OLUNISTA
Estamos acostumados a ler, especialmente nos discursos políticos, a expressão minhas prioridades serão ... seguidas de uma longa relação de coisas a fazer. Ora, prioridade tem o sentido semântico contrário: é aquilo que deve ser feito antes de qualquer outra coisa. Em um discurso político autêntico, qual seria a prioridade a ser adotada em um contexto de inumeráveis carências? A resposta é simples, a expressão que abrange o elenco de urgências a serem atendidas. No caso urbano, esta expressão é Habitação Digna, nela incluída as condições de segurança física, segurança de bairro, provisão de serviços públicos e de equipamento social acessível.
O Brasil tem se jactado publicamente de ser o maior exportador de minério e de carne bovina do mundo; o segundo maior produtor de soja e milho; o celeiro da humanidade; o pulmão verde do mundo; e, na esteira de tais conquistas, algumas mero fruto do que a Natureza lhe proporcionou, reivindica ser membro do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, árbitro das disputas entre Israel e Palestina, ou Rússia e Ucrânia, ou ainda, pelo menos, entre Venezuela e Guiana, na falta de coisa melhor.
O que é incompreensível é visar no plano internacional tais ambiciosos objetivos sendo incapaz de resolver o problema de dar habitação digna para 20% de sua população. É inconcebível que cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e mesmo cidades de menor porte, como a maioria dos municípios periféricos nas regiões metropolitanas, estejam crescentemente cercadas por bolsões de habitações insalubres, oferecendo risco de vida em função de deslizamentos ou inundações a cada temporal, não proporcionando o mínimo de segurança pública para seus habitantes atuais ou de esperança de saúde e educação melhores para o futuro. Esta é a prioridade que todos devemos cobrar do Estado, já sabendo que dele devemos esperar apenas o acolhimento a fórmulas criativas de resolver o problema com intensa participação da iniciativa privada.
Lembro com espanto que há 50 anos o BNH Banco Nacional de Habitação, extinto no governo Collor, chegou a promover a construção de um milhão de habitações por ano. Hoje, a meta do Minha Casa, minha vida é um milhão de residências em quatro anos para um Brasil com população mais do que triplicada.
É uma vergonha nacional o descaso em relação à condição de vida que um país rico como o nosso relega a uma parte considerável da sua população. Projetos criativos envolvendo a melhor tecnologia de pré-fabricação, arquitetura, urbanismo ecológico, formação e consolidação de comunidades socialmente virtuosas deveriam ser iniciados simultaneamente em todo país, de forma que, com a participação das populações afetadas, modelos de habitações dignas pudessem prosperar e em prazo aceitável, digamos 10 anos, eliminar esta chaga social. O efeito sobre saúde pública, educação, saneamento, sustentabilidade, segurança pública e tantas outras necessidades ficaria resolvido automaticamente - ou, pelo menos, passível de ser enfrentado com sucesso.
É uma demonstração de total insensibilidade e incompetência das administrações governamentais persistirem na estrondosa divulgação de façanhas e sucessos sem olhar para o rastro de injustiças e de desajustes que a sua omissão provoca e é surpreendente que as populações que sofrem com essa situação se mostrem conformadas com o modelo de governo e de sociedade egoísta vêm condenando, há muito, seus filhos a uma vida mais curta, mais sofrida e mais desprovida de felicidade.
A sobrevivência do regime democrático, a eliminação da possibilidade de nos transformarmos em um estado onde não prospere o domínio territorial de facções criminosas requer uma ação imediata e as associações empresariais e outras entidades da sociedade civil deveriam dar os passos iniciais, sem aguardar o estado para resgatar este enorme passivo social.
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