COLUNISTA
A autoestima de um povo tem ligação direta com a visão que tem dos grandes vultos de sua História. Uma mudança de regime político costuma ocasionar uma repaginação para pior, ou muito pior, do que eles foram em contraposição às supostas maravilhas que o novo regime promete entregar. O caso do Brasil, infelizmente, caminhou na direção do muito pior. Se não, vejamos.
No Patropi, houve um duplo desmonte, que atingiu tanto as grandes figuras do nosso passado monárquico como o próprio regime político para muito pior, como veremos a seguir. Vamos em frente, revelando o que real-mente foram as grandes figuras que moldaram nossa História no século XIX.
Dom João VI acabou sendo rotulado como fujão, medroso e glutão junto à população em geral. Um dos piores desserviços foi prestado por Carla Camurati em seu filmeco “Carlota Joaquina, Princeza do Brasil”. A figura de Dom João VI foi retratada como um semi-idiota, daquele tipo que baba na gravata, como diria Nelson Rodrigues.
A diretora Carla Camurati, após receber muitas críticas, ainda quis se justificar afirmando haver pesquisado várias obras para compor a figura de D. João VI. A desinformação em que ela navegou foi de tal ordem que bateu de frente com os fatos históricos relatados por fontes fidedignas, inclusive de brasilianistas americanos que o retratam com respeito e admiração, reconhe-cendo nele um grande estadista.
Na verdade, D. João VI teve educação esmerada, sendo capaz de ler as obras clássicas escritas em latim sem dificuldade, como era comum entre a elite portuguesa da época. Mas não foi só isso. Sua retirada estratégica, e não simples fuga, para o Brasil foi reconhecida pelo próprio Napoleão ao afirmar, em poucas palavras, seu respeito pelo então Príncipe Regente: “Foi o único que me enganou”. Revelava assim seu desprezo pelos grandes monarcas europeus em quem passou a perna e humilhou ao destroná-los.
Além da imensa obra civilizatória que aqui realizou, D. João VI trouxe para o Brasil cerca de metade do meio circulante português; e, ao voltar, levou apenas um quarto do que trouxera. Era homem de acordar muito cedo e trabalhar até tarde da noite. Ouvia a população toda semana nas audiências públicas, e era capaz de ouvir críticas sem se irritar. Foi um homem civilizado e sagaz cuja visão estratégica muito beneficiou o Brasil.
Quanto a D. Pedro I, sua figura popular nas novelas quase se reduz ao fauno insaciável. Na verdade, foi alfabetizado em latim e português ao mesmo tempo. Tinha o hábito, que cultivou vida afora, de ler duas horas por dia desde muito jovem. Na vinda para o Brasil, em dia de mar revolto, amarrou-se no mastro da nau principal da frota, aos nove anos de idade, para ler em latim um episódio parecido da Eneida, de Virgílio, o grande poeta romano.
Mas foi muito além. A constituição de 1824, que nos garantiu liberdade de imprensa e instrumentos de controle do poder pela população, foi marcada ainda pelo instituto do poder moderador, sempre usado para controlar os desmandos do andar de cima e não contra o povo. Foi a que mais durou em nossa História até hoje (65 anos). Foi rei de Portugal como D. Pedro IV, e ainda teve a oferta para ocupar o trono da Grécia e o da Espanha, desta por três vezes, ambos recusados por ele.
Após abdicar do trono do Brasil em favor de seu filho D. Pedro II, em 1831, partiu para Portugal para lutar contra seu irmão absolutista, D. Miguel, usurpador do trono de sua filha D. Maria II. Depois de enfrentar seu irmão numa guerra civil em que tinha tudo contra ele, saiu-se vencedor, outorgando a constituição liberal de 1826, que perdurou por 72 anos, garantindo a Portu-gal as liberdades civis e de imprensa. Foi considerado herói de dois mundos.
Por fim, mas nem por isso menos importante, foi o caso da Princesa Isabel, vilipendiada pela história republicana como se fosse um pau mandado por seu marido, o Conde D’Eu, membro da família real francesa. Contra ele, foi também disparada várias mentiras e fatos desabonadores. O melhor desmentido foi o depoimento do Gal. Deodoro da Fonseca, que não gostava dele, mas teve a ombridade de afirmar que foi o melhor comandante militar que teve ao longo de sua carreira no exército. De fato, era um homem competente e extremamente fiel aos interesses do Brasil e à sua mulher a Princesa Isabel.
O machismo cruel da época fez um trabalho demolidor contra a Princesa. Foi propalado junto à opinião pública que era uma mulher sem vontade própria, que seria manipulada no trono por seu marido estrangeiro a despeito dele ter se naturalizado brasileiro. Ela foi regente do Império em três ocasiões durante as viagens de D. Pedro II ao exterior. Somados os três períodos, ela ficou no trono por quase quatro anos, tempo de um mandato presidencial na república. Foi o modo encontrado por seu pai para que ela adquirisse o traquejo necessário a uma futura Chefe de Estado e Imperatriz.
Logo na primeira regência, de 1871, ela assinou a Lei do Ventre Livre, que teve o efeito de reduzir à metade o número de escravos num período de 15 anos. Na segunda regência, 1876-1877, enfrentou desafios políticos, seca no Nordeste e conflito entre católicos e maçons, saindo-se bem nas três situações. Na terceira, 1887-1888, assinou a Lei Áurea. Para tal, conseguiu substituir o mulato barão de Cotegipe como presidente do Conselho de Ministros por João Alfredo, que era a favor da Lei Áurea, e que teve papel importante na formulação e aprovação da Lei do Ventre Livre.
Era, portanto, como se pode concluir, uma mulher de fibra com disposição para remover montanhas. Não obstante estes fatos, a historiadora Mary Del Piore (não escrevi Priore), em entrevista de página inteira numa edição dominical de O Globo, afirmou que a Princesa só se interessou pela abolição seis meses antes de assinar a Lei Áurea. Simplesmente faltou, vergonhosamente, com a verdade factual e histórica que marcou a vida de uma grande dama como foi a Princesa Isabel.
A despeito de tudo, a verdade histórica, como é preciso, está vindo à tona.
Nota: O livro bem documentado do deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, intitulado “Império de Verdades”, presta um grande serviço ao Brasil
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