COLUNISTA
O conhecimento real do nosso planeta se deu a partir do século XIX, onde expedições de grandes cientistas, naturalistas, linguistas e exploradores passaram a ocorrer em áreas até então desconhecidas do mundo civilizado. Humbolt, Spitz e Martius, Joseph Banks, Almirante Cook, estes ainda no século anterior, abriram os olhos da Europa para vastos territórios até então desconhecidos. Um dos mais fascinantes personagens que vimos no século XIX é Sir Richard Francis Burton, um explorador inglês com incrível trajetória. Após uma educação requintada, ele se juntou ao Serviço Colonial na Índia, onde teve oportunidade de mergulhar no
estudo da língua e dos hábitos locais. Dentre outras contribuições literárias desta época está a sua tradução do Kama Sutra, um antigo texto indiano, datado do século III, que trata de temas relativos a comportamentos sociais, arte da sedução, ao papel de homens e mulheres e o que o deixou famoso no Ocidente práticas sexuais. O aspecto do erotismo causou um enorme interesse quando, por compreensíveis razões, foi publicado
na Inglaterra vitoriana.
Ele foi também o primeiro viajante ocidental a visitar Meca, o que fez disfarçado de árabe, após conviver com tribos locais durante 3 anos, para aprender não apenas a língua, como também os sotaques e trejeitos necessários para poder misturar-se à multidão e ter a visão do interior da Kaaba, o edifício sagrado dos muçulmanos. Seu domínio da língua árabe permitiu que efetuasse a primeira tradução completa das Mil e
Uma Noites, livro básico da cultura árabe-persa.
Burton também se empenhou na descoberta das nascentes do Rio Nilo, algo que desde da Roma antiga se procurava identificar sem sucesso. Ele fez um trajeto diferente do que seria de se esperar pois, em vez de subir o rio, ele saiu da costa de Moçambique e chegou à região dos grandes lagos que apontou erroneamente como as nascentes. Isso gerou uma enorme polêmica na Royal Geographic Society e ele mudou de ares quando
foi indicado cônsul na cidade de brasileira de Santos, já então um porto com crescente importância no Brasil. O acesso a língua portuguesa permitiu a ele interessantes identificações entre vocábulos indianos e palavras brasileiras, como por exemplo, o kanji, um tipo de papa na Índia, semelhante à nossa canjica. Ele fez a primeira versão em inglês dos Lusíadas, de Camões.
Quando esteve no Brasil, fez uma viagem às minas de Morro Velho e Sabará, de onde dirigiu-se às nascentes do Rio São Francisco, que desceu em canoa até sua foz. A descrição desta viagem é um livro interessantíssimo, que foi reeditado pela editora mineira Itatiaia há algumas décadas. É curioso o encontro que ele registra nos arredores de Barbacena com Francisco de Paula Santos, conselheiro do império, juntamente com
seu genro, ao qual ele se refere como um “engenheiro francês”. Trata-se do pai de Santos Dumont, nascido ali perto, na fazenda Cabangu, no município que hoje tem o nome do inventor do avião.
Visando ter sua própria noção do que estava se passando na longa guerra travada entre Brasil e Paraguai, ele fez uma visita aos campos de batalha, que incluiu uma conversa com o General Osório. Isso consta do livro “Cartas do Campo de Batalha da Guerra do Paraguai”, editado pela Biblioteca do Exército Brasileiro. Ainda a título de matar sua insaciável curiosidade, ele viaja aos Estados Unidos onde dirige-se à cidade de Salt
Lake City, no Estado de Utah, então habitada quase exclusivamente por mórmons, cuja religião e hábitos de poligamia ele queria verificar.
Sir Richard Burton, nasceu em 1821 e morreu em 1890. Sua dedicada mulher que, evidentemente, não o acompanhou nestas aventuras, mas viveu com ele em Santos, editou várias de suas obras, expurgando alguns trechos mais chocantes que em versões mais recentes foram restaurados. Sua vida merece ser conhecida por um número maior de pessoas existindo 3 ou 4 boas biografias sobre ele, dentre as quais uma traduzida e editada no Brasil.
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