COLUNISTA
Declarações recentes de políticos na América do Sul, na América do Norte e Europa mostram uma grande decepção com as conquistas e os rumos da democracia em seus respectivos continentes e mesmo no mundo. Apesar de ser o regime predominante em 75% do total de países existentes, ela parece estar desapontando um número cada vez maior de seguidores.
Quando os founding fathers dos EUA já aposentados de suas funções governamentais se reuniram para discutir o futuro do regime que haviam criado para seu país, naquela época a única república do mundo, admitiam que ela dificilmente ultrapassaria os 150 anos de duração. Isto na visão de Jefferson, Madison, Monroe e outros experientes políticos. Eles consideravam que ocupadas as terras dos 13 estados originais, a estabilidade da nação repousaria inicialmente na expulsão e colonização das terras dos indígenas até as montanhas rochosas e, depois, no retalhamento das grandes propriedades escravistas do sul do país. A partir do momento que não houvesse mais como acomodar o crescimento demográfico, a dissolução da república lhes parecia inevitável.
O que ocorreu foi que, com o fim da escravidão, o país sofreu uma forte industrialização e urbanização em conjunto com o aumento da produtividade agrícola, o que proporcionou uma sobrevida do seu modelo político até os anos 30 do século XX. Naquele momento implementou-se um novo pacto social, o New Deal de Franklin Roosevelt, que reestruturou o sistema financeiro, a gestão territorial e das Instituições e, com o sucesso da participação americana na Segunda Guerra Mundial, abriu os mercados do mundo para a grande indústria militar e de bens de consumo dos EUA. O modelo democrático caminhou junto a esta expansão do poder da América do Norte.
O sucesso econômico tem a virtude de dar estabilidade aos governos, seja eles democráticos ou não. Temos visto na História a longa existência de regimes autoritários sustentados por economias que produzem o básico para seus habitantes. No século XXI, no entanto, as condições de estabilidade institucional já requerem, além de um desempenho político razoável, uma abertura no acesso à informações do que se passa no mundo e a satisfação de uma crescente e inadiável pauta de direitos humanos.
Oitenta por cento da população mundial vive sob regimes políticos marcados por ideologias ou concepções religiosas que fortemente mantém suas populações submetidas a desigualdades sociais, étnicas e repressoras, dentre outras múltiplas restrições de direitos das mulheres, ainda que nominalmente se autoproclamem democracias.
As novas bases tecnológicas sobre as quais se assentará a economia do futuro, desde setores primários como produção de alimentos e extração de minerais até as mais sofisticadas formas de provisão de serviços, vão inexoravelmente sacudir as estruturas institucionais que regem a convivência dos homens e mulheres em sociedade. A democracia hoje criticada pela lentidão com que enfrenta os problemas corriqueiros da gestão pública, da resolução de disputas, da criação de leis e regulamentos consensuais que sejam respeitados por todos necessita um ajuste compatível com os processos de automação e utilização da inteligência artificial em amplos domínios e mesmo de prevenção da crescente degradação ambiental, cujos reflexos ameaçam a sobrevivência da nossa espécie.
A humanização de todas as nossas atividades conjugadas a uma nova ética no tocante às relações entre pessoas, instituições e o ambiente físico natural é a prioridade do mundo para que o autoritarismo e as soluções monocráticas não venham a se impor sobre as conquistas fantásticas da democracia nos últimos dois séculos e meio.
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