COLUNISTA
Os três vinhos de Portugal mais famosos dentro e fora do país pela sua singularidade, são os Vinhos Verdes, do Porto e os Vinhos da Madeira. Sendo que o de curriculum mais extraordinário (e uso o adjetivo no seu sentido etimológico: extra ordinário = fora de série) é, sem favor, o Vinho Madeira. A começar pelo componente sorte, sempre presente no seu DNA.
E a prova é que só ele “mereceu” do destino duas formidáveis pulsões: 1) cair no goto da alta elite dos americanos nos fins do século XVIII; 2) capacidade der transformar a adversidade (longas travessias em um mar traiçoeiro) na sua essência: o vinho Torna Viagem.
Vamos lá.
Assim como o Vinho do Porto, o “seu irmão” fortificado, o Vinho o Madeira era importado pelos ingleses para consumo “na ilha”, desde o início do século XVII. Mas os comerciantes da City exerciam forte influência sobre as suas 13 colônias na América do Norte e decidiram faturar mais, exportando “na marra” o Madeira para lá, como a cereja do bolo. E o precioso néctar começou, então, o seu novo itinerário: Funchal Liverpool - Nova Jersey. E Nova Jeresey Filadélfia (então capital dos EUA).
A tal ponto, que o sofisticado fazendeiro e general George Washington(*) serviu-o à farta para brindar a assinatura da Declaração de Independência (1776) e repetiu o feito com um Madeira Sercial, 10 years, para si e para os convidados à sua posse como primeiro presidente dos EUA, em 1789.
Primeira foto: Vinho Madeira Sercial 10 anos
Bom, mas os revendedores ingleses enviavam os tonéis para os EUA sem avaliar corretamente a demanda (imaginem!) e, portanto, enviavam tudo o que podiam. E o mercado (elite) não absorvia nem 70%. Resultado: voltava muito vinho Madeira! Daí ele passou então a ser chamado de Vinho da Roda ou de Vinho Torna Viagem.
E pasmem: o vinho voltava melhor! Quase que milagrosamente, o calor e o movimento das caravelas faziam bem ao vinho Então, e movidos pela evidência de que o calor melhorava o vinho, porque a aceleração do seu envelhecimento aumentava a sua COMPLEXIDADE, os produtores das encostas de Funchal começaram a investir na técnica de ESTUFAGEM, que consistia (e consiste) em obter o mesmo efeito do Vinho Torna Viagem sem sair da Ilha da Madeira!
Segunda foto: as caravelas do século 18
Ou seja, ou por aquecimento direto, ou por circulação de ar, ou por vapor de água circulando nas serpentinas de cobre que mergulham no vinho, se obtém o sabor inigualável deste longevo “Embaixador de Portugal”.
Terceira foto: estufagem
Detalhe: em qualquer outra elaboração de um vinho, em qualquer outro lugar do planeta, essa técnica corresponderia a um tiro na cabeça: morte certa. No caso do Vinho Madeira, certificado de qualidade!
Finalmente: o vinho Madeira é produzido com as uvas locais Tinta Negra, Sercial, Boal, Verdelho e a Malvasia, estas quatro últimas com melhor resultado de vendas. Mas de todos os Madeiras, o Madeira pra chamar de meu, é esse mesmo Sercial 10 anos que Mr. Washington já apreciava há mais de 200 anos!
Conclusão: as águas separam os povos, (mas) o vinho os aproxima!
Quarta foto: George Washington
Quinta foto: fazenda do presidente em Mount Vernon
(*) George Washington tinha as bochechas rosadinhas (seria o Vinho Madeira?) e era um estadista com tal visão da “dinâmica do convívio”, que assim como os duques da Lombardia no século XV (o de Milão, Ludovico Sforza, contratou Leonardo Da Vinci para seu banqueteiro!) e Luis XVI na França, no século XVI, fazia das reuniões à mesa, e banquetes, o “show-room” dos produtos de seus país e de sua boa-vontade para com os países amigos. De tal forma, que George e sua mulher, Martha, nunca jantavam a sós. Tinham sempre convidados, sobretudo estrangeiros. E serviam desde a “chowder”, que é uma sopa de amêijoas (no caso colhidas no Potomac) e mariscos, com leite, tipicamente americana, até copiosos “barbecues” com carne de boi confinado de sua fazenda em Mount Vernon, na Virgínia na época muito mais confortável do que a Casa Branca!
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