COLUNISTA
José Luiz Alquéres, engenheiro e planejador regional.
Cidades que possuem algumas centenas de anos têm um grande desafio. Elas precisam se adequar aos novos tempos e prepararem-se para os futuros, mas a infraestrutura habitacional e de serviços públicos funciona como uma camisa-de-força que torna difícil alterações que ensejam uma qualidade de vida decente para seus habitantes. O Rio de Janeiro, particularmente, sofre desta condição, agravada por uma significativa mudança que sofreu em meados do século passado, quando se deu transferência da capital federal para Brasília. A cidade é dos seus habitantes, e para repensar alguns dos seus aspectos conversei com um time multidisciplinar de interessados na vida urbana do qual faziam parte membros do comitê estratégico da Associação Comercial do Rio de Janeiro, a PhD pela UFRJ Sylvia Alquéres, o casal de urbanistas Mozart e Teresa Serra. Eu recorri, ainda, às lições ouvidas de grandes mestres, como Sérgio Magalhães e Vicente Loureiro.
Como o debate sobre o futuro do Rio deve ser conduzido com plenitude, exponho aqui ideias para uma ação induzida pelo Estado a ser implantada com a intensa participação da iniciativa privada. A ideia em questão procura resolver o esvaziamento econômico do Centro do Rio, a funcionalidade da ocupação da Ilha do Fundão após a falência do ultrapassado modelo de Cidade Universitária que presidiu sua instalação e a grande favela de 120 mil habitantes denominada Favela da Maré.
Resumidamente, a ideia consiste em reocupar o Centro do Rio com moradias para alunos, professores e funcionários da UFRJ, que transferiria para edifícios retrofitados todas as unidades que pudessem passar por esse processo. Cálculos preliminares apontam que este movimento, excluindo as instalações de laboratórios especializados e de empresas e startups já funcionando no polo tecnológico do Fundão, deslocaria para o Centro um contingente
de cerca de 60 a 80 mil pessoas. Se a estes se somarem outros serviços como escritórios de engenharia, advocacia e centros de estudos, escritórios de profissionais liberais como médicos, dentistas e outros estaremos viabilizando de novo um Centro fervilhante com restaurantes, bares, teatros, cinemas, tudo operando a distâncias acessíveis a pé. Transição energética inteligente é isso: gastar menos energia e não apenas mudar a fonte de
suprimento.
A Maré e o Fundão ocupam aproximadamente a mesma superfície, cerca de 5 km2. A Maré possui 130 mil habitantes e uma densidade praticamente igual a de Copacabana, só que seus habitantes vivem em imóveis unifamiliares, com péssimas condições de infraestrutura e circulação. Já a Ilha do Fundão possui basicamente locais de trabalho e estudo, com densidade residencial rarefeita. O deslocamento planejado e executado com a participação das associações comunitárias da Maré poderia levar para o Fundão metade da população desta favela para condições decentes de moradia, com oferta local de emprego e alguns serviços públicos como hospitais, edifícios adaptáveis a escolas de ensino fundamental e médio, além de um acesso aos sistemas logísticos de transportes bem planejado interconectando esta área ao grande terminal existente entre gasômetro e rodoviária Novo Rio. Esta área poderia ser servida por transporte de massa elevado de modo a facilitar um uso sustentável e de alguma forma contribuir para uma saudável relação entre moradores e sistema público de transportes, o que, infelizmente, não se assiste em nossa cidade.
Em paralelo com o deslocamento de parte da população para a área do Fundão, se daria a reurbanização da Maré por meio da construção de edifícios de 4 ou 5 andares, reforma e ampliação de escolas e postos de saúde existentes e uma artéria de trânsito com escoamento para automóveis e canteiro central em um sistema de transporte elevado em paralelo com o sistema do Fundão e ambos com estações de baldeamento para linhas pré-existentes de BRT. Isto transformaria esta área hoje ocupada em grande parte por habitações sub-humanas e plano de circulação que favorece a impossibilidade do Estado assumir o domínio territorial desta área num bairro onde se localizariam, ao lado das habitações, um grande número de pequenos negócios ou serviços que proporcionassem empregos locais de boa qualidade.
Esta ideia submetida a diferentes públicos tem recebido um simpático apoio, mas, evidentemente, só andará quando os governos pararem de pensar que tudo de resume na próxima eleição e formarem autarquias que trabalhem estes 3 temas (Centro do Rio, Fundão e Maré) simultaneamente, o que pode viabilizá-los no horizonte de quatro a oito anos. Está na hora de encararmos o problema do Rio do futuro com coragem e determinação, e não com a venda nos olhos que nos legou um município com quase um milhão e duzentos mil habitantes vivendo em favelas e vastas áreas centrais e urbanizadas sem ocupação. Os custos envolvidos neste projeto são inferiores aos 43 bilhões de reais investidos pelo BNDES na usina de Belo Monte, um empreendimento que deveria ter sido integralmente financiado com recursos privados setoriais.
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