COLUNISTA
É fato público e notório que os vencedores recontam a História a seu favor. Mas o caso brasileiro já foi longe demais no trabalho insano de jogar nossa autoestima no tornozelo, quando não é na sola do pé. Poderia citar vários exemplos, como o caso da guerra do Paraguai, a invenção do avião e o desempenho da economia brasileira ao longo do século XIX, dentre outros. Neste artigo vou dar mais atenção ao desempenho econômico do Império.
Antes, porém, vale ressaltar que aquela história, com “h” minúsculo, de que o Brasil dizimou 90% da população masculina do Paraguai na guerra da Trílpice Aliança não tem base alguma, como mostram as pesquisas posteriores bem fundamentadas em dados. E também que a guerra teria sido tramada pela Inglaterra usando o Brasil para fazer o serviço sujo de destruir nosso vizinho. Na época, estávamos de relações diplomáticas cortadas com a Inglaterra (Questão Christie), que era contra a guerra. E não havia sentido algum que ela temesse o suposto experimento de capitalismo independente do Paraguai.
O caso de Santos Dumont versus irmãos Wright sobre quem teria sido o real inventor do avião se assemelha ao da paternidade do cálculo integral entre Newton (1643-1727) e Leibniz (1646-1716). Os atores envolvidos chegaram a seus grandes feitos de modo independente um do outro. Ou seja, é um caso de dupla paternidade legítima. Santos Dumont não dependeu dos irmãos Wright para realizar seu famoso voo em Paris, em 1906. Refletem situações históricas cujo tempo havia chegado.
Vamos agora à questão central do crescimento da renda real per capita do Brasil ao longo do século XIX. A historografia econômica consolidada nos informava que o desempenho do Império teria sido pífio. Houve mesmo um economista de renome que escreveu artigo, em jornal de circulação nacional, afirmando que o crescimento desta variável teria sido de apenas 5% de 1822 a 1889. É como declarar que nossa economia ficou congelada durante quase um século. Imagino D. Pedro I e D. Pedro II dando voltas de indignação na cova.
Ao escrever meu livro, “História da Autoestma Nacinal Uma investigação sobre monarquia, república e preservação do interesse público”, eu estava dando tratos à bola para comprovar que o desempenho do Império não havia sido um zero à esquerda na economia. Confesso meu entusiasmo ao descobrir a pesquisa bem fundamentada, de 2013, dos professores Tombolo, A. G. & Sampaio, A.V., “O PIB brasileiro nos séculos XIX e XX”, que mostrava taxas anuais expressivas de crescimento de nossa renda real per capita semelhantes às da Europa e àquelas de nossos vizinhos latino-maericanos. De fato, pari passu com o mundo de então.
Pouco depois, estive na apresentação feita pelo Prof. Edmar Bacha na ABL Academia Brasileira de Letras de um trabalho dele com os professores Guilherme Tombolo e Flávio Versiani intitulado “Estagnação Secular Uma nova visão sobre o crescimento do Brasil no século XIX”. Esta pesquisa acabou de ser publicada no Journal of Iberian and Latin American Economic History em setembro deste ano com o mesmo título da ABL.
O recente artigo, “Nova História Econômica”, do Prof. Edmar Bacha, publicado no jornal O Globo, em 6.10.2025, faz um relato das diversas pesquisas que também dão respaldo à essa nova visão sobre o que foi de fato o desempenho econômico do nosso século XIX, quase todo sob as instituições vigentes no Império da Carta de 1824. A seguir, cabe uma análise qualitativa importante que costuma passar em branas nuvens.
Nessa linha, nada melhor do que o enfoque do Prof. Daron Acemoglu, professor do MIT Massachusetts Institute of Technology, que publicou, em 2012, na Inglaterra, seu livro best-seller, intitulado “Why Nations Fail” (“Por que as nações fracassam?”). Ele enfatiza o peso determinante das instituições inclusivas no processo de desenvolvimento sustentado. São aquelas capazes de beneficiar a população de um País como um todo, e não apenaos grupos no topo da pirâmide de renda e riqueza, como é o caso das instituições extrativas, típicas do que vem ocorrendo no Brasil após 1889.
Quem já teve a oportunidade de ler artigos meus anteriores, onde abordei
o que realmente foi a Carta de 1824, a que mais durou até hoje (65 anos), deve ter notado que o poder moderador foi um instrumento de controle dos habituais desvios do andar de cima em direção ao próprio umbigo, deixando de lado o interesse público. Jamais foi usado contra o povo, sempre o foi em sua defesa. Logo, estava presente a preocupação com a inclusão social, vale dizer, o combate à desigualdade.
A luta travada contra a escravidão por D. Pedro II e pela Princesa Isabel, ao longo do século XIX, teve um desfecho exitoso com as Leis do Ventre Livre e Áurea, ambas assinadas pela Princesa Isabel como Regente. Fica claríssimo que o Império vinha caminhando em direção a uma sociedade inclusiva, até mesmo pelo plano, engavetado pela república, de assentamento dos libertos ao longo dos 10.000 km de ferrovias já existentes em 1889, uma das maiores malhas do mundo de então.
A vingança dos interesses contrariados dos fazendeiros, que passaram a mandar e desmandar no País, como nos garante o historiador Sergio Buarque de Hollanda, situação que não havia no Império em função da presença do poder moderador impeditivo de tal protagonismo. No Império, segundo o historiador Marco Villa, houve dois casos sérios de corrupção, que foram exemplarmente punidos.
O mais grave é que o processo de construção de instituições inclusivas foi interrompido com a chegada extemporânea da república, parida sem apoio popular, em 1889. A brutal e permanente desigualdade, que marca a sociedade brasileira, é o resultado desse processo de construção de instituições extrativas comprovado pela corrupção sistêmica da república, que envolve os três poderes nas três esferas, e que abarca inclusive o Judiciário.
É difícil acreditar que a república assuma algum dia a tarefa de lutar contra a desigualdade. Que tal a via da monarquia constitucional parlamentar?
Nota: Digite no Google “Dois Minutos com Gastão Reis: História do Brasil mal contada”, ou pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=eItrRRkiiAU
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