COLUNISTA
1. Me fala um pouco sobre a sua trajetória profissional
Eu tomei posse em 2010, como delegada plantonista da 62DP, Imbariê. Em 2013, fui para a 60DP, Campos Elísios, ser delegada assistente. Em 2014, fui para 35DP, Campo Grande, como delegada assistente. Em 2016, fui para a DRCI, delegacia de repressão aos crimes cibernéticos, como delegada assistente. No final de 2017, fui para a DRFC, Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas, como delegada assistente. E em 2018, assumi a DEAM Caxias, como delegada titular, onde permaneço até hoje.
2. Porque escolheu essa profissão?
Eu acabei escolhendo a profissão ao acaso, fiz o concurso sem grandes pretensões, mas acabei me apaixonando pela profissão, a ponto de ter a possibilidade de mudar de carreira, por ter passado para o concurso de procurador federal, mas recusei por entender não fazer parte da minha missão. É muito bom atuar em prol da sociedade e de tantas vítimas, trazendo conforto, segurança e bem-estar para pessoas que estão em um momento de fragilidade e vulnerabilidade. O delegado funciona como o primeiro garantidor dos direitos e garantias fundamentais, em defesa de quem precisar, já que a delegacia é uma das poucas portas que permanece aberta 24h por dia.
3. Quais são os maiores desafios da sua profissão?
São vários desafios. A falta de efetivo é atualmente a que mais afeta o trabalho da polícia. A polícia trabalha 24h por dia, temos demandas 24h por dia, o que prejudica o convívio com a família, amigos e momentos de lazer. Na violência doméstica, temos muitos desafios, não só em razão do trabalho preventivo que é feito pelas Delegadas das DEAMs, como também com a falta de informação, padronização e alta rotatividade da rede de proteção.
4. Há quanto tempo está na frente da delegacia da mulher?
Estou a frente da DEAM Caxias desde 2018. Em 2016, iniciei o mestrado e as pesquisas em violência de gênero, o que me impulsionou a aceitar o convite de assumir a titularidade da DEAM Caxias. Em 2020, iniciei o doutorado na UERJ e continuei as pesquisas na temática da violência de gênero.
5. Como é lidar diariamente com essa situação?
Lidar com essa temática diariamente, apesar de ser muito angustiante e desgastante, é ao mesmo tempo muito gratificante, poder fazer a diferença na vida de tantas mulheres e família, evitando feminicídios. As pesquisas demonstram que a grande parte das mulheres que morreram, vítima de feminicídio, não tinham registrado as violências anteriores, nem tinham medida protetiva de urgência, o que demonstra que quanto antes registrar, mais protegida estará essa mulher.
6. Quais são os índices de crimes contra a mulher?
O último Dossiê Mulher de 2023, trouxe os dados do ano de 2022, totalizando 125.704 casos de violência doméstica e familiar, sendo 111 feminicídio. O Dossiê Mulher de 2024 não foi lançado ainda. Mas já tem notícias informando que em 2024 houve um aumento dos índices, o que demonstra que ainda temos muito trabalho pela frente, na desconstrução da cultura machista, patriarcal e misógina.
7. Como identificar uma agressão e quais são os tipos de violência contra a mulher?
Temos cinco tipos de violências, definidas na Lei Maria da Penha. A física, que todos conhecem, como sendo aquela que ofende a integridade física e saúde corporal, como um tapa, empurrão, soco, pontapés, facadas, etc.
A moral, que inclui a ofensa a honra da vítima, configurando o crime de injúria, calúnia ou difamação, como xingamentos, ofensas verbais, etc.
A patrimonial que abrange a retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades, incluindo aí o estelionato sentimental.
A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Não se trata só do crime de estupro, incluindo os crimes de importunação sexual, reprodução ou divulgação de cena de sexo ou pornografia, etc.
A violência psicológica foi descrita como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Aqui tivemos uma inovação em 2021 com a tipificação dos crimes de Stalking (perseguição) e violência psicológica que abrange essas condutas, além do crime de ameaça ou até descumprimento de medida protetiva de urgência, que também são formas de violência psicológica.
Aqui é muito comum o gaslighting, por exemplo.
A violência começa quando termina o respeito. Portanto, é importante que a vítima esteja atenta a esses sinais de controle exagerado, manipulação, chantagens, ciúmes excessivo, xingamentos, ofensas reiteradas, ameaças, o que aponta que a vítima já está na primeira fase do ciclo da violência, devendo imediatamente denunciar ou procurar ajuda.
8. Quais são os direitos das mulheres?
O artigo 9o, da Lei Maria da Penha traz inúmeros direitos para as mulheres vitimadas. Aliás, a lei traz inúmeros dispositivos protetivos e preventivos.
A vítima deve denunciar no primeiro sinal de violência, e a lei prevê toda uma rede de proteção, atendimento e assistência à mulher vitimada. Pode registrar 24h em qualquer delegacia, deve ligar para 190 em caso de situação flagrancial. Ao chegar na delegacia, registrará a ocorrência e solicitará as medidas protetivas de urgência, sendo encaminhada à rede de proteção (CEAM, Defensoria Pública, além do IML e hospitais ou abrigos).
A vítima tem direito a assistência jurídica gratuita da defensoria pública, que oferecerá suporte jurídico e fará o seu acompanhamento desde a fase policial.
Em caso de risco iminente de morte, poderá ser encaminhada para as casas-abrigo.
A vítima terá direito a acompanhamento psicossocial pela rede de proteção, seja CEAM, CIAM, CRAM, CREAS, ou a rede de proteção oferecida pela Município.
9. Quando a mulher deve procurar ajuda em uma delegacia?
A mulher deve procurar ajuda na Delegacia no primeiro sinal de violência, seja a psicológica, moral, sexual, patrimonial ou física. Seja no início do ciclo, na fase da tensão, da explosão ou do arrependimento, a vítima deve procurar ajuda. Quem sofre violência, tem pressa.
10. Qual a sua percepção sobre o aumento de casos de feminicídio?
Os aumentos dos índices, demonstram que precisamos urgentemente envolver TODA a sociedade no combate a violência contra a mulher, desconstruindo essa cultura perniciosa tanto para as mulheres, quanto para os homens.
Em que pese termos a 3a melhor Lei do mundo, figuramos como o 5o país mais agressor de mulheres. Isso por si só, já diz muito da nossa cultura e de todo o reflexo dessa cultura, seja nos índices de violência, na cultura do estupro, na discriminação da mulher no mercado de trabalho, na sobrecarga das mulheres com a atividade de cuidado, que vem gerando reflexos na saúde mental inclusive delas.
11. Qual o papel da sociedade nesses casos?
Enquanto a sociedade não entender que a violência contra a mulher é um problema de todos nós, um problema de saúde pública, que afeta toda a família e, inclusive, o PIB do país, não teremos grandes avanços na diminuição dos índices. A desconstrução dessa cultura tem que começar em casa, no seio das famílias, ser fomentada pelas escolas, igrejas, Estado e reafirmada por toda a sociedade.
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