de Nelson Rodrigues. Tomemos o caso do aumento do IOF Imposto sobre Operações Financeiras, tão caro ao presidente Lula, que não foi aprovado, por larga margem de votos, nas duas casas do Congresso.
Lula alega que a decisão do congresso é inconstitucional. Como assim? Se o aumento é enviado ao legislativo para ser aprovado, é óbvio que pode ser rejeitado. Caso tivesse que ser obrigatoriamente aprovado, estaríamos diante de uma ditadura. E ditaduras, quando têm constituições, é só para aumentar ainda mais os poderes do ditador. Foi o caso da constituição de 1937, a Polaca, no período em que Getúlio Vargas era ditador com plenos poderes.
Não satisfeito, Lula resolveu apelar para o STF em assunto que não é de sua alçada. O líder do PT na Câmara, deputado Lindberg Farias, disse que não dispor dos recursos do IOF teria impactos nos programas sociais. Só esqueceu de mencionar que o IOF pega todo mundo, inclusive a população de baixa renda. Trata-se de uma lógica marota em que você tira dinheiro do bolso do pobre pare lhe devolver menos do que foi retirado. Pode?
Vamos agora à câmara dos deputados atuando na linha do faça-o-que-eu mando-não-faça-o-que-eu-faço. Já que ela vem cobrando com razão do poder executivo federal corte de despesas, seria o caso de seguir na mesma linha. Mas não. Acabou de aprovar o aumento do número de deputados de 513 para 531, consumindo recursos públicos adicionais de 95 milhões de reais por ano. Nos EUA, o número de federais é de 435. São quase 100 deputados a menos do que no Brasil.
Fazendo as contas, cada deputado federal americano representa cerca de 780 mil pessoas. Aqui, cada um dos nossos representa cerca de 425 mil. Seria o caso de afirmar que os nossos são mais representativos? Não mesmo. Estatisticamente, não faz diferença. Mais ainda: lá, eles têm o voto distrital puro, o que impõe a cada deputado prestar contas mensais do que está fazendo na câmara. E mais o recall, que permite ao eleitor americano mandar para casa o deputado ineficaz no meio do mandato de quatro anos se não atender aos requisitos de desempenho. E substituí-lo por outro representante confiável.
Na verdade, o eleitor americano, como já vimos, tem controle efetivo sobre seu representante em função da legislação eleitoral americana. Exatamente o que não temos aqui. É por isso mesmo que os eleitores brasileiros se queixam de que os políticos só os procuram a cada quatro anos. Eleitos, normalmente se transformam em descaradas ausências para infelicidade daqueles a quem deveriam representar a contento.
Além do fato de nossos deputados federais inspirarem rala confiança por parte de seus representados, eles ainda se deram ao luxo de triplicarem os valores das emendas parlamentares nos últimos dez anos. E continuam longe de serem rigorosos na fiscalização da execução do orçamento da União. É uma combinação de baixa representatividade com fiscalização ineficiente dos gastos do executivo.
A soma destas duas falhas resultou em gastos sem controle, que estão a exigir um ajuste fiscal de 3% do PIB, como nos informa recente estudo do Banco Mundial. Trocado em miúdos, isso significa que, na aprovação do orçamento federal, não há por parte dos deputados a vigilância necessária para barrar despesas que poderiam ter sido cortadas. Ou seja, o bloco da gastança, com a chegada do PT ao poder, foi ampliado na direção errada. Não é, pois, surpresa o percentual de 3% a que chegou o Banco Mundial.
Lula deve ter horror ao orçamento base zero dos tempos de Jimmy Carter, presidente dos EUA no período 1977 ao início de 1981. A ideia era a de refazer o orçamento, rubrica por rubrica, para avaliar criteriosamente o que poderia ser cortado. Mas isso daria muito trabalho, coisa que nem Lula nem os deputados parecem ter muita disposição para cumprir a tarefa exigida por lei. A omissão de parte a parte resultou no descontrole das contas públicas.
Mas não há dúvida de que o grosso da execução do orçamento federal é função do presidente Lula e seus ministros. Ou seja, o ajuste da maior parte dos 3% do PIB teria que começar pelo governo federal. Mas Lula e o PT estão preferindo investir no velho “nós contra eles” (pobres contra ricos), ou seja, na luta de classes, o tal do motor, como tenho dito, enguiçado da História.
Veja também: