COLUNISTA
José Luiz Alquéres, engenheiro e urbanista.
Para todos que estranham a enorme desordem urbana que afeta as cidades brasileiras com consequências nefastas para a segurança pública, tempos de deslocamento, qualidade das relações entre seus habitantes e inúmeros outros malefícios, devemos lembrar algumas características que modificaram nossas cidades nos últimos três quartos de século.
A explosão urbana que o Brasil assistiu neste período provocou o aumento da taxa de urbanização de 30% para quase 90%. Isso significa que a maioria das pessoas residentes em nossas cidades tenham um histórico muito recente de educação nos aspectos fundamentais deste viver em grandes coletividades e, também, que a maioria das administrações públicas municipais é formada destes mesmos cidadãos.
O afluxo de pessoas para as cidades, vindas do interior e, em sua maioria, de habitações pequenas, sem disponibilidade de serviços públicos, gerou um panorama de ocupação urbana em periferias ou conjuntos habitacionais onde uma realidade completamente diferente daquela que essas pessoas haviam vivido até então impôs grandes mudanças que acabaram afetando não só os migrantes originais, mas, também, seus filhos e netos.
As administrações públicas mais avançadas tentaram controlar esta situação através de códigos de posturas municipais. As menos avançadas procuravam disciplinar um ou outro aspecto mais crítico por meio de regulamentações específicas para tratar de trânsito, lixo, temas pontuais da vida comum, enfim. O que é de se notar em ambos os casos é a atitude codificadora de alguns direitos e deveres dos cidadãos e a imposição de
multas para reprimir desvios de conduta. Infelizmente não se conhece casos de educação para as complexidades da vida urbana e nem de sucesso na coordenação dessas várias frentes que, por sua natureza, devem ser encaradas em conjunto. A solução deve incluir a educação para viver em edifícios condominiais e educação para viver no conjunto urbano das cidades.
Nas cidades, atividades como manutenção das calçadas, coleta de lixo e disposição de rejeitos sólidos, manutenção da arborização urbana, universalidade e funcionamento da iluminação pública, distribuição de água, coleta de esgotos sanitários, coletas de águas pluviais, circulação de veículos de passageiros e de carga e bicicletas, motocicletas e outros veículos, funcionamento de bares, restaurantes, horários de trabalho, controle do ruído em níveis suportáveis, manutenção de parques e jardins e dezenas de outros, implicam sempre em alguma forma de disciplina e de obediência e adesão por parte dos munícipes, sem falar na competência de gestão e na punição de desvios por parte das autoridades. Ora, tudo isso exigiria uma prévia educação para o viver em coletividade o que não foi proporcionado face o nosso explosivo crescimento urbano.
Assiste-se assim a toda sorte de bandalhas no trânsito, comércio informal e ilegal, ocupação das calçadas, nível de ruído e poluição ambiental insuportáveis causados pela circulação de veículos, vandalismos nas praças e monumentos públicos para os quais o Estado somente oferece uma ineficaz atuação repressiva. E, de vez em quando, operações a que denomina “Choque de Ordem”. Não precisamos de choques de ordem, entendidos como atitudes radicais de curta duração e resultados midiáticos no curto-prazo, porém insustentáveis no médio e no longo. O que precisamos é um estatuto moderno de posturas municipais conjugado a uma educação para o viver em coletividade. Cidades europeias que chegaram ao seu tamanho atual ao longo de centenas de anos tiveram possibilidade de ir refinando este tipo de educação para apresentar o modelar aspecto que apresentam: calçadas limpas,
bem mantidas, sem obstáculos, comércio formal, ruas iluminadas, bons serviços públicos, etc., etc.
A nossa carência não se limita a não termos bons serviços públicos, precisamos também olhar dois aspectos. O primeiro é a eliminação da favelização que atinge 60% da população de cidades como Belém e Macapá, e mesmo 20% da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do país. Não tem sentido se falar em calçadas, iluminação, vias urbanas no emaranhado de becos, vielas, valões com esgoto aberto que caracterizam essas habitações sub-humanas. O segundo é tratar a educação para o viver coletivo com a mesma prioridade que estamos procurando olhar a infraestrutura física. No cerne da questão que discutimos estão as pessoas, seu grau de conhecimentos e seu engajamento na vida da cidade, que deve ser entendida como uma extensão do seu espaço doméstico. No dizer do título do livro do saudoso Carlos Nelson, do IBAM, a solução virá: “Quando a Rua vira Casa”.
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