COLUNISTA
Marx, vez por outra, acertava, não obstante ter errado no atacado quanto ao fim do capitalismo, jogando países e povos numa longa e penosa marcha incapaz de produzir os frutos prometidos pelo dito paraíso socialista. Quanto ao acerto, foi ter escrito que mudanças quantitativas levam a mudanças qualitativas. Dejetos de uma pequena tribo num rio próximo é muito diferente quando se trata de uma cidade de três milhões de habitantes. Esta parte do receituário marxista foi ignorada por Lula. Preguiça de ler, provavelmente.
Eu me refiro ao período inicial da vida de Lula como líder sindical, na segunda metade do século XX, em que encontrava ouvidos receptivos por parte significativa da população, em especial entre os operários da indústria então numerosos. Nos últimos anos, houve uma mudança de perspectiva da força de trabalho em direção a uma visão de mundo diferente. A economia informal, girando em torno de 40% da força de trabalho, é reveladora do que vem acontecendo. Cada vez mais, as pessoas buscam montar seu próprio negócio.
Mesmo quando não conseguem, num primeiro momento, o objetivo continua sendo este. Na vida de empreendedores bem sucedidos, eles passam, em média, pelo calvário de três a quatro falências antes de dar certo. Foi o que aconteceu com Walt Disney, quando afirmou o seguinte: “Eu já fui à falência cinco vezes. Mais uma, menos uma, eu não estou nem aí!”. Uma cabeça deste tipo deixa a falência sem jeito. E ela acaba desistindo, indo bater em outras portas mais frágeis.
Os ouvidos receptivos de outrora se tornaram moucos. A desaprovação de mais da metade da população de seu governo reforça o que vem acontecendo. As redes sociais denunciam o tratamento eleitoreiro com que Lula enfrentou o tarifaço de Trump, apostando no discurso da soberania nacional. Uma ida a Washington, a tempo e na hora certa, poderia, senão evitado, pelo menos ter moderado o percentual do tarifaço. Bem diferente da presidente mexicana que soube fazer o dever de casa. E já colheu frutos.
Outro fator desmoralizante foi a volta da corrupção bilionária. As estatais entregues pelo então ministro Paulo Guedes no azul estão agora no vermelho. Os Correios apresentam um rombo de cerca de 3 bilhões de reais, e pedindo socorro ao Tesouro Nacional. Ou, mais diretamente, ao bolso de cada um de nós ao invés de cobrar das associações fraudadoras. Os descontos não-autorizados nas folhas de pagamento dos aposentados atingiram 5 bilhões de reais já no atual mandato de Lula. Até no próprio Nordeste, única região onde venceu Bolsonaro, Lula vem perdendo apoio.
Há também um conluio entre o STF e o governo federal cada vez mais evidente para o grande público. É óbvio que isso contradiz o princípio da separação e independência dos poderes. Um princípio também válido para o Judiciário, onde uma única pessoa não poderia acusar, julgar e sentenciar, como faz o ministro Alexandre de Moraes. Tais desvios de comportamento prenunciam tempos sombrios, autoritários e até ditatoriais.
Para piorar a vida de Lula e PT, sobreveio a incompetência (ou inapetência?) para lidar com um Congresso de oposição. Mas também é fato que essa disfunção decorre de nossa esquizofrenia presidencialista, que nos presenteia com situações de presidenes que tomam posse sem ter base de apoio do Parlamento. Vale registrar que isso jamais aconteceria em regimes parlamen-taristas, como foi o caso do Brasil até 1889. É, de fato, a receita certa para gerar crises permanentes, como vem ocorrendo já faz tempo demais.
A última afronta à sociedade brasileira partiu da Câmara Federal com a PEC da Blindagem. Voltaríamos ao tempo em que processar um parlamentar dependia da autorização prévia das casas legislativas. No passado, na câmara federal, apenas uma autorização foi dada num total de mais de 250 pedidos de liberação. Não era a licença para matar do agente 007, mas sim a licença para a malversação impune de dinheiro público. Foi óbvia a reação das ruas contra tal absurdo. E até do senado, arquivou o projeto de lei.
Roberto Campos, muito antes, e o senador Tasso Jereissati, este muito depois, em entrevista ao Estadão, em 04/06/2019, e até o ex-presidente José Sarney alertaram para o fato de que o sisitema político brasileiro estava falido, incapaz de conferir governabilidade ao País. Seu calcanhar de Aquiles continua à mostra quanto a questões de reprentividade da população, corrupção sistêmica e sua incapacidade de pôr fim rápido a maus governos. E ainda ficou aberta a porta para intervenções militares no dúbio Art. 142 da Carta de 1988.
Um trágico exemplo desta pobreza político-institucional da república brasileira foi a eleição de Jânio Quadros para presidente, tendo como vice João Goulart. As análises tradicionais se perdem no golpe branco dado pelos militares, forçando a adoção de um parlamentarismo de ocasião fadado, infelizmente, a durar pouco. Era uma maneira de retirar do presidente o poder efetivo de governar, que ficou a cargo do Primeiro-Ministro.
Jânio Quadros, apesar de suas bizarrices, foi um político bem sucedido como prefeito e governador de São Paulo. Sem dúvida, tinha visão conservadora na política e nos costumes. Pois bem, razões de ordem eleitoreira levaram a que a legislação permitisse ao eleitor votar para presidente em alguém como Jânio e, para vice, em Jango, cuja opção política ia em direção oposta à de Jânio. Obviamente, a opção correta teria sido o Milton Campos, o vice do mesmo partido de Jânio, também de perfil conservador.
Nesta visão de história alternativa é difícil imaginar o surgimento de uma ditadura militar de 21 anos que nos brindou com mais estatais do que havia antes de 1964. Estranhamente, uma pauta da esquerda. Nas falas recentes de Lula e Trump na ONU, parece ter surgido uma oportunidade para futuras negociações. Entretanto, meses foram perdidos com custos elevados para o País no jogo eleitoreiro da defesa da soberania nacional. O fato concreto é que a obra da república parece com aquele samba sem pé nem cabeça do Stanislaw Ponte Preta, cognome do famoso cronista Sérgio Porto.
Nota: Digite no Google “Gastão Reis: Quando o Brasil perdeu o rumo da História”, ou link: https://www.youtube.com/watch?v=gtg4NGdjBbQ&t=19s
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