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José Luiz Alquéres

COLUNISTA

José Luiz Alquéresz

Investimento em Saúde

José Luiz Alquéres

A ciência, ou seja, o conhecimento, desde o passado longínquo, vem evoluindo incessantemente, ora mais lentamente ora dando saltos.


Especular sobre o futuro da ciência, portanto, não é um exercício determinístico. O futuro pode acontecer de maneiras muito diferentes. Hoje em dia, pode-se afirmar que, mais do que em qualquer época anterior da história, o futuro está na mão da humanidade, das decisões que ela venha a tomar sobre os fatores condicionantes do seu desenvolvimento.


Os fatores condicionantes ou drivers do futuro da humanidade dependem de como ela orientará os rumos do desenvolvimento científico, pois, na atual era do antropoceno, é o homem empoderado pela ciência que está definindo, com suas ações, o destino do planeta.


Podemos simplificar em meia dúzia de drivers as linhas de ampliação do conhecimento atual:


1º - Um impulso pelo conhecimento do que é o universo e do nosso papel nele. Isto já foi matéria da mitologia, da religião, da física clássica e, atualmente, da física teórica quântica. Permanece, todavia, neste estudo, uma dimensão metafísica, que na expressão mais simples tem origem no axioma: do nada, nada se faz.


2º - Produção de alimentos em escala suficiente. Desde os primitivos caçadores e coletores até as formas mais sofisticadas de agricultura e pecuária, essa preocupação requer investimentos, dá origem a guerras e destruição de ambientes naturais. Centros de pesquisa como a EMBRAPA, hoje parcialmente desmontada, contribuíram para fazer do Brasil um líder mundial nesse campo.


3º - Habitação e infraestrutura. A necessidade de abrigo, comodidade nos deslocamentos, usufruto de climatização adequada, comunicações e outros confortos, não só gerou a maior parafernália de aplicações científicas, como criou uma sociedade mundial de consumo que altera a cada dia o equilíbrio dos sistemas e biomas naturais.


4º - A concentração de pessoas em grandes cidades, vivendo em condições de compartilhamento obrigatório de espaços e facilidades, vem impondo, há mais de três milênios, estudos e proposições sobre os homens, a sua cultura, os seus comportamentos e suas formas de organização política e de seus sistemas produtivos, o que, desde meados do século XVIII, resultou na qualificação dessas iniciativas ,como o desenvolvimento de ciências sociais que buscam entender como e porquê indivíduos e seus agrupamentos, em pequena ou grande escala, agem.


5º - As guerras e as disputas entre aldeias, nações e civilizações, tem sido uma constante na humanidade por razões de sobrevivência, conquista de riquezas ou do poder, por conflitos religiosos ou de ideologias. Ainda hoje, a maior alocação de recursos da pesquisa científica se dá para se desenvolver formas de matar os nossos semelhantes ou nos defendermos dos seus ataques.


6º - Saúde e qualidade de vida. Sempre houve a preocupação dos homens e mulheres desenvolverem meios de curar doenças, ferimentos, aliviar sofrimentos, viver melhor e estender a sua expectativa de vida. Em algum grau, todos os drivers anteriores contribuíram para algum tipo de progresso nesta área, embora, só muito recentemente na história da humanidade, nos últimos 250 anos talvez, se tenha alocado recursos mais significativos com este propósito específico.


No ambiente que imaginamos o futuro da ciência, os cinco primeiros drivers tendem a gerar recursos suficientes para sua adequação às futuras demandas do mundo. Eles resultam na necessidade de produtos para os quais existem mercados estruturados de consumo presente e perspectivas de uma certa estabilidade no futuro, mesmo que sujeitos às enormes mudanças impostas por uma transição energética e nos usos da terra, além da necessidade de restauração de ambientes naturais e oceanos.


O sexto driver, da saúde, acaba imputando à geração atual o início de enormes investimentos em prevenção de pandemias, desenvolvimento de vacinas e transição de uma medicina curativa para uma administração do corpo humano voltada para a longevidade com qualidade de vida. Isso requer investimentos significativos que, em grande parte, necessitam ser cobertos pela sociedade civil. Um exemplo patético da descontinuidade desses investimentos quando eles deixam de interessar a financiadores de curto prazo está na desmobilização e encerramento de atividades do maior hospital de doenças tropicais, que era o de Londres, quando a Inglaterra extinguiu o seu império colonial. As populações daqueles países de baixa renda não eram mercados que justificassem investir na prevenção de doenças inexistentes na Grã-Bretanha.


O ponto mais importante, em minha visão, no tocante ao futuro da ciência, é a alocação de recursos para a pesquisa científica e tecnológica no campo da saúde e qualidade de vida, que, no caso brasileiro, apoiado por um pequeno número de mecenas privados, requer mobilização mais ampla de pessoas e de empresas e, mesmo, uma disposição pública em conhecer, avaliar e valorizar o conhecimento nessa área. As recentes pandemias de HIV e COVID-19 mostram, além da demora de respostas efetivas, a enorme ignorância quanto as causas e meios de prevenção. Por isso, no Brasil especialmente, com suas especificidades climáticas, sociais e grau de instrução da população, a importância do mecenato não só de pessoas físicas, mas, também, de empresas privadas, no apoio a pesquisas e desenvolvimento nessa área, as vezes com resultados alcançados décadas depois de seu início, deve se tornar a preocupação fundamental dos segmentos mais cultos e mais ricos da sociedade, enquanto se processam em paralelo as iniciativas de conscientização das instituições governamentais.

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