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José Luiz Alquéres

COLUNISTA

José Luiz Alquéresz

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José Luiz Alquéres, Vice-Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro -IHGB


Minhas filhas mais moças e também as netas mais velhas perguntaram a mim e minha mulher nossa opinião sobre o admirável filme novo de Walter Salles sobre Eunice Paiva. Elas sabiam que éramos ambos jovens na época e que, alguns anos depois do momento retratado no filme, tivemos alguma convivência com Eunice Paiva. Estas pessoas de minha família, todas nascidas a partir de 1980, haviam se emocionado muito durante o filme, e nos perguntaram: “Era assim mesmo ??”

Eu respondi lembrando que na reunião ministerial em que foi promulgado o AI-5, ato que suspendeu as garantias do Estado de direito, a única voz discordante foi do vice-presidente Pedro Aleixo. Os militares presentes o questionaram se eles não seriam de confiança, afinal eram todos seus colegas de ministério.

Diante da pergunta, o vice Pedro Aleixo, um civil, respondeu apenas que: “...não é de vocês que eu temo as ações, mas sim do guarda de esquina”. Estava certo. Ele quis dizer que o AI-5 criaria, como realmente criou, uma cadeia de arbitrariedades e de arrogância por parte das autoridades que, saindo do mais alto escalão de Brasília, atingiria e empoderaria o mais ínfimo representante da ordem pública, conferindo-lhe poderes discricionários.

Ao fato acima, eu acrescento ainda a patética visão do Ministro do Exército, em uma exaltação infame do corporativismo, carregar o caixão no enterro de um dos militares recrutados para forjar um atentado em um festival de música. O plano deu errado e as forças militares acabaram ainda mais mal vistas na ocasião, precipitando a pressão por mais abertura no regime.

Quando a exacerbação de fatores polarizadores se combina com o espírito de corpo e litigância em um ambiente onde carece o Estado de direito, o que se pode esperar é o que vivemos naqueles anos de chumbo: um ambiente permanente de medo, de revolta interna e desestímulo à formação de novas lideranças, mas, também, de atos de heroísmo, às vezes não compensadores, para alterar a marcha dos acontecimentos.
O ato de Rubens Paiva, ao se expor como um elo entre grupos clandestinos e seus parentes ou amores na legalidade foi nobre e generoso. O impacto do filme que o relembra combinado com o sofrimento e sublimação familiar pode estar produzindo um efeito de alerta da maior importância em nossos dias. A barbárie cometida pelo Estado é algo repugnante.

Fernanda Torres está perfeita como a Eunice que conheci, mas a expressão do olhar de Fernanda Montenegro em sua curta aparição vale o filme. Eunice não pegou em armas e nem imolou a sua vida em causa perdida. Ela fez de sua vida um exemplo de dignidade, de como se conduzir como mãe, cidadã participante e defensora dos direitos dos indígenas.

Rubens Paiva eu conheci como engenheiro e sócio de Mauro Sá Motta, primo de um grande amigo meu. Duas décadas depois, ao criar o CCMA, Comitê Consultivo de Meio Ambiente da Eletrobras, para orientar ações mitigadoras de impactos de grandes barragens sobre populações ribeirinhas, tive a honra de poder contar com a Eunice entre seus membros. Poucos anos depois, em 1996, com a sanção da Lei dos Desaparecidos pelo presidente FHC, ela recebeu finalmente a certidão de óbito de Rubens Paiva e o reconhecimento da culpa do Estado em sua morte. Como o filme relata, foi uma vitória da persistência contra tudo, contra todos e contra até o abstrato, como o esquecimento daquilo que nos incomoda.

Eunice em grego é uma palavra que deriva etimologicamente de “Nike”, que significa Vitória. A vitória desta mulher é a vitória da decência, da dignidade de uma mãe, do amor e companheirismo de uma mulher por seu marido, mas também da importância da memória nacional se fazer presente em momentos delicados de nossa História e mesmo da História Mundial, como aqueles em que estamos vivendo.

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