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José Luiz Alquéres

COLUNISTA

José Luiz Alquéresz

REFLEXÕES APÓS A TRAGÉDIA PAULISTANA


José Luiz Alquéres, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI


Estamos assistindo após grandes tragédias ambientais a tendência de criminalizar supostos culpados e esquecer de implantar soluções que previnam a ocorrência de novas desgraças.

O primeiro exemplo são as enchentes no estado do Rio Grande do Sul. Vimos 95% dos seus municípios afetados por inundações decorrentes da incidência de chuvas torrenciais nunca registradas anteriormente. Os efeitos negativos desse fenômeno natural logo foram atribuídos ao desleixo da prefeitura de Porto Alegre, dada a dimensão dos estragos locais.

Passadas algumas semanas, quando o Sul se recuperava dos piores efeitos das chuvas, o brasileiro tomou conhecimento incidência inédita de queimadas ao final do período sazonal de secas, especialmente no Planalto Central do Brasil. Da mesma forma, a tendência inicial foi a busca imediata de culpados e a criminalização de alguns. Prendeu-se talvez uma centena de acusados, embora os focos de incêndio fossem muitos milhares e distribuídos por um território de área superior à da Europa inteira.

Na última semana viu-se a passagem do furacão Milton pela Flórida. Durante 24 horas inunda não apenas algumas cidades daquele estado norte-americano, mas, com intensidade extrema, os meios de comunicação do Brasil. Talvez por ter um nome próprio, o Milton, a culpa recaiu mais sobre ele - e menos sobre Biden, Trump ou o governador da Flórida.

Mais recentemente, há poucos dias, tivemos chuva intensa e fortes ventos em São Paulo. Não há registro histórico de algo semelhante no passado. Fica claro que chegamos ao ponto em que devemos nos preparar para eventos extremos onde quer que a ciência aponte que eles possam acontecer. As evidências disso vem se repetindo com intensidade e frequência maiores. Em vez disso, porém, vemos o “jogo de empurra” para apontar culpados atuais para situação que resulta de múltiplos fatores que vêm ocorrendo há décadas.

Com relação ao caso de São Paulo, vale lembrar que até os anos 1960 esta cidade possuía a mesma população que o Rio de Janeiro. Hoje possui o dobro. Bairros inteiros projetados para terrenos com ocupações unifamiliares foram sucessivamente tendo as casas originais demolidas para construção de pequenos edifícios de dois andares. Depois, estes foram demolidos para construção de blocos de apartamentos de quatro andares, que acabaram sendo substituídos anos depois por espigões. A rua, no entanto, continuou sendo a mesma. A vegetação plantada quatro ou cinco décadas antes cresceu e deu origem a frondosas espécimes totalmente inapropriados para arborização urbana e as redes de infraestrutura de esgotos, águas pluviais, comunicação por fio e eletricidade tornam-se obsoletas a cada mudança de densidade de ocupação dos bairros. Tudo isso, em período de eventos extremos, se agrava pela incapacidade de circulação pela rede viária, tomada por milhões de automóveis.

Não adianta culpar a ANEEL, a Prefeitura, a Câmara de Vereadores, as concessionárias dos diferentes serviços públicos. Não adianta culpar o político A ou B por mazelas decorrentes da falta de planejamento urbano e territorial, da má alocação de recursos públicos e privados ao longo de décadas, da ignorância e falta de preparo generalizados dentre as autoridades públicas municipais, estaduais e mesmo dentre os gestores dessas concessionárias. Todos têm a sua parcela de culpa, assim como a população que elege os políticos e se acomoda aos maus gestores públicos e privados.

O mais importante nesse momento é acabar com o amadorismo na gestão, priorizar a contratação de gente competente no lado público e privado e refazer completamente as estratégias de gestão. Estas devem se focar em um mundo substancialmente diferente daquele do passado. As comunicações, os deslocamentos físicos, a essencialidade da energia, as novas formas de trabalho e lazer e a proteção contra eventos climáticos extremos vão exigir um redesenho profundo da cidade moderna.

A solução demandará mais ciência e melhor engenharia, evidentemente sem que se descuide das conquistas do Estado de Direito e da responsabilização de indivíduos e entidades quando desleixos e omissões fiquem caracterizados. Tão importante quanto isto será a participação mais efetiva da sociedade civil, seja através do voto consciente e do voluntariado cívico, para que se apliquem as soluções adequadas aos problemas urbanos e territoriais.

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