Edição: sábado, 07 de junho de 2025

José Luiz Alquéres

COLUNISTA

José Luiz Alquéresz

O INIGUALÁVEL MARCOS CASTRIOTO DE AZAMBUJA


José Luiz Alquéres, Conselheiro Emérito do Cebri.


Cultura, conhecimentos gerais e específicos da profissão, capacidade negocial e inteligência emocional, memória e história concorrem para fazer um grande diplomata onde se combinam conteúdo e estilo. Em matéria de conteúdo o Itamaraty é farto em exemplos de grandes diplomatas, mas em estilo creio que há unanimidade em reconhecer em Azambuja o mais destacado exemplo da sua geração. O estilo, enfim, como disse Buffon, revela o homem. Lembro algumas anedotas que vivenciei com ele, diletíssimo amigo, que traduzem essa afirmação.

Conheci-o em 1982, quando ele chefiava o departamento de África/Oriente Médio e Oceania do Itamaraty. Participamos juntos de uma viagem para Angola, Moçambique e Zimbawe, naturalmente com volta via Londres. No voo Zimbawe-Londres, que não era Varig, o Ministro que chefiava a delegação e se fazia acompanhar da esposa e dois filhos não conseguiu o upgrade para seus dependentes irem com ele na primeira classe. Os filhos pressionaram Azambuja para que cedesse seu lugar para a mãe viajar ao lado do Ministro. Azambuja safou-se elegantemente apelando para problemas na coluna e compromissos logo na manhã em que chegaríamos em Londres o que exigia repouso porque “servir ao Brasil impunha estes sacrifícios”. Durante o voo da British Airways, Azambuja já cochilando não percebeu que o Ministro havia trocado com sua esposa e acordou com a digna matrona, que não falava uma palavra de inglês, dando-lhe uma espetadela e solicitando: “Embaixador, peça um suco de pinha porque já repeti dez vezes para essa aeromoça e ela finge que não está entendendo!”. Azambuja cumpre o pedido, naturalmente impossível de ser atendido e volta a dormir lamentando não ter aceito a troca para a classe turística.

Magalhães Pinto não falava uma palavra de inglês e, quando Ministro das Relações Exteriores, fazia-se acompanhar de Azambuja para tudo. Naquele período, ocorreu a Guerra dos Seis Dias e as maiores autoridades de Israel, inclusive Golda Meir, vieram ao Brasil e faziam longos esclarecimentos ao Ministro. Após estas exposições que duravam uma hora, pelo menos, Magalhães Pinto pedia para Azambuja formular apenas uma simples resposta: “O Brasil é a favor da Paz”. Azambuja ficava muito decepcionado e mesmo envergonhado com o laconismo da resposta após as longas exposições. Imaginava que os interlocutores israelenses saíam com a impressão que o
Ministro era um ser limitadíssimo. Recentemente, quando me contou essa história na varanda do Country Clube, ele refletiu que, à luz de tudo que ocorre no Oriente Médio há seis mil anos, a resposta é perfeita. Não há nada a acrescentar sobre este conflito. Magalhães Pinto era um sábio, concluiu. Um mineiro senhor do tempo.

Em um jantar que ele oferecia ao então Ministro José Serra, em pé com ele no hall de seu apartamento na Praia do Flamengo, enquanto convidados se despediam e voltavam para falar com algum dos convidados remanescentes, quase meia-noite já, ele suspirava e desabafava comigo: “Na França as pessoas saem sem se despedir, à francesa; no Brasil se despedem, mas não saem”.

A partir de o governo Sarney, no Brasil, e Raúl Alfonsín, na Argentina, passou a haver uma grande mobilização em torno da velha ideia de integração latino-americana, a começar pelo chamado Cono Sur. A integração energética, a exemplo do que havia ocorrido na Europa, era o primeiro aspecto a se considerar e a inauguração de Itaipu era um enorme marco neste processo. A secular doutrina do Itamaraty, porém, não encarava a palavra “integração” com muita simpatia. Desde a proclamação da nossa independência, sempre trabalhamos para que o Brasil tivesse excelentes relações com seus vizinhos, mas o Brasil não olhava com bons olhos que eles se dessem muito bem
entre eles. Preferia vizinhos rivais uns com outros. Enfim, a balcanização das nossas fronteiras, evitando um forte estado ibero-americano nos confrontando sempre foi um temor da diplomacia portuguesa e brasileira. Conversando com Azambuja, então embaixador em Buenos Aires, sobre o projeto de interconexão elétrica com a Argentina e construção de uma usina na fronteira, ele me explicava esta situação e a responsabilidade de nós, brasileiros, em não entravar o processo iniciado do Mercosul, mas também não mergulhar em temas complexos como coordenação de políticas econômicas, moeda única, taxas alfandegárias comuns e outros que até hoje não estão resolvidos e provavelmente não serão tão cedo. Tendo que tocar os meus projetos, propus então que adotássemos o termo de “otimização das bilateralidades”, ou seja, ótimas relações com cada um dos vizinhos conseguidas dentro do clássico enfoque itamaratyano, usando apenas a palavra “otimização”, que permite a flexibilidade de tratar diferentemente cada caso. Assim foi feito nos documentos da época e sempre rimos muito sobre os artifícios semânticos da nossa língua.

Nos últimos anos passamos a conversar muito sobre o Cebri Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Conversas que, no início, tinham a participação do Luiz Felipe Lampreia. Encontrávamo-nos na casa do Lampreia, no Calembe, ou na minha, em Corrêas, bairros de Petrópolis. Aproveitando a existência de uma biblioteca ampla no segundo pavimento de minha casa, chegamos a realizar lá algumas reuniões do Conselho Estratégico do Cebri. Havia, porém, uma grande escada para acesso à biblioteca e, nos últimos tempos, Azambuja passou a se recusar a subir a escada porque lá não havia corrimão e ele havia sofrido uma queda recente em sua própria casa.

Passamos a fazer as reuniões na sala de jantar, mas não resisti a chamá-lo para descerrar a placa comemorativa de um duplo corrimão que mandei instalar em minha casa. Pego de surpresa, ele não se intimidou: comparou a pequena obra ao túnel sob a Mancha, ao Canal do Panamá e a Itaipu, dizendo-se duplamente honrado, pois se contentava com o corrimão apenas de um lado.

A discussão corria solta em uma reunião do Cebri sobre alguma situação internacional conflituosa em que era muito difícil propor uma atitude para o Brasil. Ao mesmo tempo, alguns problemas internos da instituição Cebri vinham à tona, como se o conflito externo tivesse em paralelo um conflito interno. Azambuja ouvia tudo quieto. Quando, na rodada de mesa (ou, como ele gostava de dizer, no "tour de table") chegou a hora dele se pronunciar sobre o que deveríamos fazer, como grande diplomata que era repetiu apenas a frase genial de Talleyrand: "Il est urgent d’attendre" - e concluiu: "J’attends l’heure!” Traduzindo: É urgente que se espere. Eu espero a hora (certa de
agir)!

Perdi um grande amigo e o Brasil um de seus mais brilhantes e modelares servidores públicos. Meu companheiro de clube, de Conselho Cebri, de Diretoria do IHGB e de grande afinidade cultural, além de parceiro ao longo de nossa vida profissional. Sua companhia era tão gratificante e seu humor tão rico e criativo que nem mesmo nas mais difíceis reuniões os participantes nunca saíam tristes.

O mundo sem Azambuja não será o mesmo. Que ele viva em nossas memórias.

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