Edição: sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Gastão Reis

COLUNISTA

Gastão Reis

A FALÊNCIA INSTITUCIONAL (E MORAL) DA REPÚBLICA

Um filósofo chinês, certa feita, pediu aos deuses que o livrassem de viver em tempos interessantes. No fundo, queria se livrar de tempos politicamente instáveis. Aqueles em que, brasileiras e brasileiros, estamos enterrados até o pescoço. Após mais de 135 anos de implantado, o regime golpista de 1889 está pior do que nunca tanto em termos institucionais quanto morais. (Ou seria Moraes?). Tinha razão um príncipe brasileiro ao afirmar, em público, que não conhecia ninguém que pudesse dizer, de boca cheia, que a república deu certo.

É legítimo que nos perguntemos por que deu tão errado nos planos institucional e moral. É a hora de recorrermos à história alternativa. E temos do nosso lado a famosa historiadora Barbara Tuchman. Em seu livro “A Marcha da Insensatez De Tróia ao Vietnã”, ela faz um exercício sobre estas duas famosas guerras, e das razões que poderiam ter evitado as duas tragédias vividas pelos povos nelas envolvidos.

Barbara Tuchman distingue duas situações. A primeira é aquela em que os atores envolvidos desconhecem possíveis alternativas ao curso bélico que acabaria ocorrendo. Neste caso, a guerra seria compreensível. Mas quando  existem alternativas, é surpreendente que os atores tenham dado preferência ao pior dos mundos, ou seja, aquele da guerra. No livro mencionado, Tuchman comprova que os países envolvidos conheciam as alternativas, as dispensaram e foram à guerra.

Podemos fazer um exercício semelhante para o caso da proclamação da dita república em 1889. Aquele episódio foi definido pelo presidente Rojas da Venezuela em poucas palavras: “Pronto, lá se foi a única república, de fato, existente na América Latina”. Ele obviamente estava se referindo à tradição de respeito ao dinheiro público e à liberdade de imprensa que marcou o Império.

Além dele, podemos recorrer ao nosso Nabuco que resumiu a quartelada nos seguintes termos: “A razão aconselhava que a dinastia e a força armada se entendessem, se unissem, reciprocamente se apoiassem, animadas como eram do mesmo espírito de abnegação e patriotismo. Em vez disso, infelizmente o exército preferiu destruir sua aliada natural e começar sua própria evolução política, perigosa sempre para instituições militares”. E democráticas, acrescento eu.

Quando Nabuco se refere à aliada natural, ele obviamente estava se referindo aos embates políticos contra as oligarquias. A Princesa Isabel soube gerir com competência a luta pela aprovação das leis do Ventre Livre e da própria Áurea, conseguindo se sobrepor aos interesses das oligarquias. Nas décadas seguintes, que incluem boa parte do século XX, a luta dos militares contra as oligarquias deu com os burros n’agua. E foi assim que a brutal desigualdade que marca a sociedade brasileira ganhou corpo e se consolidou.

Ainda no plano institucional, cabe lembrar dos dispositivos legais da Carta de 1824, em especial do poder moderador, que teriam impedido de vivermos o pesadelo patrocinado pelas decisões monocráticas do ministro Alexandre de Moraes acobertado pela cumplicidade dos ministros do STF. Por sua vez, o poder moderador exercido pelo monarca, ouvido antes o Conselho de Esrado, permitia suspender um juiz que extrapolasse suas funções legais e deixá-lo à disposição de um tribunal para lhe aplicar uma sentença definitiva.  Moraes jamais faria o que tem feito diante desta possibilidade concreta.

Vejamos agora a questão da decomposição moral da república não só nos planos do executivo e legislativo, mas também no judiciário. Ainda está em nossa memória os cinco ministros do TCE do Rio de Janeiro, afastados por corrupção, escapando apenas uma ministra. E todos aposentados com valores integrais de seus proventos. Esta última “solução” dá bem a medida do nível a que chegou a “justiça” no País. E tais episódios de corrupção não são exclusividade de uma única unidade da federação. E mais o orçamento secreto!    Este quadro para lá de lamentável de corrupção sistêmica acabou tendo repercussão internacional. Desembocou nas iniciativas de Trump contra o STF brasileiro em que o ministro Alexandre de Moraes foi enquadrado na Lei Magnitsky Global, com risco de outros ministros também o serem. Esta lei permite ao governo americano sancionar funcionários de governos estrangeiros implicados em abusos de direitos humanos em qualquer parte do mundo.

Para piorar, o internacionalmente respeitado Wall Street Journal, em 10 de agosto corrente, estampou a seguinte manchete: “Um golpe de Estado no Brasi dado pela suprema corte” (STF).  O cerne da matéria pode ser resumido nas seguintes palavras: o ministro Alexandre de Moraes está censurando seus críticos e pondo na cadeia oponentes sem lhes dar direito político de defesa. Ou seja, é uma pá de cal no STF em termos de respeitabilidade internacional. O clima na Europa vai na mesma direção.

Dadas as denúncias internas, de longa data, feitas diversas vezes, contra o ministro Alexandre de Moraes, não há nada surpreendente na decisão que foi tomada pelo governo americano. Deplorável (e humilhante) foi a omissão do senado em não ter se pronunciado antes contra os desmandos do referido ministro. E ter que vir de fora para dentro esta iniciativa. O próprio Alcolumbre está na alça de mira da Magnitsky porque ela atinge quem é conivente com pessoas, como Moraes, que cometem abusos contra os direitos humanos.

A verdade é que soa estranho no mundo inteiro condenar alguém por um  golpe de Estado que simplesmente não houve. E ainda colocar Bolsonaro em prisão domiciliar antes da sentença final.  No Brasil, diversos juristas, como Ives Gandra Martins e Modesto Carvalhosa, e grande parte da população não aceitam a legitimidade desse processo capitaneado pelo ministro Moraes com a anuência de apenas uma turma do STF.

E, por mais que nos incomode essa interferência americana em nossos assuntos internos, é fato que a oposição, majoritária no Congresso, reflete, a despeito do pé atrás da população com os políticos, a maioria da opinião pública quanto aos excessos de Moraes.

É a dupla falência do título mostrando sua cara.

Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: Corrupção: Já foi muito diferente”, ou link: https://www.youtube.com/watch?v=Oos9-rQIQzc&t=207s

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