COLUNISTA
Guilherme de Ockham, 700 anos atrás, formulou o princípio que dá nome a este artigo. Ao longo dos tempos ele passou a ser conhecido como “ A Navalha de Ockham”, simbolizando que na procura da solução de um problema devemos ir cortando as inúmeras facetas secundárias, às vezes consequências do mesmo, que poluem e dificultam a visão do essencial.
Eu cito aqui dois episódios que me ocorrem para ilustrar este conceito que venho procurando desde sempre praticar. O primeiro se deu quando em meus 15 anos de idade meu pai, um grande médico, comprou uma casa em Petrópolis onde havia um porão. Ali ele instalou então sua carpintaria de amador, com serras, furadeiras, lixadeiras, tupias e outros equipamentos elétricos e, tirando pela primeira vez férias em sua vida, passou a fazer armários embutidos e móveis simples para a casa. Ele era muito habilidoso e eu passei as férias trabalhando com ele, com certo gosto.
Um dia resolvi fazer um banco para mim, pois muitas tarefas que me cabiam como lixar, aplainar e fazer cavilhas poderiam ser executadas sentado. Parti então para a obra sem consultá-lo. Ele, ao me ver estruturando o banco, perguntou: “Você não está estudando geometria no colégio?” Disse a ele que sim. Ele retrucou: “Por que está complicando a sua obra?” - e continuou: “... Para um iniciante, fazer um banco de 4 pés pode ser muito complicado. Ele tenderá a ficar sempre balançando, como essas mesas de restaurantes costumam a fazer. A gente reclama com o garçom e ele coloca um papel sob um dos pés para resolver. Há mais de 2 mil anos, porém, Euclides já disse que bastavam 3 pontos para definir um plano. Faça seu tamborete com 3 pés e você nunca terá este tipo de problema, seja imperfeição deles, seja pelas ondulações do piso”. Segui seu conselho e fiz um bom banco para mim.
Marcílio Marques Moreira, quando tomou posse no Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento em 1991 se deparou com um quadro de inflação galopante em uma economia com os preços altamente distorcidos, com o povo extremamente incrédulo em relação às promessas do governo e ainda desconfiado em relação à idoneidade e/ou competência dos encarregados em gerir a máquina governamental. Vários planos econômicos, anunciados com estardalhaço, como Plano Cruzado, Cruzado Novo, Bresser etc, haviam falhado e, além disso, desmoralizado a expressão “Plano Econômico”.
Assediado por dezenas de jornalistas querendo saber qual seria o seu Plano, Marcílio se saiu, mineiramente, dizendo: “Nada de Plano Econômico”. Jornalistas insistiram: “Será um Ministério sem Plano?” Ele respondeu: “Será o Ministério de Nada de Plano” “Ockhanianamente”, ele apenas apontou as 3 linhas de ação necessárias para colocar a casa em ordem: 1 - Eliminar as distorções. Para isso, conduziu um trabalho delicado de ajustes progressivos que foram ganhando respaldo crescente da mídia e opinião pública; 2 - Respeitar as instituições. Um povo desiludido tem a tendência de ir resolvendo as coisas de sua própria maneira, partindo do princípio que as instituições não funcionam. Marcílio promoveu a valorização das instituições físicas e as abstratas como a moeda, os contratos, os compromissos internacionais, enfim contribuindo para que um respeito à ordem no mundo econômico desse o tom para todos os demais setores de governo; e 3 Governar com os bons. Foram convocados para servir ao governo, muitos com prejuízo de suas carreiras profissionais, alguns dos melhores quadros existentes no país. Não se ganha grandes batalhas com improvisações ou com pessoas, ainda que de boa vontade, inexperientes. A equipe de Marcílio foi em boa parte protagonista do bem sucedido Plano Real posto em prática pelo governo que o sucedeu.
Esta história da correção do maior desvio sofrido pela economia brasileira ao longo de sua história está bem contada no livro “O Social Como Elixir” que Marcílio lançou na última terça-feira, na Livraria da Travessa, no Rio de Janeiro. É importante resgatá-la neste momento onde um jaboticabal de leis e regulamentos oriundo de medidas do Executivo, do Legislativo e interpretações incompreensíveis para o grande público da parte do Judiciário voltaram a levar a população a ter uma enorme desconfiança em tudo que vem do governo, o que mina a Democracia e compromete o nosso futuro.
José Luiz Alquéres é Vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)
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