COLUNISTA
José Luiz Alquéres, Conselheiro do Clube de Engenharia.
A vida na Terra segundo a ciência teve origem nos oceanos. Neles reside nossa esperança de regeneração de condições sustentáveis para que ela possa continuar a florescer.
“No princípio criou Deus o céu e a terra.
E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.”
As frases que abrem o livro do Genesis se casam, metaforicamente, com a visão da ciência, ao dizer que a Terra era vazia. Na realidade, uma intensa vida bacteriana havia se desenvolvido em ambiente anaeróbico, sem a presença de oxigênio nas profundezas dos oceanos. As águas apresentavam em sua profundeza uma intensa vida bacteriana que ao longo de 3,5 bilhões de anos evoluiu para organismos complexos que vieram emergir dos mares e povoar a crosta terrestre. Estes organismos se diferenciaram entre aqueles que criaram raízes e evoluíram para o mundo vegetal e os que se tornaram móveis e evoluíram para uma enorme diversidade de espécies animais. Ambos os tipos dependeram da energia solar para sobrevivência.
A energia solar, através do processo da fotossíntese, que captura o carbono do ar e o transforma em caules e folhas das árvores é fonte de energia para o crescimento da vida marinha das algas, corais, plâncton e outros minúsculos seres dos oceanos. A fotossíntese aumentou a proporção do oxigênio na atmosfera terrestre tornando-a respirável e propícia à vida. De tempos em tempos, processos sísmicos produziam a extinção em massa de espécies vegetais e animais, que assim foram constituindo as camadas de carvão mineral, petróleo e gás natural, que compõem o subsolo da crosta terrestre e do fundo dos oceanos. São destas jazidas de carbono que hoje extraímos intensamente os combustíveis que movem a economia mundial, poluem os ares, provocam a extinção de espécies e as mudanças climáticas que afligem todo o planeta. Em outras palavras, devolvemos para a atmosfera aquilo que processos geológicos levaram milhões de anos para dela retirar.
É fato consensual, destacado na última assembleia da ONU realizada na semana passada, que a continuidade desse modo de viver destruirá a vida na Terra em poucas décadas. Até mesmo o nosso presidente Lula, em seu discurso inaugural, defendeu a prioridade a ser dada a esta questão, embora o nosso país venha demonstrando descaso, especialmente no tocante ao uso da terra e à abertura de exploração de novas áreas petrolíferas em flagrante contradição ao discurso.
Há, ainda, na visão mundial, um aparente desvio de foco ao se menosprezar o papel dos oceanos na restauração de condições de vida e de clima mais sustentáveis para o planeta. Como bem diz José Eli da Veiga, o futuro da sustentabilidade é predominantemente azul turquesa e não apenas verde, como hoje é constantemente apontado. É necessário recuperar a capacidade de absorção do carbono pelos oceanos, de modo que eles, que cobrem ¾ da superfície da Terra, voltem a ser o grande agente de captação de carbono da atmosfera e, assim, propiciar o florescimento da vida.
Nós estamos matando a vida nos oceanos, que viraram a cloaca universal. São resíduos de petróleo, despejos de produtos químicos, bilhões de toneladas de plásticos, que se degradam em micro plásticos, hoje praticamente presentes nos tecidos de todos os animais do planeta. Alguns estudos apontam que a presença de micro plásticos nas placentas das mulheres é um dos fatores responsáveis pela redução de 50% da concentração de espermatozoides da atual geração de homens quando comparada a de seus avós. Além disso, é quase impossível saborear qualquer peixe sem estar se ingerindo uma certa quantidade de mercúrio e de outros metais tóxicos.
Promover a sustentabilidade é não apenas uma prioridade a ser dada na orientação da pesquisa científica, mas também na evolução da mentalidade dos políticos e das populações, conforme a cada dia as evidências da degradação do nosso planeta se tornam mais perceptíveis para todos.
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