COLUNISTA
O tema e a prática da comunicação nos perseguem sempre, pelas falhas constantes em mantê-la sempre alerta. São inúmeras as vezes em que as coisas dão errado por falta ou má comunicação. Nas empresas, entre pessoas, entre países, no serviço público. A lista pode se estender ad infinitum. É uma espécie de guerra constante, mas que vale a pena lutar.
O jornal O Globo, de 16/07/2024, tem uma matéria sobre Charles Duhigg, autor do famoso best-seller A força do hábito (2012), com mais de um milhão de exemplares vendidos. O título bem poderia ter sido A força das boas rotinas, um esporte pouco praticado no Brasil, sempre fascinado por novidades dúbias, logo esquecidas. Ele acaba de lançar um novo livro: Supercomunicadores: Como Desbloquear a Linguagem Oculta da Comuni-cação. Dando um tom bem brasileiro ao título, com a ajuda do nosso Chacrinha, poderia ter sido: Quem não se comunica se trumbica.
Mas Duhigg, sem dúvida, realizou pesquisa séria para escrever seu novo livro. De início, ele reconhece que acabou se trancando na torre de marfim sem conseguir se comunicar com as outras pessoas. Sugestões positivas da própria mulher sobre questões de relacionamento com seu chefe eram vistas como se ela estivesse contra ele. Quando detectou o problema, ele buscou a ciência para saber o que ela poderia oferecer na questão da boa comunicação. Em sua visão, as pessoas estão esquecendo as regras básicas que a norteiam.
Na boa tradição americana, o autor cita exemplos dos estragos provocados pela má comunicação. E cita os casos da Nasa, que passou a preferir astronautas bons em comunicação; e as técnicas do FBI de persuasão de negociadores habilidosos no resgate de reféns. Caberia acrescentar o livro Manual de Persuasão do FBI, de autoria de Jack Schafer e de Marvin Karlins, que nos revela as técnicas usadas para identificar mentiras, influenciar, atrair e conquistar pessoas.
Duhigg deu papel relevante em seu livro a um psicólogo, Nicholas Epley, que dedicou boa parte de sua carreira a estudar o fato de que não sabemos escutar. A natureza ao nos dar dois ouvidos e uma boca estava nos enviando um claro recado sobre a importância de ouvir. Esta atitude exige de quem sabe ouvir humildade na interação com quem está falando. Há, entretanto, casos patológicos de pessoa que falam sem parar, que é um outro departamento.
Ao ler sobre o novo livro de Charles Duhigg me veio à mente o velho mestre da capacidade de ouvir o próximo atentamente. Eu me refiro a Peter Drucker. Para entender quem foi ele, vale reproduzir o veredicto de Kenneth Wilson, cientista, reformador educacional, e ganhador do Prêmio Nobel: O que Newton foi para a matemática, Darwin para a biologia, Einstein para a física, Drucker foi para o nosso entendimento de organização e sociedade.
Entre os diversos livros publicados por Drucker, um deles é uma verdadeira joia. Tem como título O gerente eficaz, um livro que deveria ser uma espécie de bíblia para quem lida na área de administração, uma atividade da qual, em maior ou menor grau, quase ninguém escapa.
E foi então que me recordei de uma das maneiras mais eficazes de administrar usadas por Drucker era, numa traduçao mais solta, gestão andando por aí. Ele se referia à importância de perambular, por exemplo, por uma fábrica, conversando com as pessoas que realizavam as diversas tarefas que convergem para a confecção de um dado produto. Em suas consultorias, sempre fazia isso para descobrir as falhas administrativas oriundas da falta de boa comunicação.
Drucker fazia uma distinção entre eficiência e eficácia, que pode ser muito útil para gerar uma comunicação efetiva e produtiva. Eficiência é fazer certo, obedecer aos passos de um dado processo. Já eficácia é fazer a coisa certa, vale dizer, atingir o resultado desejado. Ou seja, ser eficiente não significa necessariamente ser eficaz. Drucker nos adverte que flashes de genialidade não chegam muito longe. Para ele, o que leva um negócio a ser bem-sucedido é o trabalho duro, organizado e determinado. Para tal, nada como a boa comunicação de que nos fala Duhigg.
Em suas consultorias, Drucker fazia sempre duas perguntas aos executivos: (i) o que precisa ser feito? e (ii) o que eu quero fazer?, alertando contra o ego na tomada de boas decisões. Estas são irmãs gêmeas da boa comunicação de que nos fala Charles Duhigg, saindo do plano puramente pessoal para um mais amplo que envolve grupos de pessoas.
Quem seguiu o conselho dele à risca foi Jack Welch. Este, em 1981, queria iniciar a expansão internacional da GE, mas logo se deu conta de que o que precisava fazer era se desfazer de negócios que jamais a levariam a ser o número 1 ou 2 naquele setor. Seguiu o conselho dado por Drucker. A GE saiu de um faturamento anual de US$ 13 para US$ 130 bilhões, de 1981 a 2000.
O conceito de eficácia de Drucker está muito próximo da comunicação efetiva de Duhigg. Além disso, levando em conta os estudos do psicólogo Nicholas Epley sobre nossa incapacidade de escutar na obra de Duhigg, vamos bater num ponto forte de Drucker, que era sua capacidade de ouvir atentamente seus clientes. Nesse sentido, Drucker foi um precursor prático daquilo que Duhigg estudou mais detalhadamente.
Drucker era também categórico na seguinte questão: trabalhar seus pontos fortes e não perder muito tempo com seus pontos fracos. Ele também foi pioneiro da boa comunicação intrapessoal. Ou seja, ser capaz de ouvir-se. Comunicação, num sentido amplo, envolve outras pessoas, como enfatiza Duhigg, mas ela engloba ainda seu estado de espírito em relação a seus semelhantes. Sem esta liga, não há boa conexão.
Como sempre, na história do avanço do conhecimento, os precursores sempre fornecem boa matéria prima para os que vêm depois. Este parece ter sido o que ocorreu entre Drucker e Duhigg no sentido de terem trabalhado conceitos muito próximos. O primeiro, mais na área empresarial; o segundo, na interação entre pessoas. É a festa do conhecimento se expandindo.
(*) Nota: No meu artigo anterior, sobre Freud e terapia cognitiva, um texto complementar é O livro negro da psicanálise Viver e pensar melhor sem Freud, organizado por Catherine Meyer, Editora Civilização Brasileira, 2011.
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