COLUNISTA
José Luiz Alquéres, Conselheiro do Clube de Engenharia
A urgência da questão de a sustentabilidade ser tratada de uma maneira lógica, desapaixonada, é um imperativo que decorre da sua própria natureza. Como demonstração dessa afirmativa, escrevi três livros cujas ideias condutoras apresento a seguir.
No meu livro “3000 anos de Política”, apontei, na conclusão, que os grandes determinantes para o aperfeiçoamento do processo político seriam a maior participação feminina, a tolerância e convivência com adversários e a democracia. Esses três conceitos deveriam ser agregados sob o direcionamento de um objetivo maior, quase uma religião: a sustentabilidade do planeta.
A partir dessa convicção de que a ação política resulta na construção do mundo em que vivemos , decidi explorar, sob a ótica da ciência, o tema da sustentabilidade. Claramente, enquanto as três primeiras dimensões citadas no parágrafo anterior devem ser estudadas no campo das ciências políticas e sociais, a sustentabilidade requer uma nova visão sobre o desenvolvimento das ciências naturais. Analisando, na minha obra “Uma Crônica da Ciência no Ocidente”, a evolução da ciência ao longo dos 10.000 anos desde o início da sedentarização humana, cheguei a algumas conclusões.
A primeira é que a ciência evolui em resposta às necessidades e prioridades da espécie humana. Assim, a necessidade de produzir melhores alimentos e em maior quantidade levou à domesticação de plantas e animais e a uma série de técnicas primitivas de irrigação. Em paralelo, a necessidade de transporte de pessoas e cargas a distâncias cada vez maiores imprimiu um grande desenvolvimento tecnológico à logística.
As frequentes hostilidades e disputas territoriais entre populações vizinhas, bem como a consolidação de grandes agregados identitários na forma de povos, países e impérios, corresponderam a um enorme desenvolvimento dos instrumentos de ataque e defesa. A engenharia militar, ao longo desses 10.000 anos, continua até hoje aumentando o seu poder de destruir, ferir, matar e aniquilar inimigos. Outra conclusão importante, que motivou grande desenvolvimento científico, é justamente o oposto da anterior: curar, tratar, proteger e prolongar a vida.
Todos esses motores do desenvolvimento científico têm em comum o fato de terem sido criados sem grande consideração pelos impactos ambientais decorrentes. A superexploração das florestas, a degradação dos solos férteis, a contaminação das águas, a acidificação dos oceanos, a exploração de recursos fósseis esgotáveis e a poluição atmosférica transformaram a face do nosso planeta, que hoje abriga 8 bilhões de habitantes. Isso tornou esses processos enormes causadores de desequilíbrios ambientais, levando à extinção de milhares de espécies vivas a cada ano.
O meu livro sobre a evolução da ciência conclui com um ensaio denominado “A Sustentabilidade é um Humanismo”, chamando a atenção para o fato de que não se pode mais pensar em qualquer processo sem considerar, em paralelo, suas consequências ambientais. É necessário eliminar, mitigar ou compensar os efeitos negativos, o que implica mudar a maneira de olhar o desenvolvimento científico. Esse desenvolvimento precisa se focar na sua relevância para a sociedade global, uma vez que a degradação ambiental não reconhece fronteiras políticas.
Para dar objetividade a essas reflexões, o livro que escrevi em sequência aos dois anteriores, “Empresas Sábias A Humanização da Cultura Empresarial”, aborda dois aspectos centrais.
O primeiro é a constatação de que as empresas, especialmente as grandes empresas uma conquista da humanidade consolidada no século XIX , são os mais importantes agentes para que uma ação eficaz de sustentabilidade ambiental possa ocorrer. As empresas são entidades duradouras, capazes de sobreviver a várias gerações humanas e de recompor as condições ideais de vida no planeta. Seu comprometimento tende a ser mais eficaz do que o de indivíduos isolados e até mesmo do que o de países, cuja maioria não supera o poder das dez maiores empresas mundiais.
Ademais, os ciclos políticos e o próprio conceito democrático de alternância de poder frequentemente provocam descontinuidades em políticas de longo prazo, como as ligadas à correção dos desequilíbrios ambientais. Este é um enorme desafio para as democracias, que, por vezes, se dobram à eleição de líderes comprometidos com promessas de curto prazo, negligenciando as gerações futuras.
O segundo aspecto é justamente como humanizar as políticas e a cultura empresarial. O livro aponta que esse processo deve envolver todos os colaboradores e empregados, mas que, pelas características da distribuição de poder dentro das empresas, deve ser fortemente amparado pelos conselhos de administração e pelos níveis mais altos de gestão. Sem essa ação para a qual o livro recomenda, além de práticas de respeito e atuação voluntária junto às comunidades atendidas pelas empresas, uma ênfase no ensino de humanidades em todos os cursos de base científica, de onde vêm a maioria dos administradores públicos e privados , não será possível alcançar uma verdadeira transformação.
O Brasil precisa acordar para essa transformação na forma de pensar de pessoas, de empresas e de governos para que um futuro sustentável seja atingido em benefício das futuras gerações, ainda que isso possa representar alguma privação para os atuais habitantes do planeta.
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